You don’t think I’m gonna take care of you?
Direção: Ari Aster
Roteiro: Ari Aster
Elenco: Toni Collette, Gabriel Byrne, Alex Wolff, Ann Dowd, Milly Shapiro, Brock McKinney, Jake Brown, Mallory Bechtel, Morgan Lund, Bus Riley, Heidi Méndez
Hereditary, EUA, 2018, Terror, 127 minutos
Sinopse: Após a morte da reclusa avó, a família Graham começa a desvendar algumas coisas. Mesmo após a partida da matriarca, ela permanece como se fosse um sombra sobre a família, especialmente sobre a solitária neta adolescente, Charlie, por quem ela sempre manteve uma fascinação não usual. Com um crescente terror tomando conta da casa, a família explora lugares mais escuros para escapar do infeliz destino que herdaram. (Adoro Cinema)
Sucessor de Mãe! no sentido de ser o filme mais polarizador do cinema norte-americano em 2018, Hereditário, contudo, representa a consolidação do terror mais sofisticado e menos simplista junto às grandes plateias. Se já vivemos épocas em que sucessos de bilheteria eram trabalhos pautados por um estilo mais grotesco e escrachado como A Casa de Cera, Horror em Amityville, O Albergue e uma infinidade de Jogos Mortais, hoje a criatividade e a autoria parecem ter lugar cativo: Invocação do Mal, A Bruxa, Corra! e Um Lugar Silencioso, citando apenas obras mais recentes, exploram as possibilidades estilísticas do gênero de forma exemplar, além de, em casos pontuais, proporem a discussões contemporâneas a partir do medo, da tensão ou do assombro. Com Hereditário, que está em cartaz nos cinemas brasileiros, ganhamos mais um título para reforçar essa tese, e um título dos mais interessantes do ponto de vista de repercussão: independente de pré-conceitos e do quanto o resultado como um todo é envolvente, você precisa assisti-lo e, principalmente, debatê-lo, sensação despertada apenas por uma mínima porcentagem dos filmes que costumamos conferir ao longo do ano.
Conduzindo situações e personagens por terrenos incertos, onde muito se deduz e pouco se diagnostica em termos daquilo que devemos temer ou suspeitar (uma qualidade tremenda, diga-se de passagem), Hereditário mostra todo o talento do diretor Ari Aster em seu primeiro longa-metragem: há uma atmosfera latente no filme, auxiliada tanto pelas ferramentas técnicas (a trilha de Colin Stetson cria o clima ideal até mesmo nas notas mais altas e previsíveis) quanto por essa matéria-prima da incerteza que define os melhores relatos de terror. A força maior, contudo, está no conceito pensado para a trama, que é impulsionada pela discussão sobre como a dor e o luto são capazes de nos levar a lugares inimagináveis. Tudo começa quando Annie (Toni Collette) perde a mãe e, dias depois, sofre outro baque emocional que atingirá também e principalmente o filho Peter (Alex Wolff). Entre eles, há ainda o pai vivido por Gabriel Byrne e a estranha irmã mais nova (Milly Shapiro), mas é do intenso calvário emocional de Annie e Peter que Hereditário extrai tensão e angústia. Ao mostrar o quanto o luto mexe com as nossas ideias e sentidos, o roteiro desafia o espectador a concluir se o estado de transe dos personagens está apoiado na loucura, na realidade ou, quem sabe, até mesmo no sobrenatural. E os resultados desse processo de questionamentos são ricos no drama e no terror, inclusive porque Toni Collette e Alex Wolff são ótimos atores.
O filme que percorre caminhos tão instigantes vai por água abaixo no terço final, e por uma razão que julgo ser bastante decisiva, para não dizer um pouco desonesta: a de virar completamente do avesso o seu estilo de terror. Poderíamos dizer que, antes disso, Hereditário ainda comete o pecado de explicar ponto a ponto o seu mistério, o que soa amador para uma obra que vinha carregando força e tensão exatamente na falta de respostas, mas o problema maior está mesmo nessa troca de estilo, que é gravíssima para um gênero tão específico como o terror. Ora, ninguém engoliria Os Outros, por exemplo, caso, de repente, todo o seu mistério fosse somente um plano do boneco Chucky. Hereditário me chateia por causa disso: além das explicações desnecessárias, a conclusão, cuja cena final é uma clara evocação do que já vimos em A Bruxa, transforma um filme em outro (um que eu provavelmente não veria), e ainda o faz a passos apressados, com guinadas e conclusões tumultuadas. Já se a mudança drástica é parte de um plano maior para causar o efeito da provocação e do incômodo, ao menos há de se reconhecer que Ari Aster acertou em cheio, pois Hereditário é, indiscutivelmente, quer se goste ou não, o filme-evento da temporada.
Pingback: “Men: Faces do Medo” tem pouco a dizer sobre a estrutura opressora do machismo | Cinema e Argumento
Pingback: Festival de Sundance 2022: “Resurrection”, de Andrew Semans | Cinema e Argumento