Wouldst thou like to see the world?
Direção: Robert Eggers
Roteiro: Robert Eggers
Elenco: Anya Taylor-Joy, Ralph Ineson, Harvey Scrimshaw, Ellie Grainger, Lucas Dawson, Bathsheba Garnett, Sarah Stephens, Julian Richings, Wahab Chaudhry
The Witch: A New-England Folktale, EUA/Reino Unido/Canadá/Brasil, 2015, Terror, 92 minutos
Sinopse: Nova Inglaterra, década de 1630. O casal William e Katherine leva uma vida cristã com suas cinco crianças em uma comunidade extremamente religiosa, até serem expulsos do local por sua fé diferente daquela permitida pelas autoridades. A família passa a morar num local isolado, à beira do bosque, sofrendo com a escassez de comida. Um dia, o bebê recém-nascido desaparece. Teria sido devorado por um lobo? Sequestrado por uma bruxa? Enquanto buscam respostas à pergunta, cada membro da família enfrenta seus piores medos e seu lado mais condenável. (Adoro Cinema)
O verdadeiro terror de A Bruxa se escancara logo no início do filme e, assim como no restante da produção, ele está longe de se configurar da maneira como estamos habituados a ver no gênero. O motivo não é nada associado a sustos: em plena década de 1630, uma família é expulsa de uma comunidade religiosa não por pecado ou voluptuosidade, mas sim pelo excesso de credo. Isso mesmo, excesso de religiosidade em 1630! Existe algo mais amedrontador do que isso? O afastamento dos personagens é o ponto de partida para a série de paranoias desse clã que, ao se isolar em uma paupérrima casa no meio da floresta, começa a viver situações estranhas que fogem de seu controle e a acreditar que aquele local está sendo pouco a pouco tomado por uma entidade sobrenatural. Não se engane, porém, ao pensar que A Bruxa é um terror clássico para ir ao cinema assistir com os amigos. Na realidade, é bem provável que seja o oposto: praticamente os sustos inexistem neste filme que preza muito mais por angustiantes conflitos psicológicos e por uma técnica que nos mergulha no silencioso descontrole contado aqui.
Dirigido pelo estreante Robert Eggers, A Bruxa não deixa de lembrar o clima de A Vila, aquele subestimadíssimo filme de época assinado por M. Night Shyamalan que também falava sobre uma comunidade isolada em uma floresta e cercada pelo medo, ou então A Fita Branca, celebrado longa de Michael Haneke também sobre fatos misteriosos em uma cidade alemã nos anos que antecedem a Primeira Guerra Mundial . Só que aqui a situação é mais difícil porque falamos não de comunidades, mas de apenas seis pessoas que, dentro da própria casa, já vivem um mundo próprio e de distanciamento. Parece não existir mais ninguém no mundo além deles, o que aumenta consideravelmente o sufocamento. Para a família de A Bruxa, as regras devem ser seguidas à risca, a rotina é milimetricamente bem definida e a religião é utilizada como forma de opressão disfarçada de busca por boa índole. É claustrofóbico o convívio daquela família, ainda mais quando todos sufocam indomáveis mudanças interiores: enquanto a mãe pouco a pouco começa a culpar o marido pelo isolamento forçado a que foram submetidos, o único menino da família já começa a sentir os ímpetos de sua sexualidade ao não conseguir desviar o olhar dos seios da irmã. Tudo feito e sentido às escuras, já que não são necessário grandes pretextos para que trechos da Bíblia sejam evocados e que julgamentos surjam a partir de situações perfeitamente corriqueiras.
Por outro lado, é com extrema disciplina que Eggers, também autor do roteiro original, constrói a opressão religiosa do ambiente. Em momento algum A Bruxa se entrega a discursos fáceis sobre a palavra de Deus para que você compreenda a repressão do ambiente. No próprio suspense envolvendo o desaparecimento de um bebê e na ideia de uma força maligna entre a família, A Bruxa desenvolve tudo nas entrelinhas e em tom menor e mais lento, o que se apresenta como uma alternativa extremamente funcional que só reforça o clima intimidador já construído em todos os detalhes da exemplar parte técnica. Há de se tirar o chapéu para a ideia de Eggers e do fotógrafo Jarin Blaschke de filmar a história quase inteiramente em luz natural, pois isso faz com que realmente mergulhemos em uma época onde a luz inexistia e os ambientes eram iluminados apenas por velas e lampiões. E ter todo esse contexto no meio de uma floresta inabitada já é capaz de causar arrepios por si só. Por isso, não estranhe se você achar o filme escuro e frequentemente incômodo em suas cores. Afinal, isso é resultado direto da inteligente escolha de A Bruxa causar desconforto até mesmo em um primeiro contato com os olhos.
Não será difícil encontrar quem desdenhe o filme de Robert Eggers por ele não conter sustos. Ora, tal percepção não deixa de ser fruto dos olhos treinados pelo cinema preguiçoso de terror que Hollywood vem entregando nos últimos anos. Particularmente, fujo do gênero justamente pelas suas implausibilidades, pela sua falta de criatividade e principalmente pela eterna confusão de que susto é sinônimo de atmosfera bem construída. Claro que existem filmes autorais e de menor orçamento, mas eles praticamente não ganham lugar ao sol, e por isso é tão importante que uma obra pequena e assinada por um estreante como A Bruxa ganhe merecida repercussão (uma obra de terror ganhar prêmio de direção no Festival de Sundance não é pouca coisa!). Vamos ser justos e reconhecer exemplares comerciais que funcionam, como Invocação do Mal e A Morte do Demônio. Só que raros e especiais mesmos são obras como o espanhol [REC], o uruguaio A Casa e agora A Bruxa. Ainda assim, pelo que me vem à memória, o terror psicológico de Eggers em nada se compara a qualquer exemplar do gênero que tenha ganhado as telas nos últimos anos. É experiência conceitual e experimental, o que pode repelir muita gente. Mas quer saber? Se conseguir embarcar, é coisa de mestre mesmo.