Rapidamente: “Eu, Tonya”, “A Melhor Escolha”, “Uma Mulher Fantástica” e “Vingadores: Guerra Infinita”

Vencedor do Oscar 2018 de melhor filme estrangeiro, o chileno Uma Mulher Fantástica é um relato digno e delicado sobre o luto a partir da perspectiva de uma personagem trans.

EU, TONYA (I, Tonya, 2017, de Craig Gillespie): É interessante ver um filme como Eu, Tonya durante a era das fake news: dispensando a imparcialidade e caminhando na linha tênue entre o que é a nossa opinião e o que é de fato verdade, o longa assinado por Craig Gillespie, do ótimo A Garota Ideal, assume o seu relato de defesa na história de Tonya Harding (Margot Robbie), ex-patinadora que, nos anos 1990, foi acusada de estar envolvida no planejamento de um ataque que seu então marido colocou em prática contra Nancy Kerrigan, também patinadora e concorrente de Tonya nas competições da modalidade. Com estilo ácido, ágil e desbocado, o filme cria uma mistura entre drama, comédia e documentário que questiona a veracidade (ou a intensidade) de fatos e perspectivas. O recado é claro: em circunstâncias extremas e suspeitas, tudo se resume ao que cada um vê. Margot Robbie é maravilhosa em todas as fases e facetas de Tonya Harding, naquele tipo de desempenho que define uma carreira em ascensão. Já Allison Janney, vencedora absoluta dos prêmios de atriz coadjuvante em 2018, é sempre uma ótima atriz, mas aqui está presa a uma caricatura unilateral e que se justifica de maneira simplista. Sua personagem, aliás, sintetiza aquele que é o maior problema de Eu, Tonya: o de ultrapassar a linha do politicamente incorreto para convidar o público a rir de temas que são problemas reais da nossa realidade, como o machismo, a violência doméstica e todo tipo de abuso emocional. É o único desajuste questionável (e, por que não, irresponsável) de um filme predominantemente repleto de frescor em clima, ideias e ritmo.

A MELHOR ESCOLHA (Last Flag Flying, 2017, de Richard Linklater): Fiel ao seu estilo de olhar para momentos e situações que, isoladamente, parecem corriqueiros, mas que, quando vistos em perspectiva, explicam muita coisa sobre quem nos tornamos, o diretor Richard Linklater realiza A Melhor Escolha com as qualidades e delicadezas que lhe são habituais, mas dessa vez em menor escala, mesmo com um elenco de primeiríssima qualidade (Bryan Cranston, Steve Carell, Laurence Fishburne). E, quando digo menor escala, faço referência ao próprio roteiro, que fala sobre a camaradagem masculina, os anos que nos separam e as situações que nos reúnem com inspiração moderadíssima, muitas vezes até optando por situações e arcos dramáticos previsíveis. Pela linearidade de estrutura e ideias (é fácil deduzir qual será a transformação de cada um dos personagens), A Melhor Escolha se alonga mais do que tem a dizer, o que entrega aos três atores principais a tarefa de ser a base do carisma e do principal interesse da obra. Cranston e Fishburne, como os bons atores que são, tornam a viagem prazerosa, mas cito mais uma vez em específico o sempre subestimado Steve Carell: interiorizando a dor de um homem que perdeu o filho sem recorrer aos artifícios fáceis de interpretação para esse tipo de papel, o ator é minimalista como poucos no cinema norte-americano da atualidade, adicionando outro belo momento a uma carreira já marcada por excelentes trabalhos em filmes como Pequena Miss SunshineEu, Meu Irmão e Nossa Namorada, Amor a Toda ProvaFoxcatcher A Guerra dos Sexos.

UMA MULHER FANTÁSTICA (Una Mujer Fantástica, 2017, de Sebastián Lelio): Vencedor do Oscar 2018 de melhor filme estrangeiro, o chileno Uma Mulher Fantástica dá novo significado ao luto quando transfere o tema para a perspectiva de uma mulher transexual. Força e originalidade são extraídas do relato somente com essa mudança de cenário: afinal, é devastadora a situação em que se encontra Marina (Daniela Vega, ótima), proibida de viver quase todos os rituais do luto (o velório de seu parceiro, o abraço reconfortante da família) simplesmente por ser transexual. Mas o bacana de Uma Mulher Fantástica é não abordar a questão da sexualidade como panfletagem, preferindo negar sentimentos fáceis (ao contrário dos estereótipos, a protagonista é uma mulher independente, trabalhadora e talentosa) ou interferências sensoriais e estéticas — e, ainda assim, quando as evoca, o resultado é emblemático, como na sequência em que protagonista encara uma intensa ventania, uma clara metáfora da contracorrente diária que ela enfrenta na vida, ou como na cena em que ela, nua, coloca um espelho no meio das pernas, refletindo aquilo que a define: o rosto e não qualquer órgão genital que ela tenha ou deixe de ter. Uma Mulher Fantástica é de uma delicadeza tremenda — característica que o cinema de língua latina domina com maestria nos melhores exemplares que se encaixam em relatos como esse —, e a vitória no Oscar de filme estrangeiro é dupla: pela celebração da representatividade e pela excelência cinematográfica.

VINGADORES: GUERRA INFINITA (Avengers: Infinity War, 2018, de Anthony e Joe Russo): Sucesso estratosférico de bilheteria e inclusive de comoção por parte da crítica, Vingadores: Guerra Infinita é o perfeito exemplo de como filmes de super heróis são uma verdadeira paixão. Para quem a tem, o que se vê é um filme inovador, marcante e corajoso. Já quando você não se empolga de forma equivalente, como é o meu caso, a situação é um mistério: no máximo bacana, Guerra Infinita não passa de outra diversão de momento. Com o grande mérito de demonstrar plena segurança em um ponto que poderia ser sua ruína — o timing e relevância de incontáveis personagens e universos —, o longa tem a seu favor um vilão de forte presença e que finalmente desperta algum sentimento de ameaça. Entretanto, além da duração tão demasiada quanto inevitável, Guerra Infinita frustra mesmo é quando, ironicamente, tenta colocar em prática as consequências da ameaça tão anunciada pelo vilão: o projeto tanto não tem culhões para traçar um destino drástico para determinado personagem quando sugere a chance quanto encerra essa primeira parte (outra virá em 2019) propondo certo pesar por uma situação que sabemos ser perfeitamente reversível, uma vez que incontáveis franquias já estão encomendadas para os próximos anos. Não precisávamos de um plot twist raso e até mesmo oportunista como esse.

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