Cinema e Argumento

Os vencedores do Oscar 2023

oscar23winners

Redenção, reconhecimento e comeback: o quarteto de atores vencedores do Oscar 2023.

Quando conferi Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo pela primeira vez, jamais imaginei que o filme de Daniel Kwan e Daniel Scheinert chegaria tão longe ao ponto de conquistar nada menos do que sete Oscars. Por mais que Parasita tenha descortinado oportunidades, estamos falando de um longa-metragem frenético sobre o conceito de multiversos e que mistura uma série de gêneros, entre eles, a comédia, que nem sempre é levada a sério pela Academia. Que bela surpresa, portanto, ver o Oscar de peito aberto a uma experiência como essa, mostrando que, apesar de tropeços feios aqui e ali com Green Book, por exemplo, os votantes não estão mais tão reféns de velhos paladares. Se você gosta ou não do filme é outra história. O importante aqui é ver o que a sua consagração significa para um prêmio que tenta se renovar há anos.

Bato na tecla da relevância da vitória porque detratores de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo clamam como injustiça a derrota de TárOs Fabelmans, curiosamente filmes elogiados como “sérios”, “adultos” e “maduros” quando, na verdade, estão mais para a vertente nichada e de pouca reverberação que a crítica tanta costuma questionar em diversos vencedores do Oscar. Não há como negar o sucesso de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, muito menos a sua recepção para lá de positiva desde o seu lançamento em março de 2022, garantindo quase um ano de estrada para o filme até a noite do Oscar. O longa ainda garantiu outro lindo feito: o de premiar Michelle Yeoh como melhor atriz. Uma atriz oriental vencendo a estatueta como uma heroína de ação com traços cômicos e dramático? É um sopro de luz em uma categoria tão viciada nas maquiagens e mímicas de cinebiografias, começando por Jessica Chastain com Os Olhos de Tammy Faye no ano passado.

A cerimônia esteve repleta de discursos emocionantes. Alguns já esperados, como o de Brendan Fraser e Ke Huy Quan, premiados como melhor ator e ator coadjuvante, respectivamente. Outros genuínos em suas surpresas, a exemplo de Jamie Lee Curtis (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo) em melhor atriz coadjuvante, que homenageou o chamado cinema de “gênero” e, claro, seus pais, os atores Tony Curtis e Janet Leigh, nunca premiados com o Oscar. A noite também valeu pela vitória de Sarah Polley em roteiro adaptado com Entre Mulheres, principalmente porque Polley já começou o discurso agradecendo à Academia por não ter se intimidado com um filme que tem womentalking no título original.

Há mais amor do que equívocos no Oscar 2023 (será que Nada de Novo Front precisava realmente ter vencido quatro estatuetas enquanto outros vários filmes saíram de mãos abanando?), e o quarteto de atores vencedores prova isso: para todos, a consagração é um retorno, um abraço uma saudação após vários episódios de sofrimento, preconceito e esquecimento na indústria. Isso me comove e faz com que a edição do Oscar 2023 fique na minha memória como uma das mais coerentes e sentimentais dos últimos anos. 

Confira abaixo a lista completa de vencedores:

MELHOR FILMETudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo
MELHOR DIREÇÃO: Daniel Kwan e Daniel Scheinert (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)
MELHOR ATRIZ: Michelle Yeoh (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)
MELHOR ATOR: Brendan Fraser (A Baleia)
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: Jamie Lee Curtis (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)
MELHOR ATOR COADJUVANTE: Ke Huy Quan (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)
MELHOR ROTEIRO ORIGINALTudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo
MELHOR ROTEIRO ADAPTADOEntre Mulheres
MELHOR FILME INTERNACIONALNada de Novo no Front (Alemanha)

MELHOR DOCUMENTÁRIONavalny
MELHOR ANIMAÇÃOPinóquio por Guillermo del Toro
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO: Nada de Novo no Front

MELHOR FOTOGRAFIANada de Novo no Front
MELHOR FIGURINO: Pantera Negra: Wakanda Para Sempre
MELHOR MONTAGEMTudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo
MELHOR SOMTop Gun: Maverick
MELHOR TRILHA SONORA: Nada de Novo no Front
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL: “Naatuu Naatu” (RRR: Revolta, Rebelião, Revolução)
MELHOR MAQUIAGEM E PENTEADOS: A Baleia
MELHORES EFEITOS VISUAISAvatar: O Caminho da Água
MELHOR CURTA-METRAGEMAn Irish Goodbye
MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃOThe Boy, the Mole, the Fox and the Horse
MELHOR CURTA-METRAGEM DE DOCUMENTÁRIOThe Elephant Whisperers

Apostas para o Oscar 2023

oscar2020's

O jogo ainda está aberto em muitas categorias do Oscar 2023. Se parece extremamente improvável que Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo não leve o prêmio principal – vale lembrar que o filme de Daniel Kwan e Daniel Scheinert ganhou todos os principais sindicatos da temporada -, categorias como a de melhor atriz, ator e atriz coadjuvante serão definidas voto a voto, pois não há franco favoritismo e vários dos indicados ostentam uma narrativa para justificar a vitória. A Academia se renderá, por exemplo, ao “comeback” de Brendan Fraser em A Baleia ou negará a estatueta ao ator assim como negou a Mickey Rourke por O Lutador? Cate Blanchett conseguirá tão ligeiro um terceiro Oscar com Tár ou Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo impulsionará a vitória de Michelle Yeoh? E como cravar uma aposta convicta entre Kerry Condon (Os Banshees de Inisherin), Angela Bassett (Pantera Negra: Wakanda Para Sempre) e Jamie Lee Curtis (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo) em atriz coadjuvante? Escolha qualquer um desses cenários e você terá belas justificativas para o seu bolão.

A indefinição segue nas categorias técnicas, especialmente após a grande performance de Nada de Novo no Front no BAFTA e na própria lista de indicados ao Oscar. O filme da Netflix tem fôlego, por exemplo, para tirar o Oscar tão certo de roteiro adaptado para Sarah Polley (Entre Mulheres), assim como pode desbancar Top Gun: Maverick em melhor som e garantir com folga a categoria de fotografia. A matemática dos prêmios técnicos pode fazer com que determinados longas saiam de mãos abanando, entre eles, Os Fabelmans — ou será que a Academia dará, por exemplo, um novo Oscar para o compositor John Williams depois de quase três décadas, naquela que é, possivelmente, a sua última indicação ao Oscar? Nada parece impossível no Oscar 2023, a não ser, claro, o prêmio de melhor filme para Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo e o de ator coadjuvante para Ke Huy Quan pelo mesmo filme. Em uma temporada que tantos prêmios eram dados como garantidos, como o de Cate Blanchett por Tár, isso é, no mínimo, muito empolgante. Por mais temporadas assim!

Confira abaixo apostas para todas as categorias: 

MELHOR FILME: Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo / alt: Nada de Novo no Front
MELHOR DIREÇÃO: Daniel Kwan e Daniel Scheinert (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo) / alt: Steven Spielberg (Os Fabelmans)
MELHOR ATRIZ: Michelle Yeoh (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo) / alt: Cate Blanchett (Tár)
MELHOR ATOR: Brendan Fraser (A Baleia) / alt: Austin Butler (Elvis)
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: Kerry Condon (Os Banshees de Inisherin) / alt: Jamie Lee Curtis (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)
MELHOR ATOR COADJUVANTE: Ke Huy Quan (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo) / alt: Barry Keoghan (Os Banshees de Inisherin)
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL: Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo / alt: Os Banshees de Inisherin
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO: Entre Mulheres / alt: Nada de Novo no Front
MELHOR FILME INTERNACIONAL: Nada de Novo no Front (Alemanha) / alt:  Argentina, 1985 (Argentina)

MELHOR DOCUMENTÁRIO: Navalny / alt: All the Beauty and the Bloodshed
MELHOR ANIMAÇÃO: Pinóquio por Guillermo del Toro / alt: Gato de Botas 2: O Último Pedido
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃOBabilônia / alt: Elvis

MELHOR FOTOGRAFIANada de Novo no Front / alt: Elvis
MELHOR FIGURINO: Elvis / alt: Pantera Negra: Wakanda Para Sempre
MELHOR MONTAGEM: Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo / alt: Top Gun: Maverick
MELHOR SOM: Nada de Novo no Front / alt: Top Gun: Maverick
MELHOR TRILHA SONORA: Babilônia / alt: Os Fabelmans
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL: “Naatuu Naatu” (RRR: Revolta, Rebelião, Revolução) / alt:  “This is Life” (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)
MELHOR MAQUIAGEM E PENTEADOS: Elvis / alt: A Baleia
MELHORES EFEITOS VISUAIS: Avatar: O Caminho da Água / alt: Top Gun: Maverick
MELHOR CURTA-METRAGEM: An Irish Goodbye / alt: Le Pupille
MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO: The Boy, the Mole, the Fox and the Horse / alt: The Flying Sailor
MELHOR CURTA-METRAGEM DE DOCUMENTÁRIO: The Elephant Whisperers / alt: Haulout

Rapidamente: “Bardo”, “Os Fabelmans”, “Império da Luz” e “Nada de Novo no Front”

eolightmovie

Em Império da Luz, Olivia Colman busca conferir camadas a uma protagonista bastante irregular.

BARDO, FALSA CRÔNICA DE ALGUMAS VERDADES (Bardo, Falsa Crónica de Unas Cuantas Verdades, 2022, de Alejandro G. Iñárritu): Criticar o estilo de um cineasta vale até certo ponto. Afinal, do que adianta, por exemplo, seguir “acusando” Baz Luhrmann de “exagerado” quando ele sempre o foi em cada um de seus longas? O mesmo é válido para a filmografia do mexicano Alejandro G. Iñárritu, diretor frequentemente rotulado de ególatra, vaidoso, maneirista e ávido por aparecer mais do que a própria história. A meu ver, das duas uma: paramos de ver seus filmes porque eles não nos apetecem ou tentamos compreender de que forma o estilo do diretor contribui ou não para o relato em questão. Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades performou muito abaixo do esperado junto a público e crítica porque, talvez, seja o filme de Iñárritu que mais pese a mão em simbologias, sonhos e metáforas regados a uma pluralidade de ângulos, enquadramentos e movimentos de câmera super estilizados. Se isso um dia já lhe rendeu dois Oscars de direção consecutivos (Birdman e O Regresso), hoje parece distanciar o espectador de vez. Contudo, tratando-se de um filme amplamente inspirado em memórias e sentimentos de Iñárritu, não vejo como ele poderia fazer diferente. À parte essas questões, é interessante, por exemplo, a conversa entre pai e filho sobre identidade a partir da imigração deles próprios do México para os Estados Unidos. Já outros momentos soam repetitivos até para os moldes do diretor, como o diálogo sobre arte, sucesso e fracasso no terraço de uma festa. A longa duração de 159 minutos amplifica fragilidades e acertos, além de afetos e desafetos para com o filme. Goste-se ou não, o que ninguém pode dizer é que, com Bardo, Iñárritu se desvirtuou ou deixou de ser fiel ao seu próprio cinema.

OS FABELMANS (The Fabelmans, 2022, de Steven Spielberg): Era questão de tempo para que Steven Spielberg fizesse um filme sobre sua juventude e, principalmente, sobre como o cinema foi fundamental para a sua formação como profissional e ser humano. Não por modismo, já que há uma onda de diretores dedicados a revisitar suas vidas ou a fazer homenagens ao cinema — James Gray com Armageddon Time, Damien Chazelle com Babilônia, Sam Mendes com Império da Luz —, mas porque Os Fabelmans é um projeto muito antigo de Spielberg. E o longa reforça o afeto do consagrado por contar histórias e mostrar como não só Spielberg se descobriu do ponto de vista pessoal e profissional como também aprendeu a compreender a sua família e as pessoas a sua volta a partir do cinema. No seu primeiro roteiro desde A.I.: Inteligência Artificial, de 2001, ele volta ao passado pincelando outras questões importantes na sua formação: a relação com os pais, a origem judaica, a desmistificação do cinema como mero hobby, o primeiro e inusitado amor… Tudo é muito bem equilibrado, com uma atmosfera calorosa e personagens interpretados por atores perfeitamente escalados, do protagonista-revelação Gabriel LeBelle aos pais vividos por Michelle Williams e Paul Dano. As emoções genuínas de Os Fabelmans garantem um filme mais universal e menos nichado, algo bastante positivo, mesmo que, por vezes, o conjunto parece linear demais, sem a palpável efervescência de Amor, Sublime Amor, longa anterior de Spielberg. Também não deixa de ser um coming of age de alguém que olha para o seu passado sem julgamentos, e sim com compreensão e generosidade, como deveria acontecer com todos nós.

IMPÉRIO DA LUZ (Empire of Light, 2022, de Sam Mendes): Tenho mil restrições com o termo Oscar bait, comumente usado para se referir a filmes que parecem ter sido feitos para ganhar o Oscar. Não só acho complicado acreditar que estúdios ainda sejam guiados por esse tipo de encomenda com tanta frequência como já não é mais tão fácil prever as escolhas da Academia de Ciências Cinematográficas de Hollywood, que, de um ano para o outro, premia Green Book e Parasita, títulos extremamente opostos em qualquer ângulo. Não vejo, entretanto, outra forma de definir Império da Luz, o primeiro filme de Sam Mendes após as inúmeras consagrações de 1917. Tudo começa já no roteiro escrito por ele próprio, que mistura uma série de temas sem conseguir aprofundá-los, da homenagem às salas de cinema a transtornos mentais. Em determinada altura, Mendes também tenta versar sobre racismo ao introduzir uma história de amor protagonizada por um casal sem química. Nada se conecta, ao ponto de ninguém conseguir elevar o resultado — e, considerando nomes como Roger Deakins na fotografia e a dupla Trent Reznor e Atticus Ross na trilha sonora, isso não é pouca coisa. O peso maior acaba nas costas da protagonista Olivia Colman, que, sozinha, busca construir texturas para uma personagem bastante irregular em termos de roteiro. Lançado em dezembro nos cinemas estadunidenses para se posicionar como um candidato ao Oscar, Império da Luz foi silenciosamente ignorado por público e crítica. Mesmo descontando as expectativas criadas em função dos talentos reunidos e a efetividade de um belo teaser, não é difícil entender o porquê.

NADA DE NOVO NO FRONT (All Quiet on the Western Front, 2022, de Edward Berger): Ao contrário do que estamos acostumados a ver em muitos filmes de guerra, não há momentos heroicos e gloriosos em Nada de Novo no Front. Para falar bem a verdade, o patriotismo efervescente dos personagens vai por água abaixo logo que eles entram nas trincheiras e compreendem que todo aquele horror é um caminho sem volta. A proposta do diretor Edward Berger é mais do que traçar um retrato hiper-realista da guerra: ele quer colocar o espectador na pele dos personagens, seja através da assombrosa e retumbante trilha sonora de Volker Bertelmann ou por meio de pesadas cenas de confronto entre os soldados da Primeira Guerra Mundial. E consegue. Nada de Novo no Front impacta desde o primeiro momento em que jovens garotos, antes tão ávidos por defender sua nação, colocam o pé no campo de batalha com imenso espanto. A parte técnica tem papel fundamental, mas o acerto está mesmo nessa ideia de mostrar a vida suja, insalubre e traumatizante de pessoas comuns que se dão conta da terrível realidade a que estão submetidos. Aqueles que não simpatizam com o filme citam obras desde Vá e Veja até 1917 para defender a tese de que Nada de Novo Front não passa de mais do mesmo no gênero. Acontece que, quando ainda precisamos testemunhar países como Rússia e Ucrânia travando batalhas, obras como essa são muito pertinentes, pois nos lembram que nunca há vencedores em guerras, apenas dolorosas destruições que, no final das contas, sequer passam perto daqueles que, confortáveis, estão tomando todas as decisões com apenas uma caneta na mão.

Independent Spirit Awards 2023: os filmes menos badalados e aqueles que dificilmente veremos no circuito comercial brasileiro

Os meses de janeiro e fevereiro trazem consigo uma série de filmes a serem conferidos em função da temporada de premiações. No meu caso, o volume acaba sendo um tantinho maior, pois, como membro da Film Independent, tenho acesso a screeners de diversos títulos indicados ao Independent Spirit Awards e que, infelizmente, muitas vezes sequer chegam ao Brasil. Lamento muito o descaso com a distribuição dessas obras porque considero o cinema independente dos Estados Unidos mais criativo e instigante do que o mainstream. Faço aqui, portanto, um apanhado dos indicados ao Spirit Awards que consegui ver na leva deste ano – e digo “consegui” porque, na correria da vida, não dei conta de tudo. Por já terem crítica publicada aqui no blog ou por serem obras já amplamente abordadas e discutidas nesta temporada. São elas: Tár, Até os Ossos, Aftersun, Entre Mulheres, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, Pearl, Depois de Yang e Uma Noite no Lago. Mesmo com tantas de fora, há títulos de sobra para serem comentados.

ptressplines

Lily McInerny (à frente) é uma revelação em Palm Trees and Power Lines

Começo por aquele que nem sequer o circuito comercial dos Estados Unidos chegou a lançar até agora: Our Father, the Devil. O caso desse longa  é curioso porque ele concorre na categoria de melhor filme sem ter qualquer outra indicação nas demais categorias. Tendo rodado apenas festivais e ainda sem previsão de estreia, trata-se de uma obra instigante até certo ponto e bastante anticlimática quando se aproxima do desfecho. Gosto muito da interpretação de Babetida Sadjo como essa mulher atormentada pela chegada de um homem religioso no lar de idosos em que trabalha. A atmosfera que toma conta de Marie é de trauma e medo. Para o espectador, existe também a camada do mistério, já que o tal homem diz nunca ter conhecido a protagonista. O que há ali, então, de tão aterrorizante para ela? Até revelar quais são os fantasmas pairando em cena, o filme é muito bem sucedido na forma como intriga o espectador. Após, esvazia sua eficiência. A revelação não é das mais imprevisíveis, mesmo que discuta um tema sempre incômodo, o que enfraquece a expectativa construída no desenrolar da trama. E, em casos de trabalhos como Our Father, the Devil, sabemos como o resultado final depende bastante do desfecho.

Palm Trees and Power Lines também carrega sensação parecida. Na história, Lea se apaixona por um homem mais velho que parece a solução para os seus problemas com jovens imaturos de sua idade. Sabemos, no entanto, que algo de bom não sairá dali e que Tom (Jonathan Tucker) talvez tenha outras intenções no relacionamento. Assim como Our Father, the Devil, Power Trees and Power Lines tem uma excelente performance de sua protagonista, a revelação Lily McInerny. Temos certo desconforto ao acompanhar a história da personagem porque sabemos que ela está emocionalmente (e genuinamente) enredada pela nova nova paixão e que ninguém será capaz abrir seus olhos. A expectativa criada não é necessariamente compensada pelas respostas dadas, mas a diferença é que Power Trees and Power Lines, em seu minuto final, deixa uma provocação que tem tudo a ver com o conjunto, causando na plateia aquele tipo de divisão tão produtiva para debates.

Por falar em provocação, não há como deixar de fora Morte Morte Morte. A divergência em torno da explicação do tradicional “quem matou?” está longe de ser unânime, talvez porque desafie até mesmo a lógica do espectador que usa mil engrenagens para tentar prever o final. Fico do lado dos satisfeitos porque a diretora Halina Reijn leva até às últimas consequências o retrato de uma geração hiper conectada e que se julga mais esperta do que realmente é. O elenco é entrosado — com destaque para a Rachel Sennott de Shiva Baby — e a diversão é garantida. Envolvimento também não falta em Emily the Criminal, estrelado por Aubrey Plaza, que vive excelente momento na carreira com a segunda temporada de The White Lotus e com essa sua indicação ao Spirit Awards. Como uma mulher que tenta refazer a vida após passar um tempo na prisão, ela transita entre o drama e o suspense quando sua personagem se vê envolvida em um negócio escuso que e capaz de colocá-la em maus lençóis. Tudo isso faz com que a protagonista seja abordada como uma vítima. Pelo contrário. Emily nunca baixa a cabeça para ninguém e mata no peito tudo o que é consequência das suas ações e más decisões, algo que Aubrey Plaza tira de letra.

theinspectionmovie

Gabrielle Union e Jeremy Pope, ambos indicados ao Spirit Awards por The Inspection

Em The Inspection, Ellis (Jeremy Pope) é outro que segura uma barra das grandes quando tem sua homossexualidade descoberta pelos colegas de exército. Não bastasse a situação constrangedora do momento, o protagonista passa a viver um tremendo pesadelo. Entre chacotas e até violências físicas, vive novamente, em diferente escala, toda rejeição já experimentada com a sua duríssima mãe (Gabrielle Union, ótima). É louvável o domínio do diretor Elegance Bratton sob o tema e pela forma como decide retratá-lo, pois The Inspection não descamba para a mera tortura do protagonista e evita embelezar seu sofrimento. O que temos aqui é a história de um jovem tentando se encontrar por caminhos tortos e tomando decisões que, no frigir dos ovos, revelam apenas alguém que quer ser visto e aceito. É aí que Ellis, interpretado com garra por Jeremy Pope, encontrará algum tipo de força, ainda que desoladora por ser sob o preço de tanta dor.

A partir de circunstâncias do dia a dia, To Leslie e Passagem abordam jornadas bastante pessoais. O primeiro, já marcado por uma indicação merecida e sem precedentes para Andrea Riseborough ao Oscar de melhor atriz, lança olhar para uma situação de doer: a de uma mulher premiada que, por vícios e equívocos, perde todo o dinheiro recebido em um prêmio de loteria. Sua vida está ladeira abaixo, a ponto de ser abandonada por um filho exausto de lidar com sua incapacidade de abandonar para sempre o álcool e de até eventualmente dormir na rua. To Leslie pode parecer um filme muito simples, mas percebam a generosidade com que o diretor Michael Morris olha para sua protagonista, sem tornar To Leslie um exercício de comiseração. Sem falar, claro, da maravilhosa performance de Andrea Riseborough, em um papel irresistível para o meu gosto pessoal.

Passagem dá à Jennifer Lawrence o tipo de papel que marcou sua descoberta com Inverno da Alma e que acabou sendo preterido – ou não ofertado – pela atriz após a temporada de superexposição sob a batuta de David O. Russell e com a trilogia Jogos Vorazes. Lawrence é sutil na pele de uma jovem que recém chegada da Guerra do Afeganistão quase sem poder andar ou responder por si própria. Surpreendentemente, Lynsey quer se recuperar para voltar à guerra, decisão que revela uma protagonista em conflito com a sua vida atual e pregressa. A situação muda um pouco de cenário quando ela conhece James (Brian Tyree Henry, indicado ao Oscar com justiça), um homem tão cheio de fantasmas e problemas quanto ela. Passagem dispensa o teor romântico entre os dois e acerta ao encenar uma história bastante discreta sobre o poder transformador da compreensão entre duas pessoas que se reconhecem na dor.

hjesusysoul

Regina Hall é o ponto alto da comédia Honk for Jesus. Save Your Soul.

Mudando da água para o vinho, chego à comédia Honk for Jesus. Save Your Sol., consideravelmente rejeitada por público e crítica. Não faço coro à rejeição porque me diverti muito mesmo admitindo que não há frescor no modo como a diretora Adamma Ebo aplica o formato de documentário falso, o famoso mockumentary, à história de um casal evangélico que tenta reerguer seu império e reputação com os fiéis após o marido ter sido preso sob alegações de assédio sexual. Considero importante a existência de abordagens cômicas para temas espinhosos, e que por, convenções e interesses, são dados como intocáveis, bem a exemplo das fortunas acumuladas por igrejas diante da exploração de seus fiéis. Há escracho do início ao fim Honk for Jesus. Save Your Soul., inclusive na interpretação dos protagonistas Sterling K. Brown e Regina Hall. Ela é um caso à parte como a esposa ao mesmo tempo devota ao marido e sempre silenciosamente alerta aos movimentos suspeitos do homem com quem se casou. Vale não gostar do filme? Claro. Agora, não dar os devidos louros ao trabalho de Hall é outra história…

Por último, mas não menos importante, deixo meus elogios à animação Marcel the Shell With Shoes On, adaptada do curta-metragem de mesmo nome. Não está no mapa o azar desse filme em ter que disputar prêmios no mesmo ano do belo Pinóquio de Guillermo del Toro, pois trata-se de uma pérola com grande luz fora do monopólio Disney/Pixar e representa sempre a subestimada cota de animações não necessariamente para crianças. É impossível não se apaixonar por Marcel, a conchinha de sapatos que deseja reencontrar a família e enxerga o mundo com ingenuidade e deslumbre. O mais legal do filme é isso: ele nos encharca com a pureza de Marcel, convidando o espectador a observar a vida com mais generosidade. Emocionante e divertido, Marcel the Shell With Shoes On ainda é envernizado pelo extraordinário trabalho de dublagem de Jenny Slate e Isabella Rosselllini.

Os vencedores do Screen Actors Guild Awards 2023

yeohsag23

Prêmio de melhor atriz para Michelle Yeoh foi um dos quatro recebidos por Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo no Screen Actors Guild Awards 2023.

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo foi o primeiro longa-metragem a levar para casa quatro estatuetas do Screen Actors Guild Awards. O feito inédito é mais uma grande conquista para a trajetória invejável do filme nessa temporada de premiações, em que já acumula o reconhecimento de todos os sindicados até aqui (diretores, produtores, atores), algo realmente impressionante para uma obra relativamente pequena e que estreou em um já distinto junho de 2022.

A reverência do SAG ao trabalho dos Daniels foi tanta que até mesmo Cate Blanchett, até então favorita absoluta na corrida de melhor atriz por Tár, acabou perdendo o troféu para Michelle Yeoh, que entrega desempenho multifacetado como toda a sua carreira. Jamie Lee Curtis também desbancou Angela Bassett (Pantera Negra: Wakanda Para Sempre) e discursou emocionada ao receber o reconhecimento dos colegas. Em sintonia semelhante esteve Brendan Fraser, que ganhou um merecido prêmio de melhor ator por A Baleia, desbancando o ligeiramente favorito Austin Butler (Elvis).

Já entre séries, minisséries e antologias, duas surpresas amargas: Amanda Seyfried, maravilhosa em The Dropout, perdendo a categoria de melhor atriz para Jessica Chastain (George and Tammy) e Jason Bateman levando para casa um novo troféu por Ozark enquanto Laura Linney e Julia Garner, suas avassaladoras colegas de elenco, terminam a série sem o devido reconhecimento do SAG. O ponto alto do segmento, ficou, claro, com a consagração do elenco de The White Lotus, um dos grandes títulos de 2022 entre público e crítica.

Confira abaixo a lista completa de vencedores:

CINEMA

MELHOR ELENCO: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo
MELHOR ATRIZ: Michelle Yeoh (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)

MELHOR ATOR: Brendan Fraser (A Baleia)
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: Jamie Lee Curtis (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)
MELHOR ATOR COADJUVANTE: Ke Huy Quan (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)

SÉRIES, MINISSÉRIES, ANTOLOGIAS E FILMES PARA TV

MELHOR ELENCO EM SÉRIE DE DRAMA: The White Lotus
MELHOR ATRIZ EM SÉRIE DE DRAMA: Jennifer Coolidge (The White Lotus)

MELHOR ATOR EM SÉRIE DE DRAMA: Jason Bateman (Ozark)
MELHOR ELENCO EM SÉRIE DE COMÉDIA: Abbott Elementary
MELHOR ATRIZ EM SÉRIE DE COMÉDIA: Jean Smart (Hacks)
MELHOR ATOR EM SÉRIE DE COMÉDIA: Jeremy Allen White (O Urso)
MELHOR ATRIZ EM MINISSÉRIE OU FILME FEITO PARA TV: Jessica Chastain (George and Tammy)
MELHOR ATOR EM MINISSÉRIE OU FILME FEITO PARA A TV: Sam Elliott (1883)

%d blogueiros gostam disto: