
Spencer chega ao catálogo do Prime Video no dia 1º de julho.
8 PRESIDENTES, 1 JURAMENTO: A HISTÓRIA DE UM TEMPO PRESENTE (idem, 2021, de Carla Camurati): Após 15 anos sem dirigir um longa-metragem, a cineasta Carla Camurati volta ao ofício com uma ideia tão ambiciosa quanto impossível: a de recuperar, por meio de materiais de arquivo, todo o período da redemocratização brasileira, partindo do movimento das Diretas Já até chegar à posse do presidente Jair Bolsonaro. 8 Presidentes, 1 Juramento se encaixa, portanto, em uma necessária onda de documentários brasileiros que, nos últimos anos, têm se debruçado sobre a trajetória política do nosso país e tentado entender como chegamos a um momento tão crítico e de tantos déficits civilizatórios. A constatação do filme não ter nada de muito novo a dizer em comparação a outros trabalhos como O Processo, Democracia em Vertigem e Alvorada é equilibrada pela robusta pesquisa de acervo jornalístico trabalhada pela cineasta como fio condutor. Sem depoimentos ou tomadas produzidas originalmente para o documentário, Camurati atravessa décadas da política brasileira com registros históricos que mostram o quanto mudamos muito pouco como sociedade e como sistema político. É desolador ver como boa parte das tragédias vividas nos dias de hoje já haviam, em certa medida, sido desenhadas no mandato do ex-presidente Fernando Collor de Mello, por exemplo, a começar pela idolatria por uma figura esvaziada e fabricada. As imagens falarem por si só tem seus prós e contras: de um lado, o retrato cru e incômodo de um país imaturo politicamente, o que favorece a força dramática do filme; de outro, um formato por demais parecido com uma retrospectiva jornalística – e não com um exercício cinematográfico propriamente dito. No desafio impossível que abraçou, Camurati fica em um meio termo.
DOUTOR ESTRANHO NO MULTIVERSO DA LOUCURA (Doctor Strange in the Multiverse of Madness, 2022, de Sam Raimi): Olhando em retrospecto, o primeiro Doutor Estranho envelheceu muito mal junto ao público, e não consigo entender muito bem as razões, pois sempre o considerei um dos trabalhos mais criativos e menos pasteurizados do universo cinematográfico da Marvel. Já esse volume estreou repleto de expectativas em função da entrada de Sam Raimi na direção e de explorar tão aguardado conceito de multiverso apresentado pela primeira vez em Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa. E não é que, no frigir dos ovos, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura me parece bem menos original do que poderia (e merecia) ser? Raimi garante uma certa cota de escolhas fora da curva, como o tratamento sanguinolento e os tons de terror dados à personagem Wanda (Elizabeth Olsen), remontando, claro, às referências que lhe consagraram no gênero. Entretanto, é frustrante que a Marvel não tenha dado ainda mais liberdade criativa ao diretor, atirando em seu colo as voltas e mais voltas de uma história bem menos engenhosa do que se julga e o conceito de multiverso mais como um fan service para animar plateias do que como uma ferramenta para explorar potenciais de originalidade. Nesta altura do campeonato, resta aceitar que, mesmo convocando realizadores como Raimi, a Marvel aproveitará o melhor deles aqui e ali, mas, à parte quem estiver atrás das câmeras, ela nunca, em hipótese alguma, abrirá mão da palavra final. Para testemunhar o que é aproveitar de verdade a ideia dos multiversos, a dica não poderia ser outra: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, um dos eventos cinematográficos do ano.
OS OLHOS DE TAMMY FAYE (The Eyes of Tammy Faye, 2021, de Michael Showalter): Sempre foi uma fixação do cinema hollywoodiano, mas as cinebiografias para lá de formais e previsíveis ganharam nova tração nos últimos anos, a ponto de um filme tão genérico e mal recebido como Os Olhos de Tammy Faye ser capaz de dar o Oscar a atrizes nada quadradas como Jessica Chastain. Na pele da televangelista que dá título ao longa, Chastain, como é de praxe, está visivelmente entregue em todas as cenas e é, do início ao fim, o que existe de melhor em um projeto pouco compromissado com as complexidades de uma personagem tão particular. É interessante perceber como as mais recentes cinebiografias estão se empenhando em higienizar ao máximo suas protagonistas, como se houvesse algo de muito errado em mostrar ao público tudo aquilo que, no melhor dos cenários, engradeceriam as produções do gênero em termos de complexidade. Falo aqui das imperfeições e contradições de pessoas como a própria Tammy Faye, que, de estrela televisiva, sucumbiu a uma vida de falência, escândalos e traições envolvendo o marido. Ao mesmo tempo em que Chastain cumpre o dificílimo trabalho de não tornar Tammy uma caricatura fácil, vencendo as pesadas próteses e maquiagens, o longa insiste em livrá-la de todo tipo de problematização. Com isso, o roteiro adota tanto a saída fácil de vilanizar personagens como o Jim Bakker de Andrew Garfield quanto a de imacular uma protagonista que, dada essa abordagem, termina por ser retratada como uma mocinha injustiçada e alheia ao que acontece na sua volta, quando, na verdade, é difícil acreditar nisso. Tamanho empenho em inocentá-la teria seria melhor aplicado ao propósito de fazer de Os Olhos de Tammy Faye um relato no mínimo mais multidimensional.
SPENCER (idem, de Pablo Larraín): A personagem do momento para filmes e seriados é, sem dúvida, a inesquecível princesa Diana, recentemente retratada no documentário The Princess e vivida por Emma Corrin em The Crown, seriado em que Elizabeth Debicki também dará vivida à personagem na quinta temporada. Mas quem conseguiu ter a personificação mais celebrada de Diana foi Kristen Stewart em Spencer, a campeã de prêmios de melhor atriz entre associações de críticos na última temporada. Com muita justiça, Stewart foi indicada ao Oscar por esta cinebiografia de traços já reconhecíveis dentro da carreira do cineasta chileno Pablo Larraín (Jackie), mas que foge ao gosto popular justamente por não seguir a cartilha de uma imensa fileira de outras produções do gênero. Há muita imaginação no roteiro escrito por Steven Knight (Senhores do Crime, Coisas Belas e Sujas), e ela é bem-vinda: da catarse tão lógica e necessária presente no desfecho ao modo como recria relações e confissões que jamais saberemos se procedem ou não, o texto captura o estado de espírito de uma mulher assombrada pelo peso de uma vida que nunca quis para si. É um aprisionamento também traduzido em cada inflexão do filme, passando pelo grandioso design de produção tão claustrofóbico para Diana à trilha sonora magnificamente nervosa do sempre inovador Jonny Greenwood. Nada é por acaso em Spencer — e, para quem estiver disposto a ver além do que costuma estar posto, há muito o que se descobrir entre todas as camadas.