
Dirigido por Anna Muylaert e Lô Politi, Alvorada registra, com imagens exclusivas, os últimos dias de Dilma Rousseff como presidenta do Brasil.
ALVORADA (idem, 2021, de Anna Muylaert e Lô Politi): Depois de O Processo e Democracia em Vertigem, fica difícil um documentário tão recente sobre o impeachment da presidenta Dilma Rousseff dizer algo que já não tenha sido dito por seus semelhantes. E, por mais que Anna Muylaert e Lô Politi tentem dar um caráter mais íntimo e exclusivo para os últimos dias de Dilma à frente do Brasil a partir de filmagens exclusivas, Alvorada não se sustenta de forma mais sólida em termos de conceito. É interessante ver os bastidores do Palácio da Alvorada e como a vida diária se configura lá dentro, mas isso é tudo o que o documentário tem a dizer. Não ajuda também o fato de só haver uma única entrevista com Dilma Rousseff, que muito provavelmente deve ter durado tão pouco a ponto de ser usada apenas duas ou três vezes ao longo da projeção. Aliás, vale perceber como o filme é mais uma colagem do maior número de imagens possíveis capturadas com exclusividade pela equipe do que um documentário abertamente planejado, deixando a sensação de que suas ideias só tomaram forma de fato na sala de edição. E esse é um problema dos grandes se considerarmos que, politicamente falando, Alvorada já é direcionado a um público específico. Sem o frescor ou a consistência cinematográfica de O Processo e Democracia em Vertigem, acaba tendo uma aderência ainda menor diferentes plateias. Para o público-alvo a qual o filme é endereçado, funciona a proposta de “humanizar” a figura de Dilma Rousseff, vista aqui como uma mulher múltipla em ideias, sentimentos e temperamentos como qualquer outra do planeta. Muylaert e Politi apenas observam o cotidiano da ex-presidenta e, no pouco que conseguiram fazê-la sentar para conversar, garantiram os melhores momentos de Alvorada, quando, por exemplo, Dilma fala que sempre foi uma mulher que nunca se desestabilizou. É em sequências como essa que constamos que, curiosamente, portanto, o que falta no documentário é mais do verdadeiro íntimo de sua retratada.
AMOR, CASAMENTOS E OUTROS DESASTRES (Love, Weddings & Other Disasters, 2020, de Dennis Dugan): Tudo o que eu precisava quando dei play em Amor, Casamentos e Outros Desastres era de uma comédia bobinha, romântica e descontraída para me desligar desses tempos tenebrosos que vivemos. E, nesse caso, ainda havia o tempero extra do primeiro encontro entre Diane Keaton e Jeremy Irons no cinema. Tudo não passou de uma ilusão, e a verdade é que marquei bobeira ao não observar o nome de Dennis Dugan na direção. Responsável por uma penca de filmes horroroso estrelados por Adam Sandler (Cada Um Tem a Gêmea Que Merece, Gente Grande, Eu os Declaro Marido e… Larry), Dugan consegue a façanha de bagunçar e aborrecer um formato de filme que, de tão explorado, o mais básico dos diretores já deveria conseguir desenvolver com o mínimo de desenvoltura. Isso mesmo, já vimos Amor, Casamentos e Outros Desastres um punhado de vezes, e não só por ser mais uma comédia ruim feita por Diane Keaton faz para se manter ativa porque papeis melhores não lhe são ofertados: partindo de um mosaico de personagens em histórias conectadas por uma temática em comum (nesse caso, o amor e o planejamento de casamentos), o roteiro tenta fazer graça com piadas que variam do mau gosto, como cegos tropeçando em móveis a anões participando de programas de relacionamento na TV, até histórias que, desde o primeiro minuto, já sabemos qual será o desfecho. O pior de tudo é ver como o roteiro, também assinado por Dugan, é inábil na tarefa de criar qualquer personagem interessante. Tudo é tão desregulado e sem timing que nem mesmo Keaton e Irons conseguem construir algo remotamente cativante, inclusive porque ambos vivem o recorte motivacional e manjado da trama, onde um homem rígido e certinho começa a encarar o mundo com mais espontaneidade ao se relacionar afetivamente com uma mulher cega. Nem como muito esforço dá para escapar da afirmação de que Amor, Casamentos e Outros Desastres é uma verdadeira bomba.
O DIABO DE CADA DIA (The Devill All the Time, 2020, de Antonio Campos): Caso fosse lançado no início dos anos 2000, O Diabo de Cada Dia estaria ao lado de Babel e Crash – No Limite como um filme-elenco de sucesso, especialmente no tocante às premiações. O que os três longas-metragens têm em comum são as histórias interligadas pelo acaso, pela violência ou pela incomunicabilidade — e, muitas vezes, por esses três elementos ao mesmo tempo. Entretanto, tendo estreado em 2020 no catálogo da Netflix, o filme de Antonio Campos não se destaca pelo frescor do formato como seus similares à época e enfrenta um problema maior: ainda que disponha de 140 minutos para desenvolver uma infinidade de personagens e reviravoltas, o resultado não dá conta do tanto que tenta abraçar. Há de se reconhecer que a narração hipnótica de Donald Ray Pollock, autor do livro homônimo em que o filme se baseia, é um caso raríssimo onde essa ferramenta pode ser usada com sabedoria para expandir o que está sendo visto na tela e colocar em palavras aquilo que não precisa ser necessariamente mostrado, mas a sucessão de reviravoltas, mortes e tragédias é tão grande e contempla tantos personagens que, em determinado ponto, O Diabo de Cada Dia se esvazia e já não consegue mais conferir potência e significado a suas dolorosas odisseias geracionais. Ao ter no elenco uma excelente matéria-prima para a força do drama, Antonio Campos dirige alguns nomes com mais eficiência do que outros: enquanto Bill Skarsgård se destaca com um papel pequeno e forte, Tom Holland assume com maturidade a maior parcela de protagonismo da história, ao passo que Robert Pattinson, vindo de uma escalada de excelentes desempenhos (Bom Comportamento e O Farol são alguns deles), inexplicavelmente pesa a mão no sotaque e em uma interpretação que nos remete aos ares robóticos do início de sua carreira. Se O Diabo de Cada Dia não chega a ser grande, ao menos nos instiga a ir atrás do livro para ver se lá, com o ritmo mais detalhado da literatura, tudo ganha a devida tração.
A MULHER NA JANELA (The Woman in the Window, 2021, de Joe Wright): Vítima das grandes expectativas em torno de sua realização, A Mulher na Janela é mais um divertido entretenimento do que o suspense sofisticado que se poderia esperar da união de nomes como Joe Wright, Tracy Letts, Amy Adams e Julianne Moore. Contudo, filmes são o que são e não aquilo que gostaríamos que eles fossem, o que explica o ódio desproporcional atribuído ao resultado de A Mulher na Janela. Adaptado do romance de mesmo nome assinado por A.J. Finn em 2018, o longa foi modificado inúmeras vezes como resposta às reações negativas de suas primeiras sessões de teste, passando por cortes e novas filmagens, até ser levado para estreia direta na Netflix após a desistência da 20th Century Fox de lançá-lo nos cinemas. Nunca é bom sinal quando um estúdio interfere demais no corte final de um filme, muito menos quando se torna público o receio de que ele finalmente encontre o público da forma como foi concebido. E é verdade que a versão apresentada de A Mulher na Janela tem limitações e descompassos, mas há algo fundamental que me faz defendê-lo: o fato dos realizadores não esconderem, desde o primeiro minuto, a natureza expositiva, acentuada e até hiperbólica de seu suspense. Essa honestidade é muito bem-vinda porque regula expectativas e ajuda o espectador a embarcar no tom que será trabalhado ao longo da projeção. Como um todo, A Mulher na Janela é bem sustentado pela ótima presença de Amy Adams e até mesmo por Joe Wright, que, apesar de funcionar melhor comandando produções de época (Orgulho e Preconceito, Desejo e Reparação), consegue conferir certa elegância a uma concepção narrativa e estética que tem sido reduzida pela crítica a comparações com o desejo do diretor em emular Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock. Aos trancos e barrancos, o senso de diversão de A Mulher na Janela como um lançamento Netflix compensa o percurso atribulado trilhado por uma obra que é o que é, não aquilo que gostaríamos que ela fosse.
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