“Amor, Sublime Amor”: estreia de Steven Spielberg no gênero musical traz novos (e bons) ares para o diretor

Life matters even more than love.

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Direção: Steven Spielberg

Roteiro: Tony Kushner, baseado no libreto e no musical “West Side Story”, de Arthur Laurents, com música de Leonard Bernstein e letras de Stephen Sondheim

Elenco: Rachel Zegler, Ansel Elgort, Ariana DeBose, Rita Moreno, David Alvarez, Mike Faist, Josh Andrés Rivera, Brian d’Arcy James, Corey Stoll, David Aviles Morales, Ricardo Zayas, Carlos E. Gonzalez, Ricky Ubeda, Andrei Chagas, Adriel Flete

West Side Story, EUA, 2021, Musical, 156 minutos

Sinopse: Nova Iorque, 1957. As gangues Jets, estadunidenses brancos, e os Sharks, descendentes e/ou porto-riquenhos, são rivais que tentam controlar o bairro de Upper West Side. Maria (Rachel Zegler) acaba de chegar à cidade para seu casamento arranjado com Chino (Josh Andrés Rivera), algo pelo qual ela não está muito animada. Quando, em uma festa, a jovem acaba se apaixonando por Tony (Ansel Elgort), ela precisará enfrentar um grande problema, pois ambos fazem parte de gangues rivais: Maria dos Sharks e Tony dos Jets.

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Lenda da Broadway, Stephen Sondheim nos deixou no último mês de novembro, aos 91 anos. Seu legado como compositor e letrista é imenso, e várias das obras que ele assinou para os palcos também ganharam versões cinematográficas, como o Sweeney Todd, de Tim Burton, e o Caminhos da Floresta, de Rob Marshall. Entretanto, poucos trabalhos de Sondheim são tão célebres quanto Amor, Sublime Amor, musical com libreto de Arthur Laurents e música de Leonard Bernstein. A primeira montagem, realizada em 1957 na Broadway, contabilizou mais de 700 apresentações antes de sair em turnê e fez sucesso estrondoso, com várias adaptações mundo afora e, principalmente, um filme homônimo que se tornou clássico pelas mãos de Robert Wise.

Com dez Oscars na bagagem, incluindo o de melhor filme, Amor, Sublime Amor completa 60 anos de lançamento em 2021, data ilustrada por um marco de imenso pedigree: o aguardado remake de Steven Spielberg, aprovado com entusiasmo por Stephen Sondheim. Mesmo sendo um fã de musicais, não chego a me conectar com o longa de Robert Wise e até acreditei que a validação de Sondheim para esta nova versão pudesse ser uma reação de alguém suspeito demais para falar sobre o projeto, inclusive porque a carreira recente de Spielberg não é das mais estimulantes – com exceção de Jogador Nº 1 e The Post, são no mínimo mornos e protocolares títulos como Cavalo de Guerra, Lincoln e Ponte dos Espiões. Mas a verdade é que Sondheim estava mesmo certo.

O impacto imediato de Amor, Sublime Amor está na mudança de ares que ele traz para a filmografia de Spielberg, diretor que nunca havia se aventurado no gênero, apesar de já ter trabalhado no desenvolvimento de um musical semiautobiográfico nos anos 1980 chamado Reel to Reel que nunca saiu do papel. Em cada frame de Amor, Sublime Amor está evidente o carinho de Spielberg por este projeto que traz para a superfície uma nova faceta de sua versatilidade. E talvez mais importante: aqui, ele mistura sua reverência a um estilo clássico de musical que já não se produz mais hoje em dia com um olhar cinematográfico mais vivo, colorido, ritmado e contemporâneo.

Para realizar o remake, Spielberg convocou Tony Kushner, roteirista com quem já havia trabalhado em filmes como Munique e Lincoln. Ambos se guiaram mais pelo libreto de Arthur Laurents do que pelo filme de 1961, o que não tira de Amor, Sublime Amor elementos nostálgicos como as coreografias milimetricamente pensadas e executadas à perfeição. Há um balanço bem calibrado entre o que se preserva da obra anterior e o que Spielberg e Kushner trazem com suas próprias perspectivas, da estilização ao pulso confiante tomado nesta ideia de mexer com um material clássico, algo que não costuma ser boa ideia.

Aos navegantes de primeira viagem, vale frisar que Amor, Sublime Amor nada mais é do que uma variação de Romeu e Julieta, onde os Montéquios e Capuletos são substituídos pelos Jets e Sharks, gangues rivais — uma norte-americana, outra porto-riquenha — que disputam o controle do bairro de Upper West Side na Nova Iorque de 1957. Um amor proibido, claro, nasce entre os dois guetos, colocando à prova a lealdade, os valores e os limites dos envolvidos. Acontece que, se, por um lado, Amor, Sublime Amor é gracioso ao preservar um arco dramático clássico, por outro, pouco atualiza ou inova no discurso de questões sempre tão urgentes — e, hoje, ainda mais — como miscigenação e preconceito.

O romance proibido da trama nos leva a outro ponto que não chega a brilhar em Amor, Sublime Amor: o casal María e Tony, interpretados, respectivamente, por Rachel Zegler e Ansel Elgort. Ela é uma revelação em seu primeiro grande papel no cinema e já tem colhido importantes reconhecimentos, a exemplo do prêmio de melhor atriz no National Board of Review. Já Ansel Elgort, que conquistou incontáveis corações com o sucesso de A Culpa é das Estrelas e foi acusado de abuso sexual no ano passado, puxa a energia do filme para baixo devido a uma apatia que, além de estar em descompasso com Zegler, não é amortecida nem nos números musicais onde ele, um garoto alto, jovem e bem preparado fisicamente para o gênero, poderia brilhar.

Em contraste, os coadjuvantes compensam e não deixam que Amor, Sublime Amor se torne um relato romântico enfadonho em função da falta de faíscas entre o casal principal. Destaco a presença de Ariana DeBose, recentemente sabotada pela ruindade de A Festa de Formatura e aqui devidamente valorizada na pele da porto-riquenha Anita. DeBose, assumindo o papel que rendeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante a Rita Moreno no longa original, tem grande presença e carisma ao longo de todo o filme, também dando conta da parte mais dramática no terço final da trama. Por falar em Moreno, ela tem um papel bastante pequeno (e reimaginado para ela) que acaba com brilho próprio devido a todo o afeto envolvendo o retorno da atriz a um dos projetos mais importantes da sua carreira.

Sob a perspectiva artística de um musical, Spielberg não titubeia ao explorar diversos elementos clássicos do gênero. Naturalmente, as coreografias de Justin Peck são um show à parte, adotando um tom mais expansivo e livre do que o original. Amor, Sublime Amor é pura corporalidade, e o dinamismo dos números musicais é potencializado pela trilha de Leonard Berstein, aqui conduzida por Gustavo Dudamel, com arranjos de David Newman performados pela Orquestra Filarmônica de Nova Iorque. O uso da trilha é um dos pontos altos da refilmagem, com grande poder narrativo e responsável por ritmar uma imensa parcela das cenas. Assusta, portanto, que as legendas brasileiras optem tanto por usar as letras da versão traduzida para o português do libreto original e não nas letras do próprio filme, o que é bastante problemático para quem consegue fazer as comparações.

Em última análise, conjugando todos os acertos, percebe-se que a vitória é mesmo de Spielberg. Talvez as baixíssimas expectativas que eu nutria por este remake e a falta de identificação com o filme original tenham colaborado em peso para a minha surpresa com a versão 2021 de Amor, Sublime Amor, mas não deixo de pensar sobre o quanto o cineasta está mais arejado e flutuante aqui, sem ter zelo excessivo pelo trabalho de Robert Wise (não se trata de uma refilmagem quadro a quadro ou de uma obra recheada de easter eggs) e valorizando as possibilidades clássicas de um gênero suscetível a muitas gamas de sentimentos e imaginação. Como musical, funcionou muito bem para mim. Para a carreira atual de Spielberg, ainda mais.

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