Rapidamente: “Bardo”, “Os Fabelmans”, “Império da Luz” e “Nada de Novo no Front”

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Em Império da Luz, Olivia Colman busca conferir camadas a uma protagonista bastante irregular.

BARDO, FALSA CRÔNICA DE ALGUMAS VERDADES (Bardo, Falsa Crónica de Unas Cuantas Verdades, 2022, de Alejandro G. Iñárritu): Criticar o estilo de um cineasta vale até certo ponto. Afinal, do que adianta, por exemplo, seguir “acusando” Baz Luhrmann de “exagerado” quando ele sempre o foi em cada um de seus longas? O mesmo é válido para a filmografia do mexicano Alejandro G. Iñárritu, diretor frequentemente rotulado de ególatra, vaidoso, maneirista e ávido por aparecer mais do que a própria história. A meu ver, das duas uma: paramos de ver seus filmes porque eles não nos apetecem ou tentamos compreender de que forma o estilo do diretor contribui ou não para o relato em questão. Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades performou muito abaixo do esperado junto a público e crítica porque, talvez, seja o filme de Iñárritu que mais pese a mão em simbologias, sonhos e metáforas regados a uma pluralidade de ângulos, enquadramentos e movimentos de câmera super estilizados. Se isso um dia já lhe rendeu dois Oscars de direção consecutivos (Birdman e O Regresso), hoje parece distanciar o espectador de vez. Contudo, tratando-se de um filme amplamente inspirado em memórias e sentimentos de Iñárritu, não vejo como ele poderia fazer diferente. À parte essas questões, é interessante, por exemplo, a conversa entre pai e filho sobre identidade a partir da imigração deles próprios do México para os Estados Unidos. Já outros momentos soam repetitivos até para os moldes do diretor, como o diálogo sobre arte, sucesso e fracasso no terraço de uma festa. A longa duração de 159 minutos amplifica fragilidades e acertos, além de afetos e desafetos para com o filme. Goste-se ou não, o que ninguém pode dizer é que, com Bardo, Iñárritu se desvirtuou ou deixou de ser fiel ao seu próprio cinema.

OS FABELMANS (The Fabelmans, 2022, de Steven Spielberg): Era questão de tempo para que Steven Spielberg fizesse um filme sobre sua juventude e, principalmente, sobre como o cinema foi fundamental para a sua formação como profissional e ser humano. Não por modismo, já que há uma onda de diretores dedicados a revisitar suas vidas ou a fazer homenagens ao cinema — James Gray com Armageddon Time, Damien Chazelle com Babilônia, Sam Mendes com Império da Luz —, mas porque Os Fabelmans é um projeto muito antigo de Spielberg. E o longa reforça o afeto do consagrado por contar histórias e mostrar como não só Spielberg se descobriu do ponto de vista pessoal e profissional como também aprendeu a compreender a sua família e as pessoas a sua volta a partir do cinema. No seu primeiro roteiro desde A.I.: Inteligência Artificial, de 2001, ele volta ao passado pincelando outras questões importantes na sua formação: a relação com os pais, a origem judaica, a desmistificação do cinema como mero hobby, o primeiro e inusitado amor… Tudo é muito bem equilibrado, com uma atmosfera calorosa e personagens interpretados por atores perfeitamente escalados, do protagonista-revelação Gabriel LeBelle aos pais vividos por Michelle Williams e Paul Dano. As emoções genuínas de Os Fabelmans garantem um filme mais universal e menos nichado, algo bastante positivo, mesmo que, por vezes, o conjunto parece linear demais, sem a palpável efervescência de Amor, Sublime Amor, longa anterior de Spielberg. Também não deixa de ser um coming of age de alguém que olha para o seu passado sem julgamentos, e sim com compreensão e generosidade, como deveria acontecer com todos nós.

IMPÉRIO DA LUZ (Empire of Light, 2022, de Sam Mendes): Tenho mil restrições com o termo Oscar bait, comumente usado para se referir a filmes que parecem ter sido feitos para ganhar o Oscar. Não só acho complicado acreditar que estúdios ainda sejam guiados por esse tipo de encomenda com tanta frequência como já não é mais tão fácil prever as escolhas da Academia de Ciências Cinematográficas de Hollywood, que, de um ano para o outro, premia Green Book e Parasita, títulos extremamente opostos em qualquer ângulo. Não vejo, entretanto, outra forma de definir Império da Luz, o primeiro filme de Sam Mendes após as inúmeras consagrações de 1917. Tudo começa já no roteiro escrito por ele próprio, que mistura uma série de temas sem conseguir aprofundá-los, da homenagem às salas de cinema a transtornos mentais. Em determinada altura, Mendes também tenta versar sobre racismo ao introduzir uma história de amor protagonizada por um casal sem química. Nada se conecta, ao ponto de ninguém conseguir elevar o resultado — e, considerando nomes como Roger Deakins na fotografia e a dupla Trent Reznor e Atticus Ross na trilha sonora, isso não é pouca coisa. O peso maior acaba nas costas da protagonista Olivia Colman, que, sozinha, busca construir texturas para uma personagem bastante irregular em termos de roteiro. Lançado em dezembro nos cinemas estadunidenses para se posicionar como um candidato ao Oscar, Império da Luz foi silenciosamente ignorado por público e crítica. Mesmo descontando as expectativas criadas em função dos talentos reunidos e a efetividade de um belo teaser, não é difícil entender o porquê.

NADA DE NOVO NO FRONT (All Quiet on the Western Front, 2022, de Edward Berger): Ao contrário do que estamos acostumados a ver em muitos filmes de guerra, não há momentos heroicos e gloriosos em Nada de Novo no Front. Para falar bem a verdade, o patriotismo efervescente dos personagens vai por água abaixo logo que eles entram nas trincheiras e compreendem que todo aquele horror é um caminho sem volta. A proposta do diretor Edward Berger é mais do que traçar um retrato hiper-realista da guerra: ele quer colocar o espectador na pele dos personagens, seja através da assombrosa e retumbante trilha sonora de Volker Bertelmann ou por meio de pesadas cenas de confronto entre os soldados da Primeira Guerra Mundial. E consegue. Nada de Novo no Front impacta desde o primeiro momento em que jovens garotos, antes tão ávidos por defender sua nação, colocam o pé no campo de batalha com imenso espanto. A parte técnica tem papel fundamental, mas o acerto está mesmo nessa ideia de mostrar a vida suja, insalubre e traumatizante de pessoas comuns que se dão conta da terrível realidade a que estão submetidos. Aqueles que não simpatizam com o filme citam obras desde Vá e Veja até 1917 para defender a tese de que Nada de Novo Front não passa de mais do mesmo no gênero. Acontece que, quando ainda precisamos testemunhar países como Rússia e Ucrânia travando batalhas, obras como essa são muito pertinentes, pois nos lembram que nunca há vencedores em guerras, apenas dolorosas destruições que, no final das contas, sequer passam perto daqueles que, confortáveis, estão tomando todas as decisões com apenas uma caneta na mão.

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