Após um bate-papo sobre a temporada de premiações lá no canal do Cinema e Argumento no YouTube, tenho o prazer de reencontrar o professor e crítico de cinema Waldemar Dalenagore agora aqui na coluna Três atores, três filmes. Meu conterrâneo de Porto Alegre (RS), Dale é um dos maiores experts quando o assunto é Oscar e temporada de premiações. Inclusive, vale destacar uma importante descoberta feita por ele recentemente: a da primeira menção feita em um jornal sobre o Oscar em dezembro de 1933, acabando com uma antiga teoria de que Sidney Skolsky teria criado o nome em março de 1934. Doutor em História e membro da Film Independent, da Critics Choice Association e da Online Film Critics Society, Dale publica suas críticas e análises no canal Dalenogare Críticas, que recentemente ultrapassou a marca de 100 mil seguidores. O conhecimento compartilhado por ele nos vídeos está, em certa medida, traduzida nas escolhas feitas abaixo para a coluna, que vão de 1927 a 2018. Boa leitura!
Howard Vernon (O Silêncio do Mar)
A discussão sobre a experiência traumática da Segunda Guerra Mundial que era feita no cinema francês durante a metade final dos anos 40 vendia uma noção de que todos haviam lutado com bravura, na medida do possível, seja no front ou na resistência ativa contra os nazistas. Jean-Pierre Melville desconstrói essa noção em O Silêncio do Mar ao propor uma análise da resistência silenciosa, pela honra, da mesma forma que discute sobre a natureza do nazismo. Howard Vernon não teve uma carreira de grande destaque, mas considero sua atuação em O Silêncio do Mar inesquecível. Inicialmente ele traz para consideração o orgulho nazista – que invadia a casa de dois humildes franceses e que vibrava com as conquistas de seu exército. Todas suas tentativas de diálogo com os franceses naquela casa não foram bem sucedidas – eles preferiram o silêncio. E nos geniais monólogos de Melville, que tinha base no popular livro de Vercors escrito durante a guerra, o personagem de Vernon se desconstrói. Aos poucos ele observa os comportamentos exagerados de seus pares, os crimes de guerra. Ele nota que sua visão sobre o que o nazismo significava era fruto da máquina de propaganda e de uma inocência que não era partilhada pelos demais Generais. E essa jornada de Howard Vernon como Werner von Ebrennac foi fundamental para uma guinada na discussão sobre resistência e nazismo no cinema francês. E Vernon, com incrível destreza, trabalha com essa personalidade tão conturbada desde sua saudação inicial até o olhar penetrante de um homem que sai da sua zona de conforto e praticamente assina sua sentença de morte .
Clara Bow (Asas)
Clara Bow foi uma das principais atrizes de Hollywood. Não é à toa que Clara foi a ‘It Girl’. Tenho um carinho muito especial por Asas, de William A. Wellman, pois o trabalho técnico é impressionante: pela primeira vez uma produção investiu nas cenas aéreas e correu riscos para trazer cenas diferentes do padrão da época – e o resultado é espetacular. Mas a Paramount sentia que precisava de uma estrela de peso para ajudar na promoção do filme, até mesmo para justificar o amplo investimento, e a personagem de Clara Bow foi adicionada às pressas no roteiro. A história que inicialmente envolvia amizade e superação ganhou novos traços. E Clara Bow é responsável direta por tornar Asas uma experiência mais acessível, ocasionalmente deixando em segundo plano a discussão sobre a experiência e o drama de guerra, com uma leve comédia de frustrações e desencantos que também envolveria um romance impensável. Clara Bow não entrava em um filme apenas para atuar. Tudo o que ela fazia no auge da sua fama era motivo para discussão e inspiração – das roupas até o comportamento. Considero seu trabalho em Asas impecável.
Clint Eastwood (A Mula)
Sou um grande fã de Clint Eastwood. Poderia citar tantos filmes e tantas atuações memoráveis, mas vou mencionar a sua atuação mais recente – Earl Stone, em A Mula. Lembro-me da sensação que tive quando assisti ao filme pela primeira vez: seria essa a despedida de Clint como ator? Sua longevidade e paixão pelo cinema são impressionantes. O que mais chama a atenção é que tradicionalmente um ator com 88 anos de idade (na época) tem de lidar com problemas de saúde e limitações físicas. Como dizia Jack Palance, os próprios produtores colocam uma data de validade para atores e atrizes: com mais de 80 anos, é difícil conseguir um papel destaque – quando muito aparece uma vaga para vovô/vovó. Em A Mula, Clint consegue passar do desespero ao conforto. Idoso, ele é o protagonista. E é possível fazer uma ligação da percepção de mundo do personagem com o próprio Clint: como menciona a canção de Toby Keith – ‘Don’t Let the Old Man In’ serve como seu lema pessoal. Por isso aguardo muito por Cry Macho, previsto para outubro de 2021.