
A Viagem de Pedro está entre os filmes pré-selecionados pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil na categoria de melhor filme internacional do Oscar 2023.
OS PRIMEIROS SOLDADOS (idem, 2021, de Rodrigo de Oliveira): Até onde alcança a minha memória, não lembro de outro longa-metragem nacional que tenha refletido com tamanha atenção a questão da chegada do HIV no Brasil. Os Primeiros Soldados preenche essa lacuna com emoção e intensidade, munido de um bom elenco e de um terceiro ato reverberante. Para tanto, abraça a perspectiva muito pessoal de três personagens, deixando de lado didatismos para fazer contextualizações. Por meio das histórias individuais de Suzano (Johnny Massaro), Rose (Renata Carvalho) e Humberto (Victor Camilo), o roteiro escrito pelo diretor Rodrigo de Oliveira começa narrando as angústias paralelas de personagens infectados pelo vírus HIV para, no melhor recorte do filme, juntá-los em um convívio tão bonito quanto trágico. É bonito ao prestar homenagem à união e ao companheirismo de uma parcela da sociedade desassistida pela ignorância frente à descoberta de uma nova doença. E é trágico por mostrar a desumanidade com que pessoas foram largadas à morte sem qualquer amparo. Se há irregularidades na construção das narrativas paralelas, a impressão é dissipada quando Os Primeiros Soldados une Suzano, Rose e Humberto. À parte a emoção trazida pela situação dos três, o filme se engrandece pela excelente sintonia entre os atores e por ser capaz de trazer delicadeza e dignidade ao encenar uma situação tão difícil. Rodrigo de Oliveira é muito feliz em, sim, relembrar um momento da nossa história que ainda é uma lacuna no audiovisual brasileiro, mas também em terminar o filme com uma nota melancólica de esperança da qual sempre precisaremos.
O TELEFONE PRETO (The Black Phone, 2021, de Scott Derrickson): Quase 20 anos atrás, Scott Derrickson estreou como diretor com um filme de terror eficiente como poucos. O Exorcismo de Emily Rose, além do elenco excepcional — Laura Linney, Tom Wilkinson, Shoreh Aghdashloo —, dispensava obviedades para entregar uma atmosfera madura e que lançava Derrickson como uma verdadeira promessa. Desde então, ele seguiu prolífero no gênero, chegando a esse O Telefone Preto, que reafirma o seu tino para terrores com substância e sem modismos. Enquanto, em O Exorcismo de Emily Rose, o pano de fundo era o pragmatismo de uma advogada e seu imenso ceticismo quanto a fatos inexplicáveis, O Telefone Preto tem como tônica o afetuoso relacionamento entre dois irmãos que, acostumados com o desolamento da vida, enfrentam o maior medo de todos quando um deles é raptado sem deixar vestígios. Eles são interpretados por duas ótimas revelações – Mason Thorne e Madeleine McGraw – que seguram muito bem tanto o drama familiar quanto o ritmo de tensão. Thorne, aliás, tem a missão mais difícil porque, primeiro, está enclausurado em único ambiente durante boa parte do filme e, segundo, porque está diante da presença mascarada e intimidante do sequestrador vivido por Ethan Hawke. Tendo escrito o roteiro em parceria com C. Robert Cargill, Derrickson é objetivo em todos os arcos, tirando da equação sustos fáceis ou voltas e mais voltas para chegar à resolução. Tamanho pragmatismo é extremamente bem-vindo para um gênero que, por vezes, dedica-se mais a distrações do que ao que tem propriamente a dizer.
UNCHARTED: FORA DO MAPA (Uncharted, 2022, de Ruben Fleischer): Entre filmes como Cherry e O Diabo de Cada Dia, Tom Holland reserva um espacinho na agenda para participar de produções como Uncharted: Fora do Mapa, garantindo que seu estrelato como protagonista de blockbusters se mantenha aquecido com ou sem Homem-Aranha. É preciso, contudo, que Holland não faça isso de maneira protocolar, como acontece neste filme de Ruben Fleischer baseado na série de videogames homônima produzida para a PlayStation. Holland, na verdade, marca presença com seu carisma de sempre e com uma visível dedicação física para dar conta de todas as cenas de ação. Acontece que Uncharted é uma aventura empoeirada e genérica. Falta à direção de Fleischer a habilidade de produzir diversão com a proposta clássica de caça ao tesouro como Jon Turteltaub fez, por exemplo, em A Lenda do Tesouro Perdido, de 2004. Tudo parece estar no piloto-automático com a fórmula de uma pista levar a outra, e cabe ao ator tentar trazer certa graça, inclusive porque o elenco de suporte é dos mais fracos, quando não estereotipado, caso do vilão latino interpretado, claro, por Antonio Banderas em uma composição previsível dos padrões hollywoodianos. Inevitavelmente, Uncharted se assemelha muito a um videogame, mas apenas no que se refere à estrutura. Ao passar de uma fase para a outra, o protagonista Nathan Drake (Holland) avança em história, enquanto o espectador nunca chega a ser convidado para participar da mesma diversão. É essa a virada de chave que teria sido feita em um piscar de olhos por um diretor mais imaginativo.
A VIAGEM DE PEDRO (idem, 2022, de Laís Bodanzky): Em seu quinto longa-metragem para os cinemas, a diretora Laís Bodanzky sai de núcleos mais familiares e intimistas como os de As Melhores Coisas do Mundo e Como Nossos Pais para realizar o seu filme mais ambicioso até aqui, ainda que A Viagem de Pedro também seja, em última instância, uma reflexão sobre os sentimentos muito particulares de um homem sempre visto pela História como um grande emblema. A mudança de ares tem impacto, visto que longa não deve nada às superproduções estadunidenses em termos técnicos. É mesmo surpreendente o rigor com que Bodanzky orquestra um filme grandioso e que, em momento algum, soa artificial em sua ambientação. A cota de desequilíbrio acaba ficando com o roteiro, que abraça um momento específico do ano de 1831, quando Dom Pedro I (Cauã Reymond) embarca em uma fragata inglesa para enfrentar o irmão que usurpou seu reino em Portugal. No que chama de uma babel de línguas e posições sociais em que se misturam membros da corte, oficiais, serviçais e escravizados, Bodanzky imagina dias críticos na vida de um Dom Pedro I em crise física e emocional. Para isso, ela apresenta um roteiro cuja toada é revisitar símbolos históricos que tomamos como certos e que clamam por reavaliações. Trazendo um protagonista impotente sexualmente e atormentado por pesadelos e visões, A Viagem de Pedro não transita muito bem, entretanto, entra as fronteiras da ficcionalização crítica e da humanização do personagem. E, com Cauã Reymond, um ator não exatamente versátil, esse certo sentimento de confusão deixado pelo filme é pouco resolvido.