Rapidamente: “Os 7 de Chicago”, “Era Uma Vez Um Sonho”, “Mank” e “Soul”

Aguardado como o filme que finalmente poderia dar o Oscar para Amy Adams e Glenn Close, Era Uma Vez um Sonho acabou como uma das grandes frustrações de 2020 segundo a crítica norte-americana. E com razão.

OS 7 DE CHICAGO (The Trial of the Chicago 7, 2020, de Aaron Sorkin): Ben Stiller, Paul Greengrass e Steven Spielberg chegaram a se envolver com o projeto, mas quem acabou assumindo Os 7 de Chicago como diretor foi o premiado roteirista Aaron Sorkin (A Rede Social, Steve Jobs, entre outros). Seu primeiro longa na cadeira de direção foi A Grande Jogada, em 2017, e é impressionante como, depois de dois trabalhos, fica evidente o quanto Sorkin é infinitamente melhor roteirista do que diretor. Para falar bem a verdade, no caso de Os 7 de Chicago, há até uma apatia inesperada no texto, que é formulaico em estrutura e não se esmera muito para propor novos olhares a uma história maior do que o próprio filme. Trata-se de um roteiro que lida bem com a multidão de personagens em cena (são sete apenas no título!) e que consegue tornar minimamente interessante um drama de tribunal com mais de duas horas de duração. Entretanto, todas as emoções que Os 7 de Chicago tenta transmitir são pasteurizadas e didáticas, com aquele clima empoeirado de homenagear injustiçadas figuras da vida real mais para aliviar a consciência do público norte-americano do que para cutucar a ferida de incontáveis problemas dos sistemas políticos, sociais e jurídicos do país que, do ponto de vista de construção dramática, são retratados basicamente como obstáculos a serem ultrapassados pelos personagens. Nada na direção de Os 7 de Chicago aponta para a ideia de que Sorkin, após anos vendo seus roteiros tomarem forma nas mãos de grandes cineastas como Mike Nichols e David Fincher, tenha descoberto algum tipo de vocação genuína para esse ofício. É um bom entretenimento para quem se dá por satisfeito com o básico, e frustrante para quem, como este que vos fala, está sempre em busca do que existe de novo a ser dito. De qualquer maneira, em ambos os casos, dá para aproveitar a presença do excelente elenco, onde todos estão em sólida sinergia, algo no mínimo difícil para um longa construído em cima de personagens com personalidades tão distintas e interpretados por atores de diferentes naturezas e intuições.

ERA UMA VEZ UM SONHO (Hillbilly Elegy, 2020, de Ron Howard): O filme que renderia, de uma vez só, os tão aguardados Oscars de Amy Adams e Glenn Close se revelou um dos maiores desastres de 2020 junto à crítica internacional. E, de fato, razões não faltam para classificar Era Uma Vez Um Sonho como ao menos um projeto problemático, a começar pelos caminhos tortuosos tomados pelo roteiro de Vanessa Taylor (A Forma da Água) para representar a questão da saúde mental, vista aqui com descaso e ao estilo mais reducionista possível. É complicado, em pleno século XXI, ver um filme embasado na tese de que pessoas com distúrbios mentais/emocionais se “descontrolam” ou algo parecido simplesmente por não terem força de vontade, consciência ou disciplina. O problema se intensifica quando Era Uma Vez Um Sonho nunca observa de forma crítica a situação de uma família pobre, disfuncional e desassistida pelo sistema de saúde dos Estados Unidos, conhecido por seus problemas e pela falta de programas públicos. Quando tenta dar gravidade ao tema, o diretor Ron Howard, em mais um trabalho nada inventivo, usa as mais óbvias das muletas: a de criar conflitos através de discussões que levam o elenco a berrar, discutir e se confrontar, como se isso fosse garantia de intensidade ou profundidade. Estruturada a partir de uma montagem desprovida de critério, onde o longa vai e volta no tempo sem justificar a ordem, a relevância ou a razão dos saltos temporais, a trama se concentra no personagem vivido por Gabriel Basso, jovem que deixou a família para tentar a sorte na cidade grande e que volta ao lar quando a mãe mais uma vez enfrenta problemas de longa data. Basso tenta se articular em um personagem de pouca energia, mas é jogo perdido porque, além de tudo, ele contracena com Amy Adams e Glenn Close, duas atrizes que, por serem quem são, já se destacam naturalmente. Deixo registrada uma certa defesa a elas porque, apesar das críticas pesadas também dirigidas a suas performances desde o lançamento, a dupla é dos males o menor: Amy tem coerência com uma personagem que, em função da natureza de seus distúrbios, não poderia agir ou se expressar de outra maneira, e Glenn busca conferir dimensão a uma mulher quase estereotipada em sua rispidez. Não salvam o filme ou fazem algo marcante. Apenas aliviam um pouco a frustração trazida por um folhetim desconjuntado.

MANK (idem, 2020, de David Fincher): Depois de Ryan Murphy e Aaron Sorkin, agora David Fincher se soma à lista dos diretores que se banalizaram com projetos originais para a Netflix. No caso de Fincher, o trabalho em questão é Mank, seu aguardado projeto sobre os dias em que Herman J. Mankiewicz escreveu o célebre roteiro do clássico Cidadão Kane. De início, seria possível afirmar que, na realidade, esta é uma obra específica e isolada demais em si mesma, claramente circunscrita ao público cinéfilo interessado pela Hollywood dos anos 1930 e 1940, e que, por isso mesmo, não se trata de um trabalho banal. Seria verdade se não houvesse o fator David Fincher na jogada. Para um diretor de fibra e imaginação como ele, o que se vê Mank é muito óbvio, inclusive porque Herman era um homem fora da curva, marcado por seu temperamento difícil e por sua genialidade, o que não se converte em substância dramática. Do início ao fim, a partir de um punhado expressivo de flashbacks, o filme é um estilizado desfile de curiosidades e referências cinematográficas, apresentando-se como um perfeito exemplo do lado problemático de fazer aquilo que chamamos de fan service, ou seja, algo pensado para agradar fãs (no caso, os de um específico recorte Hollywoodiano). Divertido para quem gosta. Tedioso para quem espera outro tipo de envolvimento. Lamento ter saído de Mank sabendo tão pouco sobre o personagem-título e seu processo de escrita como roteirista, pois Fincher, tão determinado a fazer um filme de cinéfilo para cinéfilos, prefere explorar, em grande escala, diversos locais, bastidores e jantares característicos do período retratado, sem jamais criar uma experiência robusta em ideias e em vida própria. Eventualmente, ele ilumina o roteiro assinado por seu pai Jack Fincher ao dirigir, por exemplo, uma radiante Amanda Seyfried e também ao explorar com inteligência a fascinante parte técnica (o trabalho de som que emula os filmes daquela época e a trilha sonora da dupla Trent Reznor e Atticus Ross são um achado), mas é dominante a atmosfera de mais do mesmo, até mesmo no que se refere a Gary Oldman como Mankiewicz, em uma interpretação acomodada e nada camaleônica. 

SOUL (idem, 2020, de Pete Docter e Kemp Powers): Boas ou ruins, as animações do selo Disney/Pixar sempre conquistam uma legião de fãs porque todas reverberam na plateia com mensagens bonitas, afetivas e, por vezes, adultas e complexas, conjugando a diversão dos pequenos e as reflexões existenciais endereçadas à vida adulta. Dos casos mais completos e recentes que acertam em cheio nessa fórmula, tenho Divertida MenteViva: A Vida é Uma Festa entre os meus títulos favoritos. Já considerando aqueles onde a mensagem se sobrepõe ao todo, evidenciando a infalibilidade e, em alguns casos, as motivações puramente comerciais, estão quase todas as continuações realizadas até aqui (Os Incríveis 2Procurando DoryToy Story 4) e outros trabalhos pontuais como ValenteSoul, o novo lançamento da Disney/Pixar, talvez esteja no segundo grupo, pela simples razão de que, excluída a bonita mensagem sobre encontrar nosso propósito, enxergar a beleza das pequenas coisas da vida e entender a dimensão dos nossos verdadeiros sonhos, o que sobra é uma dobradinha de reciclagens. A primeira é a que introduz um universo mais abstrato e detalhado em conceitos, onde os personagens observam e refletem sobre a vida tomando certa distância, exatamente como aconteceu em Divertida Mente. A segunda faz graça com a eterna brincadeira da troca de corpos, uma saída fácil demais para compensar a ausência quase total de elementos lúdicos para o público infantil. A combinação desses dois aspectos torna Soul um filme menos interessante do que a comoção causada pelas mensagens sugere, até porque elas próprias são imperfeitas. Afinal, por que a vida de professor precisa ser tratada como algo inglório ou como uma profissão que só ganha sentido se passarmos por determinadas transformações e aprendizados? É uma animação que, assim como todas da Disney/Pixar, terá um público amplo e apaixonado, ainda que esteja distante de simbolizar o pacote completo de acertos dessa parceria tão frutífera em encantamentos.

5 comentários em “Rapidamente: “Os 7 de Chicago”, “Era Uma Vez Um Sonho”, “Mank” e “Soul”

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