2019 foi um ano difícil. A enxurrada de notícias absurdas, reviravoltas políticas inacreditáveis e desmontes que levarão anos (talvez décadas) para serem recuperados abalou a estrutura de um Brasil já fraturado há alguns anos. Como sempre, os filmes foram o meu refúgio. Na sala de cinema, mesmo revisitando nossas angústias diárias discutidas por filmes de tantos cantos do mundo, mergulhei em outras dimensões. Dez dos momentos que mais me marcaram estão listados abaixo, sem ordem de preferência, seguindo a tradição do blog ao final de cada ano. Que estas sequências sirvam de retrospectiva para 2019 e que também nos dêem força e vigor para encarar 2020. Continuamos juntos, queridos leitores!
•••
O sorriso de Zain em Cafarnaum
Possivelmente o único vislumbre de esperança no poderoso filme de Nadine Labaki. Mais um momento avassalador do pequeno Zain al Rafeea, que estraçalhou meu coração durante pouco mais de duas horas. Embalada pela marcante trilha de Khaled Mouzanar, é uma imagem hipnotizante capaz de ecoar durante muito tempo após a sessão.
O reencontro de Salvador e Federico em Dor e Glória
Todo o universo de uma paixão intensa e impossível traduzido em uma única noite. Antonio Banderas e Leonardo Sbaraglia criam uma química de tirar o fôlego. Uma cena cuja sensibilidade, profundidade e dimensão só poderia vir de um cineasta tão humano e apaixonado como Pedro Almodóvar.
Uma dança para a rainha Anne em A Favorita
A cena que merecidamente garantiu o Oscar de melhor atriz para a excepcional Olivia Colman. Em um plano sem cortes, o diretor Yorgos Lanthimos aproxima o espectador do rosto de uma personagem cujos sentimentos se modificam a cada segundo. Uma aula de atuação sem uma palavra sequer, baseada em expressões que sintetizam a grandeza de uma intérprete.
A participação especial de Fernanda Montenegro em A Vida Invisível
Seja na TV, no teatro ou no cinema, o ar parece se transformar quando Fernanda Montenegro entra em cena. Não é diferente em A Vida Invisível. Com uma participação especial de cortar o coração, ela dobra a intensidade dramática do filme, fechando a trama com chave de ouro.
Sorrindo para o caos em Coringa
Sequência que marca um dos auges da imponente interpretação de Joaquin Phoenix. Quando Coringa finalmente nasce em meio ao caos, o ator segue preocupado em mergulhar no homem conturbado por trás de um sorriso desenhado com sangue. Perturbadora e intensa, a cena seria o desfecho perfeito caso Coringa não tivesse avançado um tantinho mais na história.
Uma ligação carregada de culpa em O Irlandês
Entre murmuros, hesitações e espantos, Robert De Niro tem, em uma ligação assombrada pela culpa, o seu maior momento em muitos anos. Todo o remorso de um personagem lidando com as consequências e os fantasmas de suas escolhas é capturado com plenitude pelo ator. Precisamos sempre de mais momentos como esse para De Niro.
O número musical da canção-título de Rocketman
Passagem que melhor sintetiza a criatividade e a liberdade artística de Rocketman. Por ter carta branca de Elton John e por se permitir explorar a magia que sempre cercou a carreira do cantor, o musical de Dexter Fletcher escapa do lugar-comum, especialmente nessa cena da canção-título, que leva Elton da overdose em uma piscina ao céu como um foguete.
Noite de chuva em Parasita
Mais do que um momento específico, todo o ato envolvendo a noite de chuva em Parasita é um assombro. Com reviravoltas, críticas sociais e diferentes leituras dramáticas, Bong Joon-ho leva o espectador por caminhos surpreendentes e inesperados, dando mais uma guinada nas tantas transformações de gênero trabalhadas ao longo da projeção.
Invasão ao edifício em Mormaço
Totalmente alinhado com a nossa realidade, Mormaço é uma inquietante experiência que começa quase documental para, aos poucos, tornar-se uma obra de toques fantásticos, flertando até mesmo com o terror. E a sequência final, que acompanha uma invasão da polícia carioca a um prédio em particular, é um pesadelo social que Marina Meliande filma com brutalidade e veracidade.
Reunião familiar em Se a Rua Beale Falasse
Quando Barry Jenkins reúne as duas famílias de Se a Rua Beale Falasse para um jantar onde Tish (KiKi Layne) revelará uma importante notícia, as melhores características do longa vêm à tona, começando pela forma crítica com que olha para estereótipos e indo até a leitura sensível que faz do verdadeiro significado da palavra família.
Charlie e a carta de Nicole em História de Um Casamento
A cena de discussão entre os dois protagonistas já é famosa, mas prefiro ficar com a sequência em que Charlie (Adam Driver) encontra a carta que Nicole (Scarlett Johansson) não leu na sessão de terapia frequentada pelos dois. A interpretação de Driver é maravilhosa, e o momento, dividido entre a melancolia e o afeto, compreende que nem todo término de relação deixa apenas gostos amargos.