“Adoráveis Mulheres”, uma refilmagem capaz de reverenciar e oxigenar o seu material de origem na mesma medida

I believe we have some power over who we love.

Direção: Greta Gerwig

Roteiro: Greta Gerwig, baseado no romance “Little Women”, de Louisa May Alcott

Elenco: Saoirse Ronan, Florence Pugh, Timothée Chalamet, Emma Watson, Eliza Scanlen, Laura Dern, Meryl Streep, Louis Garrel, Chris Cooper, Tracy Letts, Bob Odenkirk, James Norton, Jayne Houdyshell, Maryann Plunkett

Little Women, EUA, 2019, Drama, 135 minutos

Sinopse: As irmãs Jo (Saoirse Ronan), Beth (Eliza Scanlen), Meg (Emma Watson) e Amy (Florence Pugh) amadurecem na virada da adolescência para a vida adulta enquanto os Estados Unidos atravessam a Guerra Civil. Com personalidades completamente diferentes, elas enfrentam os desafios de crescer unidas pelo amor que nutrem umas pelas outras. (Adoro Cinema)

Há duas razões plausíveis para uma obra querida por gerações ser revisitada de tempos em tempos. Em primeiro lugar, gosto de pensar que há o fator da reverência: quando bem feita, uma nova adaptação pode homenagear determinada história com todo o respeito e o refinamento merecidos, mesmo sem modificar uma única vírgula do material original. Afinal, é um prazer reencontrar queridos personagens se eles renascem com certo encanto (o imperdoável é ficar entre as fronteiras da indiferença e do desastre). A segunda razão vem da necessidade de atualização, quando um diretor ou uma diretora busca, na raiz de uma história clássica, motivos para interpretá-la a partir da vivência de novas gerações.

Escrito em 1868 pela autora estadunidense Louisa May Alcott, o romance Mulherzinhas já foi adaptado para o cinema, para o teatro e para a TV. A versão mais célebre, talvez, seja a cinematográfica de 1994, que reuniu nomes como Winona Ryder, Susan Sarandon, Kirsten Dunst, Claire Danes, Christian Bale e Gabriel Byrne. Era simpática, mas não marcante. Pois agora chegamos a uma versão de elenco igualmente estelar e comandada por uma cineasta que, recém saída de indicações ao Oscar de melhor roteiro e direção por Lady Bird: A Hora de Voar, adapta o material de Louisa May Alcott com reverência e atualizações pontuais para justificar a releitura.

“Eu passei por muitas dificuldades, por isso escrevo histórias felizes”. Abrindo Adoráveis Mulheres com essa frase da própria Louisa, Greta Gerwig já dá um pequeno spoiler de como será o seu filme: luminoso, espirituoso e afetuoso, ainda que, no caminho, as protagonistas enfrentem desamores, perdas e frustrações. Melhor diretora aqui do que em Lady Bird, Gerwig compreende o quanto o carinho presente na obra da escritora é essencial para o diálogo com o espectador, e o amplia em todas as frentes, como no gracioso trabalho de elenco, nos delicados figurinos de Jacqueline Durran e na encantadora trilha sonora de Alexandre Desplat.

Com drama, bom humor e romance, Adoráveis Mulheres conta, claro, uma história muito feminina, a partir de um ambiente familiar onde é fácil nutrir simpatia e torcida por cada uma das personagens, todas com seus próprios sonhos e objetivos, mesmo quando umas são melhor trabalhadas do que outras (Emma Watson, que já costuma ser uma atriz limitada, não tem muito o que fazer ao dar vida para a filha mais desinteressante). Em papeis menores, há espaço, por exemplo, para que Laura Dern, com sua ternura habitual, traga todo o calor materno tão necessário ao papel da matriarca ou para que Meryl Streep, em suas pequenas aparições como alívio cômico, represente a divertida tia rica que optou por não se casar e que tenta planejar um destino semelhante para as sobrinhas.

Enquanto isso, o coração mais pulsante de Adoráveis Mulheres fica com o trio Saoirse Ronan, Florence Pugh e Timothée Chalamet. A primeira, em outro desempenho que comprova as razões de ser considerada o nome mais versátil e interessante de sua geração, conduz o papel da independente e inteligente Jo com múltiplas dimensões, principalmente quando ela se parece mais com as sentimentais irmãs do que está disposta a admitir. Já Pugh, que há pouco esteve em Midsommar, segue com grande presença, explorando as oscilações de uma jovem apaixonada por um garoto que, na verdade, deseja a sua irmã. E, por fim, Chalamet dá uma arejada nos tiques frequentemente repetidos em filmes como Um Dia de Chuva em Nova York para criar um Laurie carismático, espontâneo e com excelente química tanto com Ronan quanto com Pugh.

Na novela radiante e sentimental que é Adoráveis Mulheres, Gerwig, também autora do roteiro, busca, enfim, fazer os comentários capazes de conferir o sentimento de atualização ao enredo. Dessa vez, o enredo da protagonista Jo ganha discussões pertinentes para dias de hoje, como a própria questão mercadológica na criação de uma história, responsável por um dos melhores momentos do filme: por que todas as mulheres precisam casar no final de uma trama, seja ela literária ou cinematográfica, para que o público saia satisfeito? Vale a pena bater pé para quebrar estereótipos ou é justo se vender desde que a um bom preço e mediante a exigências? E, na vida, Gerwig segue questionando sob a luz dos nossos tempos: o que acontece com aqueles destinados a viver sem um grande amor? Somente a paixão dá sentido à existência, inclusive quando todo o resto está no seu devido lugar? É mais importante amar ou a sensação de ser amado? 

Algumas dessas questões já estavam presentes nas outras adaptações, mas Gerwig, agora ciente do seu lugar de fala em uma época muito mais aberta a reflexões do gênero, pincela cada uma delas até de forma bastante direta. A vontade de levantar bandeiras eventualmente corta um pouco a sutileza do filme a cena envolvendo um lacrimoso desabafo de Jo com a mãe sobre aquilo a sociedade espera das mulheres soa um tanto artificial, como um discurso pronto , o que não diminui as boas intenções que, na maior parte de Adoráveis Mulheres, funcionam tão bem ao lado de outros singelos e importantes detalhes, como o fato de todas as personagens terem alguma vocação artística ou aspiração profissional, escapando do mero ofício de belas, recatadas e do lar.

Ao diminuir o melodrama no sentido de não se ater tanto a pesos dramáticos ou problemas familiares (e tratá-los, vejam só, como amadurecimento e aprendizado!), Adoráveis Mulheres também tem, em comparação com o longa de 1994, uma escolha narrativa diferenciada, abandonando a estrutura linear para usar a ideia de ir e vir no tempo. E a montagem de Nick Houy, que colaborou com Greta em Lady Bird, trabalha a temporalidade sem parecer um artifício dramático para fazer revelações ou introduzir alguma explicação. Sempre que Adoráveis Mulheres salta no tempo, a atmosfera parece ganhar um novo cunho afetivo. São detalhes muito simples e que, assim como aconteceu em Lady Bird, podem ser recebidos com descaso justamente por conta disso (que injustiça!). Prevendo essa equivocada percepção, de repente me flagro com a necessidade de defender Greta mais uma vez da seguinte forma, reproduzindo a última frase que escrevi sobre o seu filme anterior: “não é todo mundo que encontra a fibra da emoção e da inteligência na simplicidade”.

Um comentário em ““Adoráveis Mulheres”, uma refilmagem capaz de reverenciar e oxigenar o seu material de origem na mesma medida

  1. Boa tarde, Matheus, “Adoráveis Mulheres” é emocionante, mesmo! Só me atrapalhei um pouquinho com os saltos no tempo. Será que a diretora usou os 2 romances de LMA, “Little Women” e “Good Wives”? Só comecei a me orientar quando percebi que o presente apresentava uma fotografia mais fria, puxando para o azul. Quando a ação recuava 7 anos, as imagens eram mais quentes, com tons dourados e mais rosados. Gostei tanto que voltei ao cinema com as 4 filhas e o marido. Todos gostaram muito!

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