Lady Bird: A Hora de Voar

What if this is the best version?

Direção: Greta Gerwig

Roteiro: Greta Gerwig

Elenco: Saoirse Ronan, Laurie Metcalf, Tracy Letts, Lucas Hedges, Timothée Chalamet, Beanie Feldstein, Lois Smith, Stephen Henderson, Odeya Rush, Jordan Rodrigues, Marielle Scott

Lady Bird, EUA, 2017, Drama/Comédia, 94 minutos

Sinopse: Christine McPherson (Saoirse Ronan) está no último ano do ensino médio e o que mais deseja é ir fazer faculdade longe de Sacramento, Califórnia, ideia firmemente rejeitada por sua mãe (Laurie Metcalf). Lady Bird, como a garota de forte personalidade exige ser chamada, não se dá por vencida e leva o plano de ir embora adiante mesmo assim. Enquanto sua hora não chega, no entanto, ela se divide entre as obrigações estudantis no colégio católico, o primeiro namoro, típicos rituais de passagem para a vida adulta e inúmeros desentendimentos com a progenitora. (Adoro Cinema)

Se Greta Gerwig tivesse rodado a primeira versão do roteiro de Lady Bird: A Hora de Voar, a sua estreia como diretora de longas-metragens resultaria em um filme de aproximadamente seis horas, visto que o tratamento inicial do texto que ela própria escreveu ultrapassava a marca de 650 páginas. Por se tratar de uma história autobiográfica, Lady Bird carrega mesmo um detalhado conhecimento da roteirista-agora-diretora sobre o universo de uma menina que, sob o codinome que dá título ao filme, passa a adolescência em Sacramento, nos Estados Unidos, mas deseja sair o quanto antes da cidade e viver sua própria vida. No entanto, é um equívoco dizer que Greta, uma roteirista de mão cheia revelada nos últimos anos em filmes como Frances Ha e Mistress America, faz seu debut na cadeira de direção com um filme simples e fácil. Afinal, uma obra carismática, eficiente e de personalidade como Lady Bird só poderia ganhar vida pelas mãos de uma cineasta talentosa e consciente de que até o (bom) cinema cotidiano, cômico e espirituoso tem as suas sofisticações e desafios.

Uma das maiores conquistas de Greta Gerwig em Lady Bird é ter transformado seu filme inicial de seis horas em uma obra concisa, mas que não deixa de abarcar a infinidade de assuntos inerentes ao universo de uma menina adolescente. Em rápidos 94 minutos, o longa fala sobre amizade, escola, primeiras paixões, virgindade, homossexualidade e, claro, a transição para a vida adulta. E Greta captura todo esse horizonte com tanta maturidade como contadora de histórias que se torna impossível acusar Lady Bird de ser um filme superficial. Parte desse mérito vem da diretora saber que pode sim falar sobre muitas coisas, mas que, devido ao tema e à natureza do projeto, esse é um relato sobre o significado do todo, e não um estudo específico (e praticamente impossível) a respeito de cada situação ou experiência vivenciada pela protagonista. A partir disso, ali está a vida como ela é quando somos adolescentes e queremos crescer a todo custo, como se o que vivêssemos enquanto somos jovens não tivesse lá o seu valor até conquistarmos a tão sonhada independência.

Em meio a um turbilhão natural de vivências adolescentes, Lady Bird escolhe por concentrar o coração de seu relato em dois temas perfeitamente claros. Primeiro, a busca de uma jovem por sua identidade. Essa é uma perspectiva crucial porque poucas vezes na vida somos tão exigidos e confrontados quanto a isso como na adolescência (e o fato de morarmos com os pais, que, por natureza, controlam desde o timing de nossas primeiras experiências até a forma como arrumamos ou não a cama só contribui por essa busca repleta de pedras no caminho). Lady Bird (Saoirse Ronan) quer urgentemente descobrir seu lugar no mundo, e essa é uma descoberta que alguém jovem como ela só poderá fazer por conta própria, sem a insistente pressão de várias pessoas a sua volta. Ao fazer com que a protagonista aprenda com seus próprios erros, viva conquistas tão sonhadas e tome decisões com as convicções que só podem ser sentidas por ela, o filme descortina, com muita graça e espontaneidade, um recorte de identificação universal.

O segundo tema que dá a base para o núcleo dramático de Lady Bird é mais comovente e profundo: a relação entre mãe e filha. Aqui, ambas são mulheres de personalidades marcantes e bem definidas, configuração que causa conflitos diários e argumentações infinitas entre elas. É como se Lady Bird e Marion (Laurie Metcalf) fossem tão transbordantes que nenhum espaço compartilhado entre as duas pudesse dar conta desse convívio. Contudo, Lady Bird é esperto o suficiente para não transformar a relação das personagens em um simples cabo de guerra: não faltam sutilezas na direção para construir essa dinâmica que também é cercada de carinho, admiração e respeito, mas que, pela inabilidade das duas de estabelecer um diálogo mais íntimo, acaba sempre reprimida (uma prova desse contraste é quando, ao escolher um vestido em uma loja, Lady Bird briga com a mãe para, segundos depois, compartilhar com ela o entusiasmo por uma linda peça encontrada à venda).

Saoirse Ronan, possivelmente a atriz mais versátil de sua geração, cria essa personagem crível e singular que mais uma vez atesta a sua capacidade de entrar em qualquer tipo de papel: Lady Bird, a personagem, em momento algum reprisa qualquer resquício da complexa Briony Tallis de Desejo e Reparação ou da doce e encantadora Ellis de Brooklin, considerando suas outras indicações ao Oscar. Sem transformar a protagonista em uma repetitiva adolescente rebelde, Ronan encontra o tom certeiro para uma menina que, aos poucos, percebe o quanto está mudando. De maneira complementar, Laurie Metcalf, atriz que vem de uma recente trajetória de glória na TV e no cinema (Tony em 2017 por A Doll’s House: Part 2 e indicação tripla ao Emmy em 2016 por Getting OnThe Big Bang TheoryHorace and Pete) é maravilhosa e comovente como uma rígida matriarca que, lá no fundo, utiliza a repressão para camuflar o fato de que não consegue comunicar à própria filha o imenso afeto que nutre por ela. A dinâmica entre as duas é a força motriz de Lady Bird, que destila sabedoria sobre a feminilidade, mas que, surpresa, também pode ser muito bem sobre todos nós. E Greta Gerwig, em sua estreia bastante esperta na direção, sabe como chegar emocionalmente a esse ponto, provando que não é todo mundo que encontra a fibra da emoção e da inteligência na simplicidade.

3 comentários em “Lady Bird: A Hora de Voar

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  2. Acho que é o filme dessa temporada do Oscar 2018 que estou mais ansiosa para conferir. Espero gostar tanto quanto você!

    • Kamila, eu acho um filme muito humano e delicado, além de repleto de méritos no roteiro, que é muito mais esperto e sofisticado do que as pessoas costumam julgar! Beijo!

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