
Personagem marcante na carreira de Jude Law, Lenny Belardo é um dos grandes méritos de The Young Pope, série criada e dirigida pelo italiano Paolo Sorentino.
A HBO começa a exibir hoje (15) uma das melhores séries que você verá em 2017. Sem medo que essa afirmação um tanto definitiva se esvaia ao longo do ano, aproveito para ousar um pouco mais: se The Young Pope não faturar uma boa quantidade de prêmios a partir do próximo Emmy é porque teremos outro concorrente de altíssimo nível na disputa ou porque os votantes devem ter enlouquecido de vez. Na primeira temporada desse programa criado e dirigido pelo consagrado diretor italiano Paolo Sorrentino, Jude Law é o papa mais jovem da história do Vaticano, além de ser o primeiro nascido nos Estados Unidos. Tudo ficção, claro, mas com uma proposta menos gratuita em provocações do que pode parecer. Afinal, para The Young Pope, o tempo de questionar a existência de Deus já passou. O que importa hoje – e é isso o que torna a série tão singular tematicamente – é saber as razões que levam tantas pessoas a depender de uma suposta figura “superior” para encontrar algum sentido na vida.
Em comparações genéricas, The Young Pope não deixa de ser uma versão de House of Cards do Vaticano, principalmente em momentos que refletem sobre o poder da igreja e a sua relação com o Estado (a cena em que o papa finalmente se encontra como primeiro ministro da Itália é afiadíssima nesse sentido). Também estão presentes no roteiro toda a imponência e, por que não, o encantamento dos inúmeros rituais católicos, englobados desde os segredos de um conclave à forma como o papa é de fato tratado como Deus. No entanto, Sorrentino, com o desenrolar dos dez episódios, prefere se focar em questões mais complexas. Se a eleição do mais jovem líder da igreja católica dá indícios de que The Young Pope será a celebração da ideia de modernizar o catolicismo, o que vemos é justamente o oposto: mesmo jovem, Lenny Belardo (Jude Law) quer banir os homossexuais da igreja, é contra o aborto, recusa a ideia da eutanásia e ainda considera o sexo uma mera ferramenta de reprodução. Ou seja, as provocações de Sorrentino são mais refinadas. Para ele, juventude não é garantia de inovação e, no caso da igreja, nem deveria ser ao lançar a seguinte questão: sem o conservadorismo, quais seriam, no final das contas, os princípios zelados com tanto fervor pela comunidade católica?

Diane Keaton integra o elenco coadjuvante de alto nível da série, atuando ao lado de atores como James Cromwell, Javier Cámara e Cécile de France.
É no fascínio da figura de Lenny e na dificuldade das pessoas ao seu redor em compreender suas táticas (ele não permite ser visto publicamente nem para as fotos oficiais do Vaticano, por exemplo) que The Young Pope concentra boa parte de sua ação. Trazendo Jude Law de volta à forma em talento e beleza, o seriado tem o grande mérito de ter um protagonista altamente instigante: imprevisível, o novo papa é capaz de ir da assumida arrogância a momentos de plena compaixão e sabedoria sem nunca deixar de entrar no jogo de um Vaticano que também exige talento político. E, por mais que o programa às vezes não saiba lidar com as discrepâncias do protagonista (não são poucos os momentos em que falta organicidade na transição entre os extremos de personalidade de Lenny) e que alguns embasamentos dramáticos sejam rasteiros (o fato de ele ser eternamente atormentado pelo fato dos pais terem lhe abandonado na infância não é tão envolvente quanto o projeto tenta nos convencer), o personagem é maior do que esses eventuais defeitos, seja pelas demais construções do roteiro quanto pelo próprio desempenho de Jude Law, talvez o mais emblemático de toda a sua carreira.
E o que dizer do altíssimo nível de atores coadjuvantes de The Young Pope? A lista é grande e repleta de destaques: Diane Keaton, como a freira que criou o protagonista, é sempre confiante quanto às atitudes de Lenny, mesmo que ele, muitas vezes, lhe dê mil razões para não apoiá-lo; James Cromwell é certeiro na mágoa, mas também na complexidade de um dos poucos homens que enfrenta o novo papa sem qualquer medo; Silvio Orlando muitas vezes rouba a cena como Voiello, um cardel muito mais político do que religioso e que, como Secretário de Estado, precisa controlar as crises que surgem a partir do comportamento de um novo líder católico que não segue protocolos; Javier Cámara comove a partir da delicadeza com que mergulha nas fragilidades de um padre inseguro e alcoolista; e Cécile de France, em um papel consideravelmente menor, capta com perfeição a instantânea esperteza e admiração de uma assessora que de alguma forma compreende as estratégias do protagonista. É realmente um elenco de grande qualidade e devidamente aproveitado por uma história que sabe exatamente o que fazer com os seus personagens.

The Young Pope explora a imponência e os mistérios do Vaticano, mas questiona principalmente a necessidade mundial de acreditar na existência de um ser superior.
Há quem não goste de Sorrentino por considerá-lo um diretor pouco econômico no que se refere ao uso das ferramentas audiovisuais (e, de fato, ele não o é). Em The Young Pope, o italiano faz questão de explorar a imponência de cenários grandiosos, de utilizar muitas alegorias para significar emoções (o canguru que vive solto no Vaticano, Lenny rezando ajoelhado e submerso em uma piscina) e de, como sempre, não poupar no uso de trilha em momentos-chave ou para fazer graça, como a belíssima releitura de Halo, da cantora pop Beyoncé, na voz de Lotte Kestner, ou a pop Sexy and I Know It quando acompanha o protagonista vestindo todos os elementos de seu figurino papal. É uma questão de gosto apreciar ou não tais escolhas, mas é importante perceber que elas se prestam ao tom de sátira e reflexão e quase sempre realmente comovem, divertem ou pelos menos impactam visualmente na minissérie.
Se, na maior parte do tempo, The Young Pope segue um caminho diferente do esperado, por outro lado, também não deixa de discutir temas que são inevitáveis quando o assunto é a igreja católica. Entre eles, a pedofilia e a ideia da fé como mera fuga de pessoas fragilizadas ou com naturezas que, por alguma razão, precisam ser camufladas. Envolvendo dramaticamente, o programa provoca, comove, faz rir e embala tudo com grande apuro estético e sensorial. Uma nova temporada está encomendada e, considerado que o ciclo se encerra com precisão nesse primeiro ano, é inevitável a desconfiança. Mas, tratando-se de Sorrentino e especialmente do que ele entrega em The Young Pope, não vou pensar duas vezes antes de dar um voto de fé.
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Ótima crítica! Muito bem escrita!
Só discordo da importância da trauma do abandono dos pais. Acho que os traumas definem a personalidade das crianças para sempre, basta pensarmos nos abusos sexuais. E ser abandonado por país sem saber motivo? Acredito que entender este trauma e suas consequências é fundamental para entender a série e para que ela tenha sentido e consistência. E talvez o autor pressuponha que tenhamos conhecimento prévio desta importância.