Manchester à Beira-Mar

I can’t beat it.

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Direção: Kenneth Lonergan

Roteiro: Kenneth Lonergan

Elenco: Casey Affleck, Lucas Hedges, Kyle Chandler, Michelle Williams, Matthew Broderick, Tom Kemp,  Gretchen Mol,  Chloe Dixon, C.J. Wilson, Mary Mallen, Anna Baryshnikov, Heather Burns

Manchester by the Sea, EUA, 2016, Drama, 137 minutos

Sinopse: Lee Chandler (Casey Affleck) é forçado a retornar para sua cidade natal com o objetivo de tomar conta de seu sobrinho adolescente após o pai (Kyle Chandler) do rapaz, seu irmão, falecer precocemente. Este retorno ficará ainda mais complicado quando Lee precisar enfrentar as razões que o fizeram ir embora e deixar sua família para trás, anos antes. (Adoro Cinema)

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Como fazer a ideia de um filme pequeno se tornar grande na tela? Há vezes em que uma proposta relativamente simples é ampliada por uma ambientação altamente criativa ou por uma escala maior de produção (caso do recente musical La La Land: Cantando Estações, que poderia facilmente se tornar um romance meramente clichê ou até mesmo irritante). Em outras situações, basta um cineasta talentoso que saiba potencializar o tripé mais básico do cinema (roteiro, direção e elenco) para que a experiência ganhe consistência admirável. Com Kenneth Lonergan em Manchester à Beira-Mar, a situação se enquadra exatamente no segundo caso. A partir de uma trama simplíssima (o homem que, após a morte do irmão, viaja à cidade natal para cuidar do jovem sobrinho desamparado ao mesmo tempo em que enfrenta seus próprios fantasmas), Lonergan faz bonito ao entregar um roteiro de precisão rara, uma direção em pleno controle e um trabalho de elenco à altura de todo o conjunto. Manchester à Beira-Mar rejeita firulas ou ideias mirabolantes para impactar apenas com sua aparente simplicidade, o que lhe confere uma maturidade ímpar.

Considerando o que chamamos informalmente de tripé mais básico do cinema, primeiro é preciso discutir o roteiro. Da comédia (Máfia no Divã) ao drama (Conte Comigo) passando até por filmes de época (Gangues de Nova York), Kenneth Lonergan, no entanto, nunca foi tão refinado como em Manchester à Beira-Mar, onde não deixa de voltar às origens do próprio Conte Comigo, filme que assinou em 2000 conduzindo a ótima Laura Linney em uma singela história familiar sobre uma mulher que precisava lidar com o delicado retorno de seu irmão mais novo. Ao retomar a ideia de extrair dramas a partir de um reencontro envolvendo pessoas do mesmo sangue, Lonergan dessa vez é mais cru e menos sentimental ao narrar a história de Lee Chandler (Casey Affleck), sujeito quieto e visivelmente calejado pela vida que, de repente, se vê na condição de tutor de Patrick (Lucas Hedges), um jovem garoto em plena descoberta sexual e de identidade. No convívio entre os dois, Manchester à Beira-Mar aborda várias jornadas: a de Lee, que parece saber lidar melhor com a perda do irmão do que com a sua nova condição de tutor; a de Patrick, que, distanciado de uma mãe problemática, tenta inconscientemente abstrair a repentina ausência do pai ao se cercar de amigos e interesses amorosos; e, claro, a conjunta desses dois personagens, que agora enfrentam inúmeros reajustes sob o mesmo teto.

Manchester à Beira-Mar engloba dilemas individuais e coletivos sem perder a mão, distribuindo uma generosa cota de tempo e digestão para o drama de cada um dos personagens. Com uma longa metragem (quase 140 minutos), o filme não tem pressa em desenvolver mesmo registros supostamente corriqueiros. Isso porque tudo está ali para comunicar, como a visível infelicidade de Lee, perceptível em uma simples montagem que acompanha seus dias lidando com clientes insatisfeitos no trabalho, ou o jeito torto de Patrick acobertar emoções que explode em um pequeno acidente doméstico na cozinha. Outro aspecto que torna o roteiro incrivelmente preciso é a inteligente introdução de flashbacks e personagens coadjuvantes na trama. A comprovação máxima desse elogio é o momento em que Manchester à Beira-Mar descortina uma perturbadora tragédia do passado do protagonista. Sóbrio, o relato surge organicamente: enquanto boa parte dos diretores não resistiria em guardá-lo como uma surpreendente revelação para os minutos finais de projeção, Lonergan o insere muito antes, percebendo que ele é prioritariamente um necessário complemento para o entendimento do espectador em relação ao protagonista.

Segundo, nossa discussão chega à direção. Se a quantidade de filmes dirigidos poderia acusar uma certa inexperiência de Kenneth Lonergan (excetuando o bem sucedido Conte Comigo, houve apenas o pequeno e quase ignorado Margaret, levando em conta seus 16 anos como diretor até aqui), Manchester à Beira-Mar surpreende ao se apresentar como, disparada, a direção mais madura do nova-iorquino. Ainda assim, não deixa de causar estranheza um filme como esse se destacar tanto em uma temporada de premiações, já que é raro obras menores e de dramas “comuns” (entre aspas porque nenhum drama é comum, especialmente quando bem contado) receberem algum tipo de reconhecimento. E o estilo escolhido para conduzir Manchester à Beira-Mar amplia um pouco esse estranhamento. Isso porque a direção crua não força absolutamente nada da história, acreditando que a força individual dela é de certa forma suficiente para seu impacto. O maior mérito da direção é justamente o inverso do que normalmente recebe distinções: ao invés de sublinhar o que não é necessário com qualquer artifício (nem mesmo os flashbacks são concebidos com diferenciações estéticas) ou de intensificar a força de cenas que já são dramáticas por si só, Lonergan toma como trabalho principal delimitar fronteiras em todas as frentes – e, além de acertar na escolha, consegue fazê-la sem jamais tirar toda a densidade tão característica de Manchester à Beira-Mar.

Terceiro, por último e não menos importante, vem o elenco. São duas as figuras centrais do filme, e os atores escolhidos para interpretá-las são excelentes. Ao considerar Casey Affleck surpreendente aqui, meio mundo deve ter esquecido o quão bom ele já era em O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford. Porém, isso em nada diminui a força de sua atuação, que, assim como todo filme, é calcada na economia mesmo quando Affleck é colocado a arranjar brigas em bares. Sua fragilidade é tocante na construção de um personagem que deixou de ter qualquer aptidão social e que sabota até mesmo as chances de retomar algum contato verdadeiramente humano na vida. Em contraste, o jovem Lucas Hedges, que participou de filmes como Refém da PaixãoO Grande Hotel BudapesteMoonrise Kingdom com pequenas pontas, tem um papel mais sonoro – e com toda razão, pois, apesar de interiorizar sentimentos em relação a morte do pai, o garoto tenta se ajustar em uma banda com os amigos, administrar duas namoradas e conciliar suas vontades com as escolhas soberanas de seu novo tutor. Tanto Affleck quanto Hedges se equiparam ao filme, carimbando, também no plano da interpretação, a ideia de que Manchester à Beira-Mar, um projeto pequeno em tese, é mesmo grande na prática.

2 comentários em “Manchester à Beira-Mar

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