Cinema e Argumento

43º Festival de Cinema de Gramado #10: “Um Homem Só”, de Cláudia Jouvin

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Mariana Ximenes e uma beleza sui generis: tanto ela quanto Vladimir Brichta se saem muito bem na surpresa que é Um Homem Só.

Um Homem Só representa um tipo de cinema que o Brasil ainda não aprendeu a fazer – ou pelo menos que ainda não explorou como deveria. É um cinema que os argentinos dominam com notável proeza e que nos causa tanta inveja: aquele que consegue ser popular e simples mas ao mesmo tempo criativo e inteligente. Por isso, não dê bola para o selo Globo Filmes (que vem cada vez mais se redefinindo para o bem), pois Um Homem Só, além da premissa diferenciada por si só, apresenta uma execução cuidadosa que nunca deixa de dialogar com todos os públicos – algo que, ao contrário do que a crítica muitas vezes torce o nariz, é sim algo muito positivo. 

Estreia da roteirista Cláudia Jouvin na direção de longas, Um Homem Só não tem um título muito atraente (é o nome que leva o livro que deu origem a Direito de Amar, de Tom Ford, e que ainda lembra demais outro filme estrelado recentemente por Vladimir Brichta: Muitos Homens Num Só), mas merece ser descoberto por ser muito mais do que a vitória de uma roteirista do circuito cômico televisivo em seriados como A Diarista e A Grande Família. Jouvin realmente se desvencilhou de qualquer amarra comercial ou resquícios destes programas, realizando uma produção que se utiliza de uma ideia de ficção científica (a possibilidade da clonagem) para falar sobre questões íntimas. Ou seja, Um Homem Só pode até ter um pé no plano futurista, mas é sempre muito humano na abordagem de seus dilemas.

De um jeito ou de outro, todos os personagens são pessoas perdidas. O protagonista Arnaldo (Brichta) se vê infeliz em um casamento fracassado e em um emprego desestimulante, enquanto Josie (Mariana Ximenes) lida com a perda recente da mãe enquanto trabalha com a madrasta no cemitério de animais administrado pela família. É óbvio que os caminhos dos dois se entrelaçarão, e é a partir desse encontro que Um Homem Só começa a falar sobre qual o momento e como realmente devemos abandonar antigos vícios para começar a escrever uma nova história. O melhor é que nada na concepção da história é banal, desde a ideia da clínica de clonagem ao próprio fato de Josie trabalhar em um cemitério de animais. 

Só por suas ideias iniciais Um Homem Só já chama a atenção, mas ainda existe muito a ser percebido, como a cuidadosa direção de arte e a própria escolha dos figurinos (o protagonista começa vestindo roupas certinhas e bem alinhadas para depois, na medida em que se liberta, apostar em camisetas simples e roupas mais despojadas). Tanto os sentimentos quanto os acontecimentos do longa estão refletidos nas escolhas técnicas, o que demonstra uma grande maturidade de Jouvin como realizadora. A escolha de elenco também não poderia ser mais acertada, em especial a de Vladimir Brichta, um ator que vem se tornando cada vez mais prolífero e que mostra novamente grande versatilidade, já que é fácil distinguir – pelo trabalho corporal do ator – a versão original da versão clonada de Arnaldo. Enquanto isso, Ximenes, desta vez ruiva e cheia de sardas, segue a inspiração de Brichta e nunca faz com que sua personagem maluquinha descambe para o caricatural. 

Um Homem Só é uma experiência rápida de rasteiros 88 minutos, mas isso não é motivo para que o roteiro não tenha a sua dose de profundidade. Aliás, é aí que reside um grande feito do filme de Jouvin: ser diferente e educar uma grande plateia para algo mais refinado, encontrando um meio termo entre o acessível e o sofisticado. Às vezes o texto derrapa em diálogos de frases prontas, e a estrutura tem quase um problema quando se encaminha para o final (ao invés de continuar esmiuçando dramas, inverte todo o foco para um suspense que toma mais tempo do filme do que deveria), mas a boa notícia é que Um Homem Só nunca é previsível. Tomara que encontre seu lugar ao sol aqui no Brasil, pois, se chegasse às nossas salas com um selo argentino e Ricardo Darín no lugar de Vladimir Brichta, certamente seria devidamente abraçado. Vamos ser mais justos com as nossas conquistas?

43º Festival de Cinema de Gramado #9: “O Outro Lado do Paraíso”, de André Ristum

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O Outro Lado do Paraíso mostra a construção de Brasília e a ditadura brasileira pelos olhos de um garoto. A ideia é boa, mas o filme de André Ristum frequentemente confunde delicadeza com falta de conflitos.

Cercado de boas intenções, O Outro Lado do Paraíso se enquadra na categoria dos filmes “certinhos” demais para deixar qualquer impressão marcante. Ao narrar a construção de Brasília e o impacto do golpe militar pelos olhos do jovem Nando (Davi Galdeano), de 12 anos, o longa de André Ristum opta por seguir o caminho da inocência, seja no tom quase ingênuo empregado ao cotidiano do garoto com a escola, a primeira namorada e os pais, à própria estrutura, que, linear e didática, intensifica a pureza da história com uma narrativa de frases bonitas e apoiada em memórias. Em muitos casos, optar pela inocência para falar de períodos conturbados como a ditadura brasileira é uma grande jogada (Cao Hamburger esbanjou delicadeza em O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias), mas, no caso de O Outro Lado do Paraíso, a experiência tem simpatia demais e consistência de menos.

Com experiência em cinema na Itália e nos Estados Unidos, o diretor André Ristum, responsável por filmes como Meu País, tem história para contar: em 1995, foi assistente de direção de ninguém menos que Bernardo Bertolucci em Beleza Roubada. Em termos técnicos, fica a certeza de que Ristum realmente aprendeu lá fora, pois O Outro Lado do Paraíso tem elementos irrepreensíveis, como a calorosa fotografia de Hélcio “Alemão” Nagamine, e uma equipe que traz, inclusive, uma participação de Milton Nascimento na trilha sonora. A direção de arte de Beto Grimaldi é outro aspecto importante, sendo impecável ao reconstituir os primórdios de Brasília e a própria vida bucólica do interior de Minas Gerais nos anos 1960. Ou seja, conceitualmente falando, o longa é muito bem resolvido em sua técnica.

O Outro Lado do Paraíso tem coração de sobra, e é compreensível a decisão de Ristum de falar sobre a ditadura de forma mais disfarçada e delicada. Só que a vida do garoto Nando, mesmo que pincelada com interessantes detalhes da vida brasileira daquela época, não sustenta o filme como um todo. Assim, a lembrança que fica da história é de algo repetitivo e sem assunto, onde nem a noite que mudaria para sempre a vida do pequeno garoto surge de forma impactante. Além de tudo, percebam os clichês: a garotinha a frente do seu tempo que muda a vida do jovem protagonista, o romance rejeitado pela família entre a mocinha do clã e um militar, a mãe quase figurante que não tem personalidade frente ao marido, e assim por diante. Não é que O Outro Lado do Paraíso seja mal conduzido, mas termina didático demais e dificilmente desperta maiores emoções. E a indiferença é o pior mal que pode acometer um filme.

43º Festival de Cinema de Gramado #8: noite de Marília Pêra e “Ausência”

43º Festival de Cinema de Gramado – Marília Pêra recebe o troféu Oscarito dos filhos: Ricardo Graça Mello, Esperança Motta e Nina Morena. Foto:Cleiton Thiele/Agência Pressphoto – www.edisonvara.com.br

Homenagem secreta: Marília Pêra recebeu o troféu Oscarito das mãos dos três filhos, que estavam em Gramado sem que a mãe soubesse. Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto

Só tinha visto tamanha comoção no Festival de Cinema de Gramado, pelo menos nos últimos cinco anos, quando a lenda Fernanda Montenegro foi homenageada em 2011. Não à toa, o sentimento se repetiu com uma atriz de igual calibre agora em 2015: Marília Pêra. O próprio curador Rubens Ewald Filho revelou que não se cercava de tantas expectativas desde quando tinha entrevistado Elizabeth Taylor há muitos anos atrás. E a atriz fez jus às expectativas nesta terça-feira (11) quando desfilou pelo Tapete Vermelho e entrou no Palácio dos Festivais para receber o troféu Oscarito, destinado a grandes atores do cinema brasileiro. Foi a 25ª edição do prêmio, que, possivelmente, não poderia ter nome mais à altura para marcar a simbólica entrega.

Elegantíssima, Marília Pêra é uma “diva”, fazendo coro à definição repetida incansavelmente por público e crítica durante toda a sua passagem, seja nas telas ou fora dela. Do figurino impecável aos próprios gestos ao posar para as fotos, Marília, uma entertainer nata (ela canta, dança, dirige e atua), foi atenciosa e nada distante de quem clamava por sua atenção. A passagem dela por Gramado é para ficar na história do evento, até porque foi responsável pelo momento mais emocionante até aqui: Marília recebeu, emocionada, o troféu das mãos de seus três filhos, Nina, Esperança e Ricardo. Detalhe: a atriz não sabia que o trio viria à cidade para entregar a distinção.

43º Festival de Cinema de Gramado – Equipe do filme "Ausência", no tapete vermelho. Foto: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto – www.edisonvara.com.br

Sem o diretor Chico Teixeira, que se recupera de um tratamento de câncer, elenco e produção de Ausência apresentaram o filme em Gramado. Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto

Somos todos ausentes

É desolador o retrato feito pelo diretor Chico Teixeira em Ausência, o melhor longa até agora da mostra competitiva brasileira. O diretor não veio à Gramado por motivos de saúde (atualmente ele luta contra um câncer e enviou um vídeo ao Festival lamentando sua falta no evento), mas Teixeira pode ficar tranquilo: seu trabalho é, desde já, um forte candidato ao Kikito nas categorias principais. A experiência não é necessariamente fácil, mas o diretor conseguiu achar um perfeito ponto de equilíbrio entre o subjetivo e o erudito, acertando principalmente no ponto que afundou o Introdução à Música do Sangue no início do Festival: os silêncios, que aqui sim comunicam universos.

O título dá a impressão de resumir simploriamente a proposta da história, cujo relato se desenvolve a partir de um jovem de 15 anos que, ao ser abandonado pelo pai, precisa ser adulto antes do esperado já que a mãe tem problemas com bebida e o irmão é pequeno demais para compreender tudo o que acontece na disfuncional família. Entretanto, o ausência do título se refere a tudo que envolve a vida de Serginho (Matheus Fagundes, em uma performance reveladora). Este é um menino que não possui absolutamente nada, até porque tudo na vida lhe é negado, seja dinheiro, proteção materna, sexualidade bem definida e, claro, o suporte da figura de um pai. Ele é abandonado na vida em todos os sentidos e esse seu vazio torna Ausência triste e muitas vezes angustiante.

Chico Teixeira é artesanal ao construir as delicadezas cotidianas desse “não-mais menino, ainda-não homem”, preocupando-se em não estereotipar qualquer um dos personagens. A mãe alcoolista e desestruturada vivida por Gilda Nomacce, por exemplo, tinha tudo para cair na caricatura, mas a direção segura e o consistente desempenho da atriz tornam sua personagem passível de nossa compaixão tamanha a veracidade. O professor vivido por Irandhir Santos também é outro personagem que quase descamba para o clichê em determinado ponto (quando o protagonista lhe faz uma visita surpresa), mas novamente Teixeira tem delicadeza de sobra para controlar seu filme – e, assim como em toda a experiência, não com formalidades ou disciplina excessiva, e sim com um coração preocupado em mergulhar fundo em nós mesmos. Uma bela experiência.

43º Festival de Cinema de Gramado #7: “O Último Cine Drive-In”, de Iberê Carvalho

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Em seu longa-metragem de estreia, o diretor Iberê Carvalho faz uma homenagem ao cinema em uma história de acerto de contas com o passado. O Último Cine Drive-In chega aos cinemas brasileiros no dia 20 de agosto.

Originalidade não é o que você deve procurar na premissa de O Último Cine Drive-In. É o afeto que move o primeiro longa do curta-metragista brasiliense Iberê Carvalho. Saudado pelo curador Rubens Ewald Filho como o Cinema Paradiso brasileiro, o filme recicla vários elementos que outros projetos mundo afora já abordaram com maior criatividade.  Mas O Último Cine Drive-In esbanja naturalidade e, principalmente, sinceridade, o que faz com que esta se torne sim uma singela homenagem ao cinema, mesmo que, na realidade, ele seja apenas pano de fundo para uma história sobre acerto de contas com o passado.

Marlombrando (Breno Nina) leva a mãe para um importante exame em Brasília. Sozinho e sem a quem recorrer, decide procurar Almeida (Othon Bastos), seu pai ausente que segue administrando o último cine drive-in do Brasil. É em cima deste reencontro que Iberê Carvalho, em parceria com com Zepedro Gollo, desenvolve o roteiro de seu filme. Nada muito original, já que a retomada da discussão de feridas familiares e filmes sobre cinema já vimos aos montes. Porém, Carvalho trata ambos os temas com a maior dignidade possível, esquivando-se de escolhas que 4 em 5 roteiristas fariam, como esmiuçar – nem que fosse em breves diálogos – as razões que fizeram pai e filho se distanciar, por exemplo.

Sempre é importante valorizar sutilezas e O Último Cine Drive-In está repleto delas. Ao invés de tecer longos momentos sobre cinema afim de mostrar como é uma boa homenagem a esta arte, o filme prefere ilustrá-lo discretamente. E o mais importante: sua maior discussão em relação ao tema – o fato de um antigo formato de cinema não existir mais (o drive-in, onde era possível assistir filmes em um estacionamento) – não é panfletada. Sentimos toda a nostalgia por uma época que não existe mais e o carinho de Almeida por seu negócio (e também pelo cinema) está em pequenos detalhes, como quando ele, no hall de um cinema, devolve um óculos 3D bruscamente para um jovem que o deixou cair, simbolizando assim sua aversão às novas tecnologias que de certa forma exterminam a pureza de ir ao cinema.

Por optar pelo silêncio quando outros projetos verbalizariam cada conflito e por fazer uma homenagem sem precisar de grandes alegorias, é provável que O Último Cine Drive-In seja acusado de ser raso ou, então, leve demais. Quem o define assim certamente está na leva dos que não conseguem achar beleza nas entrelinhas, pois o que Iberê Carvalho realizou aqui, apesar de não ser particularmente marcante, se torna especial pelos detalhes. Nesta missão, o elenco tem papel fundamental, e todos o cumprem com louvor, especialmente Othon Bastos, com um papel que lhe dá as devidas chances em uma época em que ele, assim como outros atores veteranos, há tempos não vem recebendo papeis devidamente interessantes no cinema. Othon torna envolvente até mesmo algumas passagens mais forçadas e fechamentos óbvios de alguns conflitos. Um protagonista digno para uma história carinhosa que merecia um ator desse calibre. Precisa mais?

43º Festival de Cinema de Gramado #6: um pouco sobre o primeiro fim de semana

43º Festival de Cinema de Gramado - 08/08/2015. O diretor Daniel Filho recebe o troféu Cidade de Gramado. Foto:Cleiton Thiele/Agência PressPhoto – www.edisonvara.com.br

O ator, diretor, produtor e roteirista Daniel Filho abriu a série de homenagens do 43º Festival de Cinema de Gramado. Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto

As estrelas foram poucas no primeiro fim de semana do 43º Festival de Cinema de Gramado, mas parece que praticamente todos entenderam que elas, apesar de um importante fator para o público sedento por fotos, não são as protagonistas de um festival de cinema. Assim, os dias iniciais programação de Gramado foram sobre… Cinema! E isso é realmente importante, já que o Festival, desde 2012, vem redesenhando sua trajetória após uma forte crise de ideias dentro e fora do Palácio dos Festivais. Que Horas Ela Volta? abriu o evento em grande estilo (este é um filme simplesmente imperdível que merece estar marcado na agenda de todos quando chegar aos cinemas) e o primeiro fim de semana deu sequência às discussões de cinema com um ritmo interessante. As homenagens, por sinal, já começaram a ser entregues. A estreia ficou com o troféu Cidade de Gramado para Daniel Filho.

Há quem torça o nariz para Daniel – e  deve ser quem, assim como eu, é de uma geração que só liga o diretor a comédias populares e obras de gosto duvidoso como Se Eu Fosse VocêPrimo Basílio -, mas basta pesquisar um pouco a carreira do homenageado para ver sua grande contribuição ao cinema brasileiro. Ator, diretor, produtor e roteirista, o carioca tem mais de 40 filmes no currículo e diz que seu sonho é morrer atuando, mas ao mesmo tempo brinca que não é convidado tanto quanto gostaria para representar: “não sei se é porque sou mau ator mesmo ou se porque as pessoas têm medo que eu não aceite”. Mais simpático do que sua fama de inacessível propaga por aí, o homenageado não poupou elogios a Gramado e ainda comentou que o evento é o único que vem à sua cabeça quando pensa em longevos e resistentes festivais de cinema no Brasil.

43º Festival de Cinema de Gramado – Cerimônia de Entrega do Prêmio Assembleia Legislativa de Cinema - Mostra de Curtas Gaúchos – Os premiados da noite. Foto: Igor Pires/Agência Pressphoto – www.edisonvara.com.br

Os primeiros premiados do Festival foram conhecidos no domingo. O Prêmio Assembleia Legislativa elegeu os melhores curtas gaúchos em competição. Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto.

Os vencedores do Prêmio Assembleia Legislativa – Mostra Gaúcha de Curtas

Já no domingo (09) foram conhecidos os primeiros premiados do 43º Festival de Cinema de Gramado. No caso, os melhores filmes do Prêmio Assembleia Legislativa – Mostra Gaúcha de Curtas, que, há 11 anos, celebra as mais recentes sagras do cinema gaúcho de curta-metragem. Como já havíamos comentado, não foi um grande ano para a mostra (assim como a de curtas nacionais até agora e que falaremos posteriormente), mas o júri foi coerente sem se perder no distributivismo medroso. Não há absurdos aqui – e tampouco surpresas, o que refletiu diretamente a média dos filmes apresentados. 

Quem saiu rindo mais do que o Kikito foi Lucas Cassales, diretor de O Corpo, curta que flerta com o cinema fantástico e que conta com a ilustre presença de César Troncoso. Não há como questionar a qualidade técnica e a maturidade da obra, mas, particularmente, as escolhas e o estilo narrativo não vão ao encontro do que necessariamente me envolve em termos de cinema. O contemporâneo Pele de Concreto levou os troféus de melhor montagem e edição de som, enquanto o apenas correto Consertam-se Gaitas levou o prêmio de exibição do grupo RBS para ser exibido regionalmente no canal no próximo domingo (uma escolha previsível, dada à proposta da distinção). A lista completa dos vencedores pode ser conferida aqui

43º Festival de Cinema de Gramado - 08/08/2015 - Equipe do filme "Introdução à Música do Sangue". Foto: Igor Pires/Agência PressPhoto www.edisonvara.com.br

O diretor Luiz Carlos Lacerda apresentou o inédito “Introdução à Música do Sangue” junto ao elenco e equipe.

Luiz Carlos Lacerda adapta Lúcio Cardoso com Introdução à Música do Sangue

Por falta de tempo, fôlego ou interesse, não consegui acompanhar ainda a mostra latina de longas, mas tenho mantido disciplina com os brasileiros. A competição, após a abertura hors concours de Que Horas Ela Volta?, começou com o inédito Introdução à Música do Sangue, longa recebido com maior rejeição do que sua coletiva de imprensa sugeriu. É mesmo uma decepção o retorno de Luiz Carlos Lacerda à serra gaúcha (em 1997 ele ganhou o Kikito de melhor filme por For All – O Trampolim da Vitória), especialmente porque sou um grande admirador de dramas familiares e esse não envolve ao adaptar um argumento do escritor mineiro Lúcio Cardoso.

A escalação de elenco é equivocada. Ney Latorraca, mais do que reconhecido por sua relação com a comédia, é a estrela desse drama como um perturbado pai de família que aos poucos enlouquece por reprimir seus conflitos e desejos. A bela dupla (literalmente) Greta Antoine e Armando Babaioff não têm muito o que fazer além de repetir incansavelmente cenas de sorrisos, limpeza da casa ou passeios por entre árvores. Introdução à Música do Sangue pode até ter lindas imagens (a fotografia de Allison Prodlik, que só utiliza luz natural, é o grande coringa do filme), mas, em suma, é vazio e confunde silêncio excessivo com introspecção.

Falta força nesse retrato de um Brasil bucólico e arcaico que o cinema parece ter esquecido. O roteiro de pouquíssimos diálogos escrito pelo Lacerda, como apontado pelos colegas de imprensa na coletiva, é fraco quando se utiliza de palavras e apenas gravita em torno de temas nunca devidamente aprofundados ou explorados. O diretor defende que nem tudo precisa de explicação, mas para uma obra lenta e quase carente de conflitos, maiores detalhes iluminariam intenções que não ficam tão claras. O clímax de Introdução à Música do Sangue não melhora a impressão que fica – pelo contrário: a cena crucial entre Latorraca e Antoine é prolongada demais e até mesmo constrangedora ao invés de incômoda. É difícil chegar até o fim, mas não pelo fato da obra ser exigente em termos de profundidade ou complexidades – o que é uma pena.

43º Festival de Cinema de Gramado - 09/08/2015 - Equipe do filme "O Fim e Os Meios", na Mostra Competitiva de Longas Brasileiros. Foto: Cleiton Thiele/Agência PressPhoto - www.edisonvara.com.br

Pela quinta vez em Gramado, Murilo Salles apresenta um caso raro na cinematografia brasileira: um filme centrado em política. Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto

A política macro e cotidiana de O Fim e os Meios

O nível melhorou – mas não tanto quanto deveria – com a exibição de O Fim e os Meios no domingo (09). Esta é outra decepção muito particular que tenho no Festival de Cinema de Gramado este ano. Enquanto Introdução à Música do Sangue não é o intenso drama familiar que poderia ser, O Fim e os Meios não é o primeiro grande filme brasileiro sobre política. O curador Rubens Ewald Filho já reivindicou o cenário e aqui faço coro a ele: é impressionante termos uma política tão rica em termos de conflitos e ainda assim não produzirmos obras centradas na temática. Mas temos que admirar a coragem de Murilo Salles, que diz ser mesmo um cineasta político, ao não fazer escolhas simples em seu mais novo filme. É o gênero Murilo Salles, como o próprio reconhece. 

Não foram as discussões propostas pelo cineasta carioca ou muito menos o desenrolar da história que me incomodaram no resultado,  mas sim a artificialidade de toda a condução. Tenho particular aversão à forma como o cinema insiste em retratar o Jornalismo de forma megalomaníaca, com profissionais sempre cheios de ideologia e entusiasmados com a ideia de mudar o mundo em uma importante redação com furos de reportagem. Os diálogos também soam formais demais, trazendo aquela velha sensação de que ninguém fala dessaa mesma maneira na vida real. O Fim e os Meios já é por si só um filme distante e por vezes desafiador, mas tais aspectos não ajudam a história a se aproximar do espectador.

Por outro lado, não dá para passar batida a condução madura de Murilo Salles do delicado tema que é a política e seus bastidores, assim como a forma com que ele ambienta tecnicamente a trama. O uso da trilha é particularmente surpreendente, com uma economia admirável e inserções certeiras (nunca o som de um piano foi tão nervoso no cinema brasileiro recente). A fotografia, que torna o filme bastante escuro, tem tudo a ver com o tema sombrio debatido pelo diretor. Enxergando por este lado, dá para dizer que, clinicamente, O Fim e os Meios é um filme muito bem executado (e ajudado pela boa força trazida pela atriz Cíntia Rosa), mas, assim como no filme de Lacerda, a distância reinou, tornando a experiência para lá de incompleta.