43º Festival de Cinema de Gramado #6: um pouco sobre o primeiro fim de semana

43º Festival de Cinema de Gramado - 08/08/2015. O diretor Daniel Filho recebe o troféu Cidade de Gramado. Foto:Cleiton Thiele/Agência PressPhoto – www.edisonvara.com.br

O ator, diretor, produtor e roteirista Daniel Filho abriu a série de homenagens do 43º Festival de Cinema de Gramado. Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto

As estrelas foram poucas no primeiro fim de semana do 43º Festival de Cinema de Gramado, mas parece que praticamente todos entenderam que elas, apesar de um importante fator para o público sedento por fotos, não são as protagonistas de um festival de cinema. Assim, os dias iniciais programação de Gramado foram sobre… Cinema! E isso é realmente importante, já que o Festival, desde 2012, vem redesenhando sua trajetória após uma forte crise de ideias dentro e fora do Palácio dos Festivais. Que Horas Ela Volta? abriu o evento em grande estilo (este é um filme simplesmente imperdível que merece estar marcado na agenda de todos quando chegar aos cinemas) e o primeiro fim de semana deu sequência às discussões de cinema com um ritmo interessante. As homenagens, por sinal, já começaram a ser entregues. A estreia ficou com o troféu Cidade de Gramado para Daniel Filho.

Há quem torça o nariz para Daniel – e  deve ser quem, assim como eu, é de uma geração que só liga o diretor a comédias populares e obras de gosto duvidoso como Se Eu Fosse VocêPrimo Basílio -, mas basta pesquisar um pouco a carreira do homenageado para ver sua grande contribuição ao cinema brasileiro. Ator, diretor, produtor e roteirista, o carioca tem mais de 40 filmes no currículo e diz que seu sonho é morrer atuando, mas ao mesmo tempo brinca que não é convidado tanto quanto gostaria para representar: “não sei se é porque sou mau ator mesmo ou se porque as pessoas têm medo que eu não aceite”. Mais simpático do que sua fama de inacessível propaga por aí, o homenageado não poupou elogios a Gramado e ainda comentou que o evento é o único que vem à sua cabeça quando pensa em longevos e resistentes festivais de cinema no Brasil.

43º Festival de Cinema de Gramado – Cerimônia de Entrega do Prêmio Assembleia Legislativa de Cinema - Mostra de Curtas Gaúchos – Os premiados da noite. Foto: Igor Pires/Agência Pressphoto – www.edisonvara.com.br

Os primeiros premiados do Festival foram conhecidos no domingo. O Prêmio Assembleia Legislativa elegeu os melhores curtas gaúchos em competição. Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto.

Os vencedores do Prêmio Assembleia Legislativa – Mostra Gaúcha de Curtas

Já no domingo (09) foram conhecidos os primeiros premiados do 43º Festival de Cinema de Gramado. No caso, os melhores filmes do Prêmio Assembleia Legislativa – Mostra Gaúcha de Curtas, que, há 11 anos, celebra as mais recentes sagras do cinema gaúcho de curta-metragem. Como já havíamos comentado, não foi um grande ano para a mostra (assim como a de curtas nacionais até agora e que falaremos posteriormente), mas o júri foi coerente sem se perder no distributivismo medroso. Não há absurdos aqui – e tampouco surpresas, o que refletiu diretamente a média dos filmes apresentados. 

Quem saiu rindo mais do que o Kikito foi Lucas Cassales, diretor de O Corpo, curta que flerta com o cinema fantástico e que conta com a ilustre presença de César Troncoso. Não há como questionar a qualidade técnica e a maturidade da obra, mas, particularmente, as escolhas e o estilo narrativo não vão ao encontro do que necessariamente me envolve em termos de cinema. O contemporâneo Pele de Concreto levou os troféus de melhor montagem e edição de som, enquanto o apenas correto Consertam-se Gaitas levou o prêmio de exibição do grupo RBS para ser exibido regionalmente no canal no próximo domingo (uma escolha previsível, dada à proposta da distinção). A lista completa dos vencedores pode ser conferida aqui

43º Festival de Cinema de Gramado - 08/08/2015 - Equipe do filme "Introdução à Música do Sangue". Foto: Igor Pires/Agência PressPhoto www.edisonvara.com.br

O diretor Luiz Carlos Lacerda apresentou o inédito “Introdução à Música do Sangue” junto ao elenco e equipe.

Luiz Carlos Lacerda adapta Lúcio Cardoso com Introdução à Música do Sangue

Por falta de tempo, fôlego ou interesse, não consegui acompanhar ainda a mostra latina de longas, mas tenho mantido disciplina com os brasileiros. A competição, após a abertura hors concours de Que Horas Ela Volta?, começou com o inédito Introdução à Música do Sangue, longa recebido com maior rejeição do que sua coletiva de imprensa sugeriu. É mesmo uma decepção o retorno de Luiz Carlos Lacerda à serra gaúcha (em 1997 ele ganhou o Kikito de melhor filme por For All – O Trampolim da Vitória), especialmente porque sou um grande admirador de dramas familiares e esse não envolve ao adaptar um argumento do escritor mineiro Lúcio Cardoso.

A escalação de elenco é equivocada. Ney Latorraca, mais do que reconhecido por sua relação com a comédia, é a estrela desse drama como um perturbado pai de família que aos poucos enlouquece por reprimir seus conflitos e desejos. A bela dupla (literalmente) Greta Antoine e Armando Babaioff não têm muito o que fazer além de repetir incansavelmente cenas de sorrisos, limpeza da casa ou passeios por entre árvores. Introdução à Música do Sangue pode até ter lindas imagens (a fotografia de Allison Prodlik, que só utiliza luz natural, é o grande coringa do filme), mas, em suma, é vazio e confunde silêncio excessivo com introspecção.

Falta força nesse retrato de um Brasil bucólico e arcaico que o cinema parece ter esquecido. O roteiro de pouquíssimos diálogos escrito pelo Lacerda, como apontado pelos colegas de imprensa na coletiva, é fraco quando se utiliza de palavras e apenas gravita em torno de temas nunca devidamente aprofundados ou explorados. O diretor defende que nem tudo precisa de explicação, mas para uma obra lenta e quase carente de conflitos, maiores detalhes iluminariam intenções que não ficam tão claras. O clímax de Introdução à Música do Sangue não melhora a impressão que fica – pelo contrário: a cena crucial entre Latorraca e Antoine é prolongada demais e até mesmo constrangedora ao invés de incômoda. É difícil chegar até o fim, mas não pelo fato da obra ser exigente em termos de profundidade ou complexidades – o que é uma pena.

43º Festival de Cinema de Gramado - 09/08/2015 - Equipe do filme "O Fim e Os Meios", na Mostra Competitiva de Longas Brasileiros. Foto: Cleiton Thiele/Agência PressPhoto - www.edisonvara.com.br

Pela quinta vez em Gramado, Murilo Salles apresenta um caso raro na cinematografia brasileira: um filme centrado em política. Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto

A política macro e cotidiana de O Fim e os Meios

O nível melhorou – mas não tanto quanto deveria – com a exibição de O Fim e os Meios no domingo (09). Esta é outra decepção muito particular que tenho no Festival de Cinema de Gramado este ano. Enquanto Introdução à Música do Sangue não é o intenso drama familiar que poderia ser, O Fim e os Meios não é o primeiro grande filme brasileiro sobre política. O curador Rubens Ewald Filho já reivindicou o cenário e aqui faço coro a ele: é impressionante termos uma política tão rica em termos de conflitos e ainda assim não produzirmos obras centradas na temática. Mas temos que admirar a coragem de Murilo Salles, que diz ser mesmo um cineasta político, ao não fazer escolhas simples em seu mais novo filme. É o gênero Murilo Salles, como o próprio reconhece. 

Não foram as discussões propostas pelo cineasta carioca ou muito menos o desenrolar da história que me incomodaram no resultado,  mas sim a artificialidade de toda a condução. Tenho particular aversão à forma como o cinema insiste em retratar o Jornalismo de forma megalomaníaca, com profissionais sempre cheios de ideologia e entusiasmados com a ideia de mudar o mundo em uma importante redação com furos de reportagem. Os diálogos também soam formais demais, trazendo aquela velha sensação de que ninguém fala dessaa mesma maneira na vida real. O Fim e os Meios já é por si só um filme distante e por vezes desafiador, mas tais aspectos não ajudam a história a se aproximar do espectador.

Por outro lado, não dá para passar batida a condução madura de Murilo Salles do delicado tema que é a política e seus bastidores, assim como a forma com que ele ambienta tecnicamente a trama. O uso da trilha é particularmente surpreendente, com uma economia admirável e inserções certeiras (nunca o som de um piano foi tão nervoso no cinema brasileiro recente). A fotografia, que torna o filme bastante escuro, tem tudo a ver com o tema sombrio debatido pelo diretor. Enxergando por este lado, dá para dizer que, clinicamente, O Fim e os Meios é um filme muito bem executado (e ajudado pela boa força trazida pela atriz Cíntia Rosa), mas, assim como no filme de Lacerda, a distância reinou, tornando a experiência para lá de incompleta.

Um comentário em “43º Festival de Cinema de Gramado #6: um pouco sobre o primeiro fim de semana

  1. Num evento como o Festival de Cinema de Gramado sempre acontece coisas interessantes e seu post conseguiu resumir isso muito bem. Da minha parte, espero que “Que Horas Ela Volta?” tenha uma boa distribuição nos cinemas brasileiros, pois quero muito conferir esse filme.

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