
Mariana Ximenes e uma beleza sui generis: tanto ela quanto Vladimir Brichta se saem muito bem na surpresa que é Um Homem Só.
Um Homem Só representa um tipo de cinema que o Brasil ainda não aprendeu a fazer – ou pelo menos que ainda não explorou como deveria. É um cinema que os argentinos dominam com notável proeza e que nos causa tanta inveja: aquele que consegue ser popular e simples mas ao mesmo tempo criativo e inteligente. Por isso, não dê bola para o selo Globo Filmes (que vem cada vez mais se redefinindo para o bem), pois Um Homem Só, além da premissa diferenciada por si só, apresenta uma execução cuidadosa que nunca deixa de dialogar com todos os públicos – algo que, ao contrário do que a crítica muitas vezes torce o nariz, é sim algo muito positivo.
Estreia da roteirista Cláudia Jouvin na direção de longas, Um Homem Só não tem um título muito atraente (é o nome que leva o livro que deu origem a Direito de Amar, de Tom Ford, e que ainda lembra demais outro filme estrelado recentemente por Vladimir Brichta: Muitos Homens Num Só), mas merece ser descoberto por ser muito mais do que a vitória de uma roteirista do circuito cômico televisivo em seriados como A Diarista e A Grande Família. Jouvin realmente se desvencilhou de qualquer amarra comercial ou resquícios destes programas, realizando uma produção que se utiliza de uma ideia de ficção científica (a possibilidade da clonagem) para falar sobre questões íntimas. Ou seja, Um Homem Só pode até ter um pé no plano futurista, mas é sempre muito humano na abordagem de seus dilemas.
De um jeito ou de outro, todos os personagens são pessoas perdidas. O protagonista Arnaldo (Brichta) se vê infeliz em um casamento fracassado e em um emprego desestimulante, enquanto Josie (Mariana Ximenes) lida com a perda recente da mãe enquanto trabalha com a madrasta no cemitério de animais administrado pela família. É óbvio que os caminhos dos dois se entrelaçarão, e é a partir desse encontro que Um Homem Só começa a falar sobre qual o momento e como realmente devemos abandonar antigos vícios para começar a escrever uma nova história. O melhor é que nada na concepção da história é banal, desde a ideia da clínica de clonagem ao próprio fato de Josie trabalhar em um cemitério de animais.
Só por suas ideias iniciais Um Homem Só já chama a atenção, mas ainda existe muito a ser percebido, como a cuidadosa direção de arte e a própria escolha dos figurinos (o protagonista começa vestindo roupas certinhas e bem alinhadas para depois, na medida em que se liberta, apostar em camisetas simples e roupas mais despojadas). Tanto os sentimentos quanto os acontecimentos do longa estão refletidos nas escolhas técnicas, o que demonstra uma grande maturidade de Jouvin como realizadora. A escolha de elenco também não poderia ser mais acertada, em especial a de Vladimir Brichta, um ator que vem se tornando cada vez mais prolífero e que mostra novamente grande versatilidade, já que é fácil distinguir – pelo trabalho corporal do ator – a versão original da versão clonada de Arnaldo. Enquanto isso, Ximenes, desta vez ruiva e cheia de sardas, segue a inspiração de Brichta e nunca faz com que sua personagem maluquinha descambe para o caricatural.
Um Homem Só é uma experiência rápida de rasteiros 88 minutos, mas isso não é motivo para que o roteiro não tenha a sua dose de profundidade. Aliás, é aí que reside um grande feito do filme de Jouvin: ser diferente e educar uma grande plateia para algo mais refinado, encontrando um meio termo entre o acessível e o sofisticado. Às vezes o texto derrapa em diálogos de frases prontas, e a estrutura tem quase um problema quando se encaminha para o final (ao invés de continuar esmiuçando dramas, inverte todo o foco para um suspense que toma mais tempo do filme do que deveria), mas a boa notícia é que Um Homem Só nunca é previsível. Tomara que encontre seu lugar ao sol aqui no Brasil, pois, se chegasse às nossas salas com um selo argentino e Ricardo Darín no lugar de Vladimir Brichta, certamente seria devidamente abraçado. Vamos ser mais justos com as nossas conquistas?