
Homenagem secreta: Marília Pêra recebeu o troféu Oscarito das mãos dos três filhos, que estavam em Gramado sem que a mãe soubesse. Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto
Só tinha visto tamanha comoção no Festival de Cinema de Gramado, pelo menos nos últimos cinco anos, quando a lenda Fernanda Montenegro foi homenageada em 2011. Não à toa, o sentimento se repetiu com uma atriz de igual calibre agora em 2015: Marília Pêra. O próprio curador Rubens Ewald Filho revelou que não se cercava de tantas expectativas desde quando tinha entrevistado Elizabeth Taylor há muitos anos atrás. E a atriz fez jus às expectativas nesta terça-feira (11) quando desfilou pelo Tapete Vermelho e entrou no Palácio dos Festivais para receber o troféu Oscarito, destinado a grandes atores do cinema brasileiro. Foi a 25ª edição do prêmio, que, possivelmente, não poderia ter nome mais à altura para marcar a simbólica entrega.
Elegantíssima, Marília Pêra é uma “diva”, fazendo coro à definição repetida incansavelmente por público e crítica durante toda a sua passagem, seja nas telas ou fora dela. Do figurino impecável aos próprios gestos ao posar para as fotos, Marília, uma entertainer nata (ela canta, dança, dirige e atua), foi atenciosa e nada distante de quem clamava por sua atenção. A passagem dela por Gramado é para ficar na história do evento, até porque foi responsável pelo momento mais emocionante até aqui: Marília recebeu, emocionada, o troféu das mãos de seus três filhos, Nina, Esperança e Ricardo. Detalhe: a atriz não sabia que o trio viria à cidade para entregar a distinção.

Sem o diretor Chico Teixeira, que se recupera de um tratamento de câncer, elenco e produção de Ausência apresentaram o filme em Gramado. Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto
Somos todos ausentes
É desolador o retrato feito pelo diretor Chico Teixeira em Ausência, o melhor longa até agora da mostra competitiva brasileira. O diretor não veio à Gramado por motivos de saúde (atualmente ele luta contra um câncer e enviou um vídeo ao Festival lamentando sua falta no evento), mas Teixeira pode ficar tranquilo: seu trabalho é, desde já, um forte candidato ao Kikito nas categorias principais. A experiência não é necessariamente fácil, mas o diretor conseguiu achar um perfeito ponto de equilíbrio entre o subjetivo e o erudito, acertando principalmente no ponto que afundou o Introdução à Música do Sangue no início do Festival: os silêncios, que aqui sim comunicam universos.
O título dá a impressão de resumir simploriamente a proposta da história, cujo relato se desenvolve a partir de um jovem de 15 anos que, ao ser abandonado pelo pai, precisa ser adulto antes do esperado já que a mãe tem problemas com bebida e o irmão é pequeno demais para compreender tudo o que acontece na disfuncional família. Entretanto, o ausência do título se refere a tudo que envolve a vida de Serginho (Matheus Fagundes, em uma performance reveladora). Este é um menino que não possui absolutamente nada, até porque tudo na vida lhe é negado, seja dinheiro, proteção materna, sexualidade bem definida e, claro, o suporte da figura de um pai. Ele é abandonado na vida em todos os sentidos e esse seu vazio torna Ausência triste e muitas vezes angustiante.
Chico Teixeira é artesanal ao construir as delicadezas cotidianas desse “não-mais menino, ainda-não homem”, preocupando-se em não estereotipar qualquer um dos personagens. A mãe alcoolista e desestruturada vivida por Gilda Nomacce, por exemplo, tinha tudo para cair na caricatura, mas a direção segura e o consistente desempenho da atriz tornam sua personagem passível de nossa compaixão tamanha a veracidade. O professor vivido por Irandhir Santos também é outro personagem que quase descamba para o clichê em determinado ponto (quando o protagonista lhe faz uma visita surpresa), mas novamente Teixeira tem delicadeza de sobra para controlar seu filme – e, assim como em toda a experiência, não com formalidades ou disciplina excessiva, e sim com um coração preocupado em mergulhar fundo em nós mesmos. Uma bela experiência.