Stephen Daldry dirigirá “Wicked” (e, por enquanto, os musicais agradecem)

Cena do musical Billy Elliot, dirigido por Stephen Daldry com músicas de Elton John nos palcos londrinos. A experiência do diretor dá credibilidade para a adaptação de Wicked para o cinema.
Eis que ontem, depois de muito, mas muito tempo, o gênero musical recebeu a sua notícia mais empolgante em sabe-se lá quantos anos: o britânico Stephen Daldry finalmente foi oficializado como o diretor da adaptação cinematográfica de Wicked, o clássico musical da Broadway que estreou em 2003 fazendo uma releitura do igualmente emblemático O Mágico de Oz. A notícia é boa porque Daldry tem currículo: debutou no cinema com o delicadíssimo e inspirador Billy Elliot para depois lançar filmes marcantes como As Horas, uma obra-prima que só se engrandece com o tempo, e outros de bastante repercussão, a exemplo de O Leitor, que finalmente deu o Oscar de melhor atriz para Kate Winslet. Praticamente invicto no Oscar (até com o mediano Tão Forte e Tão Perto ele conseguiu chegar em pelo menos uma das categorias principais do prêmio), Daldry só murchou por completo com Trash: A Esperança Vem do Lixo, o que pode ser reflexo de uma falta de timing que só aumenta as credenciais do diretor para comandar Wicked: durante a produção do filme, ele dava os toques finais à versão musical de seu Billy Elliot para os palcos londrinos.
A notícia é das mais empolgantes porque já faz um bom tempo que o gênero não marca época. Há quem tenha tentado bastante nos últimos anos, mas é bem provável que o último musical que tenha feito a cabeça de gerações seja mesmo Moulin Rouge! – Amor em Vermelho (que, recentemente, completou 15 anos de lançamento) ou, para quem gosta, Chicago, longa de Rob Marshall vencedor do Oscar de melhor filme. Por falar em Marshall – que, aliás, nunca me convenceu nem mesmo com o celebrado musical estrelado por Renée Zellweger, Catherine Zeta-Jones e Richard Gere – sejamos justos: não há cineasta que tenha mais investido no gênero do que ele recentemente. A lástima disso tudo é que os projetos foram todos ladeira abaixo, pois Marshall conseguiu desgraçar o promissor Nine, um filme de elenco monstruoso (Daniel Day-Lewis! Judi Dench! Nicole Kidman! Sophia Loren!) onde apenas Marion Cotillard brilhava e saía ilesa, e aborrecer meio mundo com a perdida miscelânea de personagens de fantasia no pavoroso Caminhos da Floresta.

Não há quem tenha investido mais em musicais nos últimos anos do que o diretor Rob Marshall, mas Marion Cotillard, em Nine, foi o único aspecto memorável de seus trabalhos pós-Chicago.
Houve, em certa época, a febre dos musicais que homenageavam bandas icônicas, como Across the Universe, que cantava Beatles, e Mamma Mia!, que colocava Meryl Streep a pular de macacão na Grécia com os clássicos do ABBA. Ambas produções interessantes e deliciosas com suas particularidades de descontração e tributos, mas comandas por profissionais inexperientes demais no cinema e construídas a partir de canções e não de uma história propriamente dita, o que só aumentava a sensação de que tudo era mais diversão do que propriamente cinema. O gênero quase alçou voo novamente com Dreamgirls – Em Busca de Um Sonho, filme que parecia ter o pacote completo para se tornar um marco: parte técnica irrepreensível, escala considerável de produção, um diretor de gabarito (Bill Condon, de Deuses e Monstros e Kinsey – Vamos Falar Sobre Sexo) e um repertório poderoso. O erro? Selecionar um elenco inexperiente, onde é priorizado o poder vocal (Beyoncé dispensa comentários e Jennifer Hudson ganhou o Oscar por cantar no cinema após ter perdido o American Idol) do que a singularidade da atuação (pouco a pouco descobríamos que Jamie Foxx era um canastrão, e não aquele furacão que nunca deslanchou pós-Ray). O que fica na memória a respeito de Dreamgirls é o coletivo de notas deliciosamente estridentes alcançadas por Beyoncé e especialmente Hudson na cena de And I Am Telling You I’m Not Going. Só que, novamente, faltou cinema e, principalmente, uma narrativa consistente.

Hairspray – Em Busca da Fama é espirituoso, tem ótimas coreografias e compreende bem a função da música em uma narrativa. O que faltou foi a crítica ser menos avessa ao seu clima despretensioso, ingênuo e sonhador.
Outras obras surgiram mais tímidas e, por suas dimensões infinitamente menores e propostas que se distanciavam por completo da “seriedade” que tantos críticos exigem para valorizar um musical, não receberam o carinho que mereciam. É o caso do afetuoso Hairspray – Em Busca da Fama, que, apesar de incluir em seu repertório algumas musicas perfeitamente dispensáveis, tinha clara noção de como conduzir uma história a partir da música. Além do irresistível elenco, o filme de Adam Shankman contagiava e despertava uma grande nostalgia, mas tudo isso talvez fosse colorido e alegre demais para que muitos dessem o braço a torcer. Descolorindo o universo musical, veio Tim Burton com seu Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Wellfleet, que representou, tanto para Burton quanto para seu parceiro Johnny Depp, o último momento expressivo de suas carreiras que viriam a ruir dali em diante. Esse é outro caso onde o diretor compreende a função da música, muito provavelmente até demais para que todos conseguissem abraçar cada diálogo cantado de um universo que ainda era muito próprio de Tim Burton, afunilando ainda mais a força de seu apelo. Na linha de entender à risca a estrutura clássica de um musical, arrisco dizer (e já estou preparado para os detratores), que ninguém tenha executado melhor a fórmula do que Tom Hooper no grandioso Os Miseráveis. Por outro lado, Tom Hooper já era odiado mundialmente pelo Oscar que levou por O Discurso do Rei e teve que pagar o preço, com público e crítica, pela campanha ostensiva que realizou para conquistar (injustamente) o prêmio mais cobiçado do cinema.
O que quero dizer é que não basta o musical ser um gênero muito específico por si só. Nos últimos anos, mesmo aqueles que eventualmente eram projetos bacanas e mereciam ser reconhecidos de alguma forma, foram acometidos por uma série de variantes igualmente específicas. Não encontramos, no cinema recente pós-Moulin Rouge! ou Chicago, um exemplar do gênero que fosse devidamente adorado por uma expressiva maioria. Tivemos desastres, é verdade, e isso amplia a nossa sede por musicais que possam finalmente mostrar, com a frequência que tantos outros gêneros mostram, que experiências do estilo podem voltar a ser superlativas. Claro que aqui ou ali me delicio cantarolando as canções até dos musicais que não gosto (é a doença de quem é um apaixonado incondicional pelo gênero!), mas, quando surgem notícias como a de Rob Marshall misteriosamente recebendo novo voto de confiança no segmento para dirigir uma sequência de Mary Poppins (ainda não entendo o que se passa na cabeça dos estúdios para mexer com clássicos!), minha esperança vai por água abaixo. Entretanto, essa é uma semana mais feliz. Nenhuma combinação parece mais certeira do que Stephen Daldry envolvido com Wicked. Estou com os dedos cruzados desde agora.
20 fatos sobre o meu cinema
Tem muita gente entrando na brincadeira e postando uma lista de fatos/curiosidades sobre sua vida no Facebook. Resolvi entrar na brincadeira, mas puxando para o lado do cinema. Vamos nessa?

1. Virei um apaixonado por cinema com um filme que quase ninguém gosta: As Confissões de Schmidt, de Alexander Payne. E não há explicação melhor do que essa para o amor à primeira vista: foi o filme que me fez perceber que o cinema era um caminho sem volta na minha vida.
2. Se existe um filme que eu usaria como aula sobre como fazer cinema, seria As Horas. É, possivelmente, a única obra que considero irretocável: da adaptação genial de um livro dificílimo à sinfonia técnica mais extraordinária que já vi na vida (aqueles créditos iniciais me arrepiam até hoje). Enquanto Schmidt é o meu filme favorito de coração, As Horas é o da razão.
3. Não demorou muito tempo para eu descobrir que meus filmes favoritos não eram os clássicos tão venerados por cinéfilos ou aqueles de simetria perfeita. O que me comove mesmo são histórias de pessoas comuns, com sentimentos que me despertam identificação e protagonistas de situações que podem acontecer também comigo quando eu virar a esquina ou acordar no outro dia.
4. Tenho um fraco tremendo por atrizes e me apaixono fácil por elas. Confesso que me emocionaria muito mais encontrando uma Julianne Moore em um metrô qualquer do que sentar em uma mesa de bar para conversar com Jack Nicholson e Daniel Day-Lewis juntos.
5. Meryl Streep não é a minha atriz favorita desde sempre. Comecei com um amor inabalável por Susan Sarandon, mas o tempo passou e não deu mais para defendê-la. Hoje, considero Meryl um colosso: sem exageros, nunca houve, na história do cinema, uma atriz tão talentosa e completa como ela. E ser a melhor atriz não passa apenas por habilidades, mas também por escolher projetos múltiplos, papeis desafiadores e histórias que ninguém imaginaria que ela pudesse protagonizar. Ninguém tem um currículo tão plural quanto o dela.

6. Se eu tivesse que fazer alguém devolver somente um Oscar, seria Elliot Goldenthal (melhor trilha sonora, em 2003, por Frida). Philip Glass não ter vencido aquele ano por As Horas só mostra o quanto a Academia não entende nem nunca vai entender a verdadeira função de uma trilha em um longa-metragem.
7. Por falar em Glass, foi ele que proporcionou o momento musical mais lindo da minha vida: quando eu o assisti tocar, ao vivo em Porto Alegre, Metamorphosis Two, a composição que inspirou Morning Passages, de As Horas.
7. Ainda em Oscar, mesmo não achando Crash – No Limite um filme extraordinário, tampouco considero a derrota de O Segredo de Brokeback Mountain o horror que todos pintam. Já vi o filme de Ang Lee três vezes, e sabe-se lá o porquê de eu não embarcar tanto naquela história de amor. De qualquer forma, aquele ano foi uma bagunça para o meu gosto pessoal que nem eu entendo: meu favorito na disputa era Munique.
8. Quer confiar em mim para prever alguma categoria de premiação? Vem comigo nas atrizes: nos últimos anos, acertei em cheio quem seriam as esnobadas que todo mundo dava como garantidas (Helen Mirren por Hitchcock, Emma Thompson por Walt nos Bastidores de Mary Poppins, Jennifer Aniston por Cake). E uma vez ou outra também levo fé até o fim e acerto em belas surpresas, como Charlotte Rampling, indicada esse ano por 45 Anos.
9. Agora, se vai torcer comigo, pode contar que tem tudo pra dar ruim. As minhas torcidas mais entusiasmadas raramente ganham. Talvez a única exceção mesmo tenha sido Marion Cotillard como melhor atriz por Piaf – Um Hino ao Amor. De resto, sou pé frio mesmo.
10. Quase nunca coloco a companhia como fator decisivo para uma ida ao cinema. Vou sempre primeiro pelo filme.

11. Não compro pipoca quando vou ao cinema. No máximo dos máximos, divido com a companhia, se ela realmente achar imprescindível.
12. Acho um crime escrever sobre um filme imediatamente após assisti-lo. Pago o preço por isso com o meu blog, que jamais tem a crítica de uma estreia da semana.
13. O Festival de Cinema de Gramado é um marco definitivo na minha vida pessoal e profissional, e hoje sinto um baita orgulho de estar trabalhando nele como assessor de imprensa pelo quarto ano consecutivo.
14. Posso até falar mal de determinados filmes e estilos, mas nunca, jamais, julgo quem os assiste. Cada um aprende com o cinema a sua maneira, a partir de suas experiências de vida, de suas oportunidades e de sua bagagem.
15. Não vejo tanto filmes quanto gostaria, mas muito menos veria três ou quatro longas por dia, sete dias por semana. O cinema também precisa do consumo de outras artes para coexistir.

16. Sou apaixonado por trilhas instrumentais e tenho muitos gigabytes de álbuns no meu computador. É o que mais tenho medo de perder caso o aparelho aqui um dia estrague.
17. Sou adepto da frase de Tarantino: “Nunca fui à escola de cinema, eu fui ao cinema” (ou coisa do gênero). Conto nos dedos os livros de cinema que li na vida ou as vezes que “estudei” a arte.
18. Não tenho a pretensão de escrever uma crítica para dissecar um filme e ficar refletindo sobre ele durante páginas e páginas. O que importa, para mim, é o que (e como) ele me passou ou não alguma coisa, além das sensações que tive a partir da experiência. É uma questão de estilo, simples assim.
19. Realmente sou um cinéfilo eclético, por mais clichê que a definição tenha se tornado. Posso ir da descontração de um musical assumidamente mal feito como Mamma Mia! a clássicos indies como Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, passando pelas loucuras de Bette Davis em O Que Terá Acontecido a Baby Jane? às lágrimas com filmes super manjados como Lado a Lado. Não me sinto refém de um diretor ou da posição de clássico ou filme bem recepcionado pela crítica para definir meus gostos.
20. E, apesar de gostar tanto de cinema, nada nessa vida me impressionou tanto no audiovisual quanto o seriado Six Feet Under. Aquilo é uma aula infinita sobre como se faz dramaturgia com um elenco impecável e o roteiro mais sem concessões possível. Amo tanto que, um dia, ainda farei uma tatuagem com uma frase da série.
Volto logo! (e uma novidade importantíssima)

Tem acontecido tanta coisa na vida pessoal e profissional que, como vocês devem ter percebido, ficou um pouquinho difícil atualizar o blog com a habitual frequência que ele merece e até contar para vocês, em primeira mão, novidades que têm tudo a ver com esse espaço. Antes de falar um pouquinho sobre a mais importante delas, já deixo registrado: é tempo de recarregar as baterias, o que me leva a ficar ausente daqui por um certo tempo. Isso não quer dizer, por outro lado, que paro de falar sobre cinema. Na realidade, é o que me leva às boas novas: à convite da equipe da rádio Mínima, aqui de Porto Alegre, produzo e apresento, desde o dia sete de abril, a versão radiofônica do Cinema e Argumento. Semanalmente, o programa traz as estreias da semana, notícias, clássicos e entrevistas com profissionais da área e de projetos relacionados à cinema. Para essa missão, tenho ao meu lado Clarissa Cé e Louisiane Cardoso, duas amigas também apaixonadas por cinema. Ou seja, mesmo com o blog de férias, não tem desculpa para não nos ouvir. O Cinema e Argumento vai ao ar todas as quintas-feiras, ao vivo, a partir do meio-dia, com reprise na sexta-feira às 14h. Para ouvir, basta sintonizar na minima.fm ou baixar gratuitamente o aplicativo disponível no Google Play ou na Apple Store.
Ator certo, Oscar errado – parte 1
Este não é um post sobre tradicionais injustiças do Oscar envolvendo atores, afinal, todo mundo sabe que Gwyneth Paltrow não mereceu levar o prêmio por Shakespeare Apaixonado ou que Reese Witherspoon roubou o Oscar que deveria ser de Felicity Huffman. Motivado pela minha sessão de ontem do filme O Regresso, resolvi fazer essa pequena seleção de atores que ganharam o Oscar pelo papel errado. Sim, DiCaprio está prestes a ganhar o prêmio por razões preguiçosas, e minha lista explicará melhor isso ao longo dos próximos posts, mas ele não está sozinho: são vários os ótimos atores que, com uma infinita lista de bons papeis no currículo, foram coroados por momentos bastante desinteressantes. Às vezes, acontece para corrigir justamente as injustiças do passado, enquanto em outros casos é a pressa em celebrar um profissional reconhecidamente talentoso e em ascensão que precisa dos holofotes. Com isso, muitos atores queridos finalmente levam o prêmio, mas pelo papel errado. Eis, nessa primeira parte do post, alguns deles.
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Julianne Moore (Para Sempre Alice, 2015): Poucas atrizes têm um currículo com personagens tão transgressoras e atuações minimalistas à altura, mas Julianne Moore foi ganhar logo por um dos papeis mais óbvios de toda a sua carreira. Ela é sempre ótima e faz o tema de casa em Para Sempre Alice, só que, nele, não existe desafio algum para atriz, que já interpretou uma atriz pornô em Boogie Nights e uma dona de casa dos anos 1950 que precisa lidar com a homossexualidade do marido em Longe do Paraíso, para citar somente dois trabalhos mais complexos. E o mais triste desse Oscar é que, neste mesmo ano, ela tinha um trabalho infinitamente melhor que trazia na bagagem o prêmio de melhor atriz em Cannes: o ácido Mapas Para as Estrelas, que sintetiza perfeitamente o que Julianne Moore é no cinema. Na TV, pelo menos, ganhou todos os prêmios da vida pelo papel certo: o da política republicana Sarah Palin em Virada no Jogo. Já na tela grande, merecia ter vencido por Boogie Nights, As Horas e Longe do Paraíso (isso mesmo, na minha lista ela já teria três estatuetas!). Roubou o Oscar de: Marion Cotillard (Dois Dias, Uma Noite) e Rosamund Pike (Garota Exemplar).
R
enée Zellweger (Cold Mountain, 2004): Reza a lenda que Renée Zellweger rasgou seu vestido depois de ter perdido o Oscar de melhor atriz em 2003 por Chicago. Na realidade, ela deveria ter rasgado quando venceu o prêmio por Cold Mountain, já que a tragédia foi grande: a) o filme está longe de representar algo expressivo na carreira da atriz, b) Renée está mais do que caricata nele, c) o prêmio foi pura consolação, tanto para ela após inúmeras indicações quanto para o filme que não levou nenhuma outra estatueta, e d) a maldição do Oscar se concretizou e ela nunca mais conseguiu segurar sua carreira. Para uma intérprete que transitou com tanta excelência entre o drama e a comédia e entre o popular e o autoral, esse foi mais um prêmio entregue no automático por um papel perfeitamente esquecível mas que caiu no formato que o Oscar adora premiar erroneamente (e isso que nem entramos nos méritos de Cold Mountain ser uma obra tediosa). Roubou o Oscar de: qualquer uma das outras indicadas, mas tenho um carinho especial por Shoreh Aghdashloo (Casa de Areia e Névoa) e Patricia Clarkson (Do Jeito Que Ela É).
Cate Blanchett (O Aviador, 2005): Cate Blanchett é rainha, e isso é indiscutível. Por isso que sua primeira grande consagração (levanto as mãos para os céus e agradeço que houve uma segunda por Blue Jasmine!) até hoje soa tão frustrante. Ela empresta, claro, a sua incomparável elegância à Katharine Hepburn em O Aviador, o que infelizmente não chega a representar o melhor do que a atriz realmente é capaz de fazer. Tenho infinitos problemas com o sonolento filme de Martin Scorsese, mas o trabalho de Blanchett aqui realmente fica longe de outras interpretações suas como a de Elizabeth e Não Estou Lá. Sou defensor ferrenho até mesmo de sua subestimada performance como a frustrada e confusa professora de artes Sheba Hart de Notas Sobre Um Escândalo. Foi outra coroação errada que aconteceu pelos motivos errados: primeiro para consagrar a injustiça de ter perdido por Elizabeth e segundo por ser uma atriz em franca ascensão. Se estivessem esperado um pouquinho mais, poderiam ter ficado sem essa, pois o que não faltou posteriormente foi uma carreira digna de Blanchett para se consagrar. Roubou o Oscar de: Natalie Portman (Closer – Perto Demais) e Sophie Okonedo (Hotel Ruanda).
Jennifer Lawrence (O Lado Bom da Vida, 2013): Hoje a nova queridinha da América já é um caso à parte porque sua superexposição e supervalorização em todo e qualquer prêmio já dificultam qualquer avaliação menos passional. Por outro lado, é uma verdade absoluta para mim que seu Oscar de melhor atriz por O Lado Bom da Vida foi equivocado e prematuro. Sempre defendo o reconhecimento para papeis cômicos, mas não existe nada de tão especial no que ela faz no filme de David O. Russell para uma grande honraria como essa. Certamente venceu porque era uma estrela que começava a nascer e porque precisava ter recompensado o Oscar que mereceria vencer por Inverno da Alma caso não tivesse a imbatível Natalie Portman no seu caminho com Cisne Negro. E é bom lembrar que um hit como Jogos Vorazes sempre ajuda (e seria até mais digno Lawrence ter sido premiada pela saga, algo muito mais simbólico em sua carreira). Pena que não esperaram mais um pouco, pois é certo que a jovem estrela ainda terá muitas oportunidades pela frente… E mais interessantes. Roubou o Oscar de: não era um ano excepcional, mas tinha Emmanuelle Riva por Amor e até mesmo a garotinha Quvenzhané Wallis por Indomável Sonhadora (sei que estou sozinho nessa).
Alan Rickman? Sempre.

Os últimos meses têm sido cruéis. Como se não bastasse terem levado Marília Pêra e David Bowie, agora mais um dos grandes se despediu: o britânico Alan Rickman. Escrevo especificamente sobre ele porque minha vida cinéfila não teria a mesma graça caso, lá no início, não tivesse visto, quando criança, Harry Potter e a Pedra Filosofal e de repente me encantado com a composição do ator para o inesquecível Severo Snape. Talvez tenha sido uma das primeiras vezes em que eu começava a perceber o que era um grande ator. Sim, Rickman era superlativo em Harry Potter, e, mesmo pequenino, eu já admirava e me encantava com sua criação. “Vilão” misterioso, Snape ganhava a inconfundível voz de Rickman e inflexões de voz tão cuidadosas que não era difícil considerá-lo a figura mais fascinante daquele universo. Com ele, aprendemos a amar e pensar vilões como poucas vezes no cinema. Rickman, sem dúvida alguma, mora no imaginário de toda uma geração que hoje tem o coração partido.
Indo além do universo de Harry Potter e do talento inegável do ator, a carreira de Alan Rickman no cinema é vitoriosa por duas razões bem simples. Primeiro: sua estreia no cinema foi aos 41 anos, algo que ainda hoje parece simplesmente impossível em uma indústria intolerante a atores de idade avançada. Por sorte, era britânico e viveu em uma terra que soube lhe valorizar no teatro e no cinema (um de seus papeis mais célebres, o do xerife George of Nottingham em Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões, foi celebrado com um BAFTA de melhor ator coadjuvante em 1992). Como sempre, é lindo ver o respeito dos britânicos por seus talentos.
Segundo: teve uma carreira das mais múltiplas, conjugando a geração bad boy como vilão de Duro de Matar, a mais “artística” em filmes como Razão e Sensibilidade e a minha, eternizando-se como o incomparável Snape de Harry Potter. No meio disso, teve comédia (Simplesmente Amor), filme para TV (o último foi The Song of Lunch, que estreou ao lado de Emma Thompson) e até experiência atrás das câmeras (dois anos atrás dirigiu Kate Winslet no drama de época Um Pouco de Caos). Rickman dizia que, quando chegasse aos 80 anos, estaria em casa lendo Harry Potter. Brincava que, caso fosse indagado pela família sobre continuar apegado a história depois de tanto, diria “sempre”, fazendo uma alusão a um dos momentos mais bonitos de seu Severo Snape na saga. A diferença é que hoje, Alan Rickman, somos nós que dizemos “sempre” para a lembrança de seu talento.