Os últimos meses têm sido cruéis. Como se não bastasse terem levado Marília Pêra e David Bowie, agora mais um dos grandes se despediu: o britânico Alan Rickman. Escrevo especificamente sobre ele porque minha vida cinéfila não teria a mesma graça caso, lá no início, não tivesse visto, quando criança, Harry Potter e a Pedra Filosofal e de repente me encantado com a composição do ator para o inesquecível Severo Snape. Talvez tenha sido uma das primeiras vezes em que eu começava a perceber o que era um grande ator. Sim, Rickman era superlativo em Harry Potter, e, mesmo pequenino, eu já admirava e me encantava com sua criação. “Vilão” misterioso, Snape ganhava a inconfundível voz de Rickman e inflexões de voz tão cuidadosas que não era difícil considerá-lo a figura mais fascinante daquele universo. Com ele, aprendemos a amar e pensar vilões como poucas vezes no cinema. Rickman, sem dúvida alguma, mora no imaginário de toda uma geração que hoje tem o coração partido.
Indo além do universo de Harry Potter e do talento inegável do ator, a carreira de Alan Rickman no cinema é vitoriosa por duas razões bem simples. Primeiro: sua estreia no cinema foi aos 41 anos, algo que ainda hoje parece simplesmente impossível em uma indústria intolerante a atores de idade avançada. Por sorte, era britânico e viveu em uma terra que soube lhe valorizar no teatro e no cinema (um de seus papeis mais célebres, o do xerife George of Nottingham em Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões, foi celebrado com um BAFTA de melhor ator coadjuvante em 1992). Como sempre, é lindo ver o respeito dos britânicos por seus talentos.
Segundo: teve uma carreira das mais múltiplas, conjugando a geração bad boy como vilão de Duro de Matar, a mais “artística” em filmes como Razão e Sensibilidade e a minha, eternizando-se como o incomparável Snape de Harry Potter. No meio disso, teve comédia (Simplesmente Amor), filme para TV (o último foi The Song of Lunch, que estreou ao lado de Emma Thompson) e até experiência atrás das câmeras (dois anos atrás dirigiu Kate Winslet no drama de época Um Pouco de Caos). Rickman dizia que, quando chegasse aos 80 anos, estaria em casa lendo Harry Potter. Brincava que, caso fosse indagado pela família sobre continuar apegado a história depois de tanto, diria “sempre”, fazendo uma alusão a um dos momentos mais bonitos de seu Severo Snape na saga. A diferença é que hoje, Alan Rickman, somos nós que dizemos “sempre” para a lembrança de seu talento.