O Cinema diz: #elenão (participação no blog Classe de Cinema)

Murilo Benício e Luciana Paes, protagonistas de O Animal Cordial: através do horror, filme de Gabriela Amaral Almeida radiografa muitas das agruras políticas e sociais do Brasil atual.
Recentemente, fui convidado pelo Yuri Célico, do blog Classe de Cinema, a participar da série “O Cinema diz: #elenão”. A ideia do projeto é trazer convidados que escrevam sobre um filme que converse com a nossa situação política, no intuito de refletir e ilustrar os riscos que estamos correndo com um certo presidenciável que representa sérios riscos à democracia e que tanto dissemina ódio e preconceito Brasil afora. Ao receber o convite do Yuri, constatei que tenho visto mais filmes brasileiros do que estrangeiros nos últimos anos. Parando para pensar nas razões que me levaram a essa nova estatística, percebo que, sim, o cinema brasileiro tem crescido em quantidade e pluralidade, mas o que mais tem me fascinado nessa recente safra é o número de produções que radiografam determinados momentos e condições atuais do nosso Brasil. Por isso mesmo, escolhi para a minha participação O Animal Cordial, uma obra brasileira, que, em formato, temática e gênero, é um grito por #elenão, escancarando muitas das feridas abertas do Brasil em que vivemos. E o que considero mais brilhante no filme é transpor essas cicatrizes para o plano do horror. O Animal Cordial faz jus à clássica definição de que a realidade pode ser muito mais aterrorizante que a ficção. Abaixo eu reproduzo as razões que elenquei no Classe de Cinema!
1 – É dirigido por uma mulher em um gênero essencialmente dominado por homens
Segundo dados da ANCINE, apenas 19,7% dos 142 filmes brasileiros lançados comercialmente em 2016 levam a assinatura de mulheres. Tendo apenas isso em vista, O Animal Cordial já seria um caso a ser notado. No entanto, se levarmos em consideração que essa é uma chamada obra de “gênero”, a situação é ainda mais rara. Afinal, quantos filmes de horror dirigidos por mulheres você conhece, inclusive em uma perspectiva mundial? O longa é mesmo um ponto fora da curva e, por que não, um (delicioso) atrevimento: ora, como assim uma mulher tem o topete de dirigir um filme de horror? Pois Gabriela Amaral Almeida tem mesmo, e isso é incrível, já que O Animal Cordial coloca na tela discussões que as produções brasileiras, em sua maioria masculina, raramente ousariam colocar.
2 – Utiliza o terror como metáfora social
As doses de sangue são cavalares. O pânico é constante. Os personagens são imprevisíveis. Mas quer saber o que incomoda mesmo em O Animal Cordial? É o fato de tanto horror representar fielmente os nossos tempos, quebrando as convenções do gênero para, sim, ser um angustiante slasher, mas, também para se tornar, a cada personagem, a cada reviravolta, a cada diálogo, um mosaico sobre as agruras que atingem a sociedade brasileira. Sempre considerei os melhores filmes de horror aqueles que se utilizam das ferramentas do gênero para falar sobre questões humanas, íntimas ou sociais. E, se você presta a mínima atenção no Brasil que está aí, verá que o sangue que escorre no longa é, na verdade, o de um país em plena convulsão.
3 – Mostra o autoritarismo e o abuso de poder no ambiente de trabalho
Vejam de onde parte O Animal Cordial: após um longo dia de trabalho em um restaurante, o chefe decide manter os funcionários além do expediente porque mais dois ou três clientes chegaram ao estabelecimento que já deveria estar fechado. Os funcionários reclamam. O chefe não ouve. Manda quem pode, obedece quem precisa. Logo mais, um acontecimento inesperado vira o restaurante de pernas para o ar, mas já no início da projeção você percebe as discussões de um roteiro super contemporâneo: em tempos que as taxas de desemprego crescem e que trabalhamos o dobro para pagar o mesmo custo de vida que tínhamos até pouco tempo atrás, parece não haver muita solução a não ser entrar no sistema e aceitar as cada vez mais terríveis condições de trabalho para conseguir pagar as contas, aguentando até mesmo os surtos autoritários de um chefe que, com os empregados na palma da mão, faz questão de mostrar quem é dono e quem é empregado.
4 – Lembra que falta de educação é coisa de gente rica
Diria a já eterna Clara de Sonia Braga em Aquarius que falta de educação não é coisa de gente pobre, e sim de gente rica que acredita que dinheiro define caráter. Verdade. E, quando a personagem de Camila Morgado entra no restaurante de O Animal Cordial bem vestida, maquiada e acompanhada do marido, logo se percebe isso: na maneira como não dirige o olhar à atendente, como faz seu pedido praticamente questionando o entendimento da garçonete em relação ao que é servido e até mesmo na postura com que se coloca em uma mesa de jantar, ela é a afiadíssima na representação daquela parte elitista da população que, entre outras coisas, acredita que, por pagar um serviço, está acima de quem o presta. Na prática diária, aplicam o que defendem na política que acreditam ser a melhor para o país: exclusão e indiferença, especialmente em relação a quem não se equipara ao seu alto padrão de vida.
5 – Renega os estereótipos femininos dos filmes de horror
Pense nos filmes de horror que você já viu. Na maioria deles, provavelmente as figuras femininas têm pouca influência. Ou pior: surgem apenas com pouca roupa para morrer de maneiras sádicas ou voyeurísticas. Pois O Animal Cordial desconstrói tudo isso. O personagem vivido por Murilo Benício pode ditar boa parte dos acontecimentos da trama, mas é a figura de Luciana Paes que toma as rédeas do filme. Muitos dos desdobramentos são conduzidos por ela, inclusive a única cena de sexo onde é a mulher quem comanda cada centímetro de uma poderosíssima interação sexual. Sem idealizações ou estereótipos, Luciana, como a atriz gigante que é, dá ainda mais intensidade e complexidade a uma protagonista que subverte o que o gênero costuma fazer com o sexo feminino, tornando-o peça decisiva de uma trama que não faria o menor sentido sem ele.
6 – Entrega ao personagem LGBTQI+ a bússola moral da trama
Normalmente retratados como mero alívio cômico ou figuras cujos dilemas se resumem à questão da sexualidade, os personagens LGBTQI+ também ganham nova roupagem em O Animal Cordial. À parte o fato de Irandhir Santos ser um grande ator, a construção de seu cozinheiro de gênero fluido o coloca como a única pessoa verdadeiramente sã e com alguma bússola moral dentro do rico mosaico construído pelo roteiro. Capaz de racionalizar situações sem jamais recorrer a escolhas ou instintos primitivos, o cozinheiro é a voz da razão em um ambiente onde todos, anestesiados pelo pânico, só conseguem expor o lado mais sombrio de suas naturezas. Há um universo dentro de cada olhar e de cada decisão tomada pelo personagem de Irandhir, que, mesmo sendo um coadjuvante, consegue, junto ao material que lhe é dado, construir um tocante background para o cozinheiro e para tudo o que ele representa.
7 – Defende a ideia de que a pior violência é, na verdade, a emocional
Em um filme com expressivas doses de sangue fatalidades, Gabriela Amaral Almeida propõe que a maior violência não é a física, e sim outras que eu e você vivemos ou presenciamos diariamente no cotidiano. Já falei sobre a forma como a elitista passiva-agressiva de Camila Morgado despreza a garçonete do restaurante. No entanto, há outro momento altamente simbólico: aquele em que Irandhir Santos tem seus cabelos cortados. A cena é dolorosa porque representa, mais uma vez, o ódio gratuito e infundado à uma minoria que precisa lutar diariamente pela aceitação de sua identidade na vida e no trabalho. É golpe duríssimo ver uma identidade julgada e agredida pela sociedade que, sabe-se lá o porquê, tanto se incomoda com o fato do próximo ser simplesmente quem é. Muito mais do que qualquer sangue escorrendo pelas paredes após o disparo certeiro de uma arma.
8 – Alerta para o perigo da paixão e do fanatismo
Secretamente, uma personagem de O Animal Cordial está apaixonada. E, em nome da paixão e do desejo de ser notada, toma decisões que, em um dia qualquer de sua existência, não tomaria. Essa personagem também é capaz de se adaptar à personalidade do amado, frequentemente se anulando para apenas agradá-lo. Em determinado ponto, enfim, também não há mais problema em cometer crimes em nome do amor. Paixão e fanatismo podem muito bem caminhar juntos, e O Animal Cordial alerta para essa linha tênue, utilizando, claro, a metáfora do horror. É uma representação assombrosa do período polarizado que vivemos no Brasil, quando, a todo custo, movimentos e militâncias rompem as barreiras do bom senso moral e ético para atacar o oponente e defender cegamente qualquer ídolo que julguem digno de veneração.
9 – Retrata a busca pelo protagonismo em uma sociedade de winners
O que a vida costuma nos exigir é o seguinte: você se torna alguém ou, então, nada vale a pena. E ser alguém pode se resumir a ser o dono de um estabelecimento de respeito. Também pode se resumir a algum tipo de reconhecimento por parte de “superiores”. Ou, enfim, pode ser também a vontade de ser protagonista de sua própria vida. Os personagens de Murilo Benício e Luciana Paes englobam tudo isso, cada um à sua maneira. Gosto especialmente dela, que, garçonete tratada com descaso pelo chefe, faz o que é preciso para ter algum tipo de importância dentro do restaurante onde trabalha ou que toma decisões radicais para sair do status de mulher comum e pouco desejada para, enfim, ser vista como uma figura influente, atraente e, por que, não temida. Em uma sociedade que tanto festeja os winners, os personagens de O Animal Cordial caem mais um pouco na escuridão ao serem movidos por essa pressão sócio-cultural.
10 – Reforça a falência da dita masculinidade
Murilo Benício dá vida à figura masculina central de O Animal Cordial. No entanto, o personagem é, no fundo, um homem falido em reputação e masculinidade. Ele tenta provar a sua hombridade de maneiras equivocadas, machistas e preconceituosas, o que está evidente em toda e qualquer interação que ele estabelece com qualquer outro personagem. Dono de um restaurante, abusa do seu poder de chefe para (tentar) mostrar que tem alguma autoridade ou que é um relevante profissional. Homem supostamente forte em uma situação de perigo, pensa que, por ter uma arma na mão e por ter o controle de um momento extraordinário, pode submeter todos às situações que bem entender. É o chamado macho alfa que, na ameaça, no machismo, no preconceito e no grito, busca se provar homem e que, ao fazer isso, só mostra o quão pequeno e insignificante é como ser humano. Exatamente como o inominável que motiva essa série do Classe de Cinema.
No calor do momento, o que podemos concluir sobre o Oscar de “Melhor Filme Popular”?

Foi anunciado há pouco pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood: a partir de 2019, o Oscar terá a categoria de “Melhor Filme Popular”. Ao contrário do que a Academia pensa, estamos falando de um enorme desserviço, já que segmentar não é necessariamente um mérito. Os documentários e as animações estão aí para provar, pois praticamente nunca são lembrados nas ditas categorias principais. E por que não são? Ora, não há razão para indicá-los em “Melhor Filme” já que eles têm categorias próprias para concorrer. É por isso que a mudança se revela uma baita bola fora: ao criar a categoria de “Melhor Filme Popular”, o Oscar diz, nas entrelinhas, que blockbusters como Pantera Negra, por exemplo, não devem ser levados tão a sério quanto A Forma da Água ou Moonlight, citando os vencedores recentes da honraria máxima.
A mudança reflete, claro, o próprio diagnóstico que a Academia deve ter feito de seu histórico recente. E vamos muito além do fato de Batman: O Cavaleiro das Trevas ter sido ignorado na categoria principal em 2009. Mesmo ampliando o número de indicados em melhor filme, tal escolha mais diluiu a reputação do prêmio do que necessariamente aprimorou a disputa. Afinal, dois casos que corroboram essa afirmação ainda estão muito vivos na memória: Gravidade e Mad Max: Estrada da Fúria. Ambos faturaram sete e seis estatuetas respectivamente, mas não levaram para casa o título de “Melhor Filme”. No caso de Gravidade, o prêmio foi para 12 Anos de Escravidão, vencedor apenas nas categorias de roteiro adaptado e atriz coadjuvante. Já com Mad Max, a situação piora: Spotlight, vencedor daquele ano, conquistou somente o prêmio de melhor roteiro original. Como não encarar tal cenário, afeito aos “projetos sérios”, como puro preconceito com o cinema de alta repercussão popular?
O diagnóstico certamente foi feito, mas a solução é um equívoco. Não à toa, você já deve ter ouvido que animação não é cinema. Agora, futuramente, também correrá o risco de ouvir que filmes populares também não são. Com a maturidade de um MTV Movie Awards, a Academia não observa o próprio Globo de Ouro, que há décadas coloca as comédias em um cantinho à parte, decisão que inferioriza o gênero e rende indicações preguiçosas ou de gosto duvidoso, provando que o prêmio realmente não dá mesmo muita bola para esse segmento. Com tantas novas categorias para serem criadas (alô, melhor elenco!), o Oscar opta não pela inovação, mas por um caminho fácil, antiquado e que há muito tempo já se provou tão ineficiente quanto problemático em ideias. Para completar, a Academia ainda anunciou a decisão de apresentar os vencedores de determinadas categorias (a serem definidas) durante os comerciais, exibindo a entrega dessas estatuetas mais tarde na cerimônia, com os momentos já gravados e editados. Talvez ainda seja cedo para avaliar o real efeito, mas tudo isso não parece nada favorável. E, vocês, o que acham?
Cinema e Argumento comenta o Oscar 2018 com programação especial em vídeo

Lives do blog sobre o Oscar 2018 será comandada pelo editor Matheus Pannebecker, com a participação da jornalista Lou Cardoso. Foto: Bianca Carneiro.
Como forma de aquecimento para o Oscar 2018, que acontece no próximo domingo, 4 de março, o Cinema e Argumento realizará uma série de transmissões ao vivo na página do blog no Facebook para fazer suas avaliações e apostas para a festa mais aguardada e disputada do cinema mundial.
De sexta-feira até domingo, o editor Matheus Pannebecker estará acompanhado da jornalista Lou Cardoso, autora do blog Cine Lou e repórter do jornal Correio do Povo, para comentar as categorias principais da premiação. O cinéfilo Acauã Brondani também faz participações especiais na programação.
Lembrando que, nesta temporada, o Cinema e Argumento já realizou duas lives comentando todos os nove filmes indicados na categoria principal do Oscar. Com as próximas três transmissões, o blog contabilizará mais de cinco horas de produção de conteúdo em vídeo sobre a cerimônia. Todas as transmissões ficam arquivadas na página.
Confira abaixo as informações sobre a programação que começa hoje no Facebook:
- SEXTA-FEIRA, 2 de março, às 20h: atores protagonistas e coadjuvantes
- SÁBADO, 3 de março, às 20h: atrizes protagonistas e coadjuvantes
- DOMINGO, 4 de março, às 20h: filmes, direção e apostas técnicas
Cinco fatos que podem fazer a diferença nos prêmios de 2018
Dezenas de associações de críticos dos Estados Unidos já divulgaram seus vencedores, assim como grandes premiações televisionadas como o Globo de Ouro e o Screen Actors Guild Awards também já revelaram seus indicados, mas a temporada de premiações mal começou de verdade e, fora a matemática do que cada filme colecionou até aqui, ainda há muito a ser considerado. E, tratando-se do Globo de Ouro e do SAG, que realizarão suas cerimônias nessa primeira quinzena de janeira, algumas estatísticas devem ser levadas em conta na hora de prever os vencedores. Abaixo, elenco algumas delas e explico como ignorá-las pode ser decisivo para não perder pontos nas primeiras de muitos apostas que pipocam durante essa temporada.
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1. ATÉ ONDE VAI O REINO DE ALLISON JANNEY?
Da comédia ao drama, Allison Janney é uma das atrizes mais premiadas na história do Emmy, com sete estatuetas conquistadas desde a sua primeira indicação em 2000 (quatro por The West Wing, duas por Mom e uma por Masters of Sex). No SAG, também tem prêmio de sobra, com seis vitórias, incluindo duas estatuetas de elenco em cinema com Histórias Cruzadas e Beleza Americana. Quanto ao Globo de Ouro, a situação é bem diferente: até aqui, são cinco indicações sem consagração. Pelo longa-metragem Eu, Tonya, Janney está mais uma vez na disputa, inaugurando sua primeira lembrança no segmento de cinema. Amplamente reconhecida por seu trabalho na TV, será que Janney tem força para transferir todo o seu prestígio também para o cinema e conquistar sua primeira vitória individual no SAG e o primeiro Globo de Ouro de toda a carreira? Teoricamente falando, dado o vitorioso histórico, a longa carreira e o forte reconhecimento do colegiado televisivo, seria uma das apostas mais fáceis da temporada. Isso se não concorresse com Laurie Metcalf, uma colega com trajetória bastante semelhante, mas de carreira mais, digamos, “alternativa”.
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2. LAURIE METCALF E A TRÍPLICE COROA DA ATUAÇÃO
Premiada três vezes no Emmy por seu desempenho na sitcom Roseanne, Laurie Metcalf não foi reconhecida pelo Globo de Ouro por seu trabalho no seriado. Foram duas indicações sem vitória, e a terceira vem agora com Lady Bird: É Hora de Voar, que, estatisticamente, tem colocado a atriz como a franca favorita no segmento das coadjuvantes se considerarmos as listas das associações de críticos dos Estados Unidos. É importante frisar que crítico de cinema não vota em Oscar e tampouco tem influência nas premiações verdadeiramente decisivas da temporada, mas é bom não subestimar o poder dessa atriz aparentemente desconhecida, mas que vem trilhando um caminho brilhante nos últimos anos: você pode lembrar de Metcalf como a mulher ensandecida que faz várias pessoas de reféns em um supermercado naquele que é um dos episódios mais explosivos do seriado Desperate Housewives (Bang!), o que é um tanto injusto com uma carreira que, recentemente, foi coroada pelo Tony (melhor atriz, em 2017, por A Doll’s House: Part 2) e novamente iluminada pelo Emmy (em 2016, recebeu indicação tripla ao prêmio, concorrendo em drama e comédia com Getting On, The Big Bang Theory e Horace and Pete). Ou seja, Laurie tem sido vista por todo tipo de indústria nos últimos anos. Não são todas as atrizes que têm esse tipo de prestígio.
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3. NICOLE KIDMAN NUNCA VENCEU O SAG (…)
Quem vê uma atriz amplamente premiada como Nicole Kidman e relembra seu riquíssimo repertório pode muito bem cair na pegadinha de que, claro, ela tem todos os prêmios da vida em casa. Errado. Se a vitória de Kidman como melhor atriz em minissérie por Big Little Lies já se consolidou como uma das maiores certezas da temporada, a situação ganha ainda mais força no SAG, uma vez que a atriz nunca foi vitoriosa no prêmio, tanto nas categorias de TV quanto nas de cinema. No ano de As Horas, filme que lhe rendeu o Oscar, Kidman viu o prêmio de melhor atriz parar nas mãos de Renée Zellweger, por Chicago. Desde então, colecionou mais sete indicações em categorias individuais e de elenco, sem nunca levar a estatueta para casa. E o SAG, que é um prêmio relativamente recente (foi criado em 1995) e que adora celebrar quem historicamente nunca pôde ser celebrado (Meryl Streep vencendo pela primeira vez por Dúvida, assim como Denzel Washington ano passado com Um Limite Entre Nós), certamente não tem oportunidade melhor para acertar os ponteiros com Kidman do que na edição de 2018.
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4. (…) E SUSAN SARANDON O GLOBO DE OURO (…)
Comentei acima que a vitória de Nicole Kidman na categoria de melhor atriz em minissérie por Big Little Lies no SAG é aposta fácil, mas, no Globo de Ouro, não jogo todas as fichas na atriz. Isso porque Susan Sarandon, uma veterana que dispensa comentários, inacreditavelmente nunca levou o prêmio para a casa, enquanto Nicole Kidman já tem três em casa. Não seria surpresa se Sarandon, solenemente ignorada pelo Critics’ Choice, surgisse como azarona e finalmente tivesse o seu momento no prêmio outorgado pela Hollywood Foreign Press Association com seu milagroso desempenho como a lendária Bette Davis na minissérie Feud: Bette and Joan. Sarandon, que venceu o Oscar por Os Últimos Passos de Um Homem, mas perdeu o Globo de Ouro para Sharon Stone (Cassino), concorre desde 1989 com menções no cinema e na TV, seja por obras mais célebres como O Óleo de Lorenzo e Thelma e Louise ou por trabalhos menos ambiciosos como Lado a Lado e o telefilme Bernard e Doris. Quem sabe a premiação finalmente lhe faz justiça? Eu não reclamaria, seja pela carreira ou pelo próprio desempenho em Feud.
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5. (…) ASSIM COMO FRANCES MCDORMAND
Ainda na listinha de atrizes que nunca faturaram determinados prêmios, a grande Frances McDormand também entra para a conta. Há quem aposte em um segundo Oscar para a atriz por Três Anúncios Por Um Crime, e o Globo de Ouro pode dar um empurrãozinho: mesmo que pareça irresistível o prêmio novamente dar os holofotes para Meryl Streep depois de seu discurso emblemático na homenagem do ano passado e de suas confusões com Trump (recemente foi descoberto que os cartazes em Los Angeles acusando a atriz de saber dos assédios de Harvey Weinstein foram espalhados por apoiadores do presidente), McDormand, que só levou uma menção honrosa e coletiva junto ao elenco de Short Cuts, não saiu vitoriosa na premiação com o longa Fargo – Uma Comédia de Erros e a minissérie Olive Kitteridge, citando dois de seus trabalhos mais célebres. Se Frances realmente é um estouro em Três Anúncios Para Um Crime e se o prêmio quiser tirar o atraso, pode ser a oportunidade perfeita, já não é loucura dizer que o jogo da categoria de atriz dramática está aberto.
Adeus, 2017! (e as melhores cenas do ano)
Em mais um ano que chega ao fim, novamente vou deixar minha lista de favoritos para depois da virada. O motivo simples e perfeitamente compreensível: como ainda estou em dívida com muitos títulos, prefiro dar mais um tempinho para conferi-los e, assim, não cometer nenhum crime que possa me trazer remorso mais adiante. Certamente, por uma série de razões, tanto fora quanto ao meu alcance, não conferi — nem vou conferir — centenas de títulos como boa parte dos meus colegas blogueiros, mas, dentro do meu singelo escopo, quero ter o devido tempo para ficar plenamente satisfeito com as minhas escolhas.
Por isso, mantenho ao menos uma tradição aqui do blog: a de elencar os meus momentos favoritos no cinema ao longo do ano, considerando, como sempre, os títulos lançados comercialmente e via streaming no Brasil. Não deixem de opinar quanto aos selecionados abaixo (atenção, alguns deles podem trazer spoilers em suas justificativas), pois sempre gosto de ouvir o que vocês, leitores, têm a dizer. Afinal, vem muito mais por aí em 2018! Feliz ano novo e um abraço carinhoso para cada um de vocês!
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#10 – Harry (Ralph Fiennes) dança “Emotional Rescue”, dos Rolling Stones, em Um Mergulho no Passado
Ralph Fiennes é um verdadeiro estouro em Um Mergulho no Passado, filme pouco reconhecido do italiano Luca Guadagnino, cineasta que agora é celebrado mundo afora com Me Chame Pelo Seu Nome. Com um personagem desafiador, Fiennes se esbalda nas sutilezas e nos atordoamentos de um homem que grita, fala, canta e dança o tempo inteiro, mas que, no fundo, é estridente por não conseguir lidar com as reflexões trazidas pelos momentos de silêncio. Há também algo de muito autêntico e libertador nesse homem que sempre faz e fala o que bem entende, sem medir palavras ou atitudes para agradar aos outros. E quando ele dança ao som de “Emotional Rescue”, dos Rolling Stones, é puro fascínio, tanto pelo personagem quanto por Ralph Fiennes.

#9 – Gretchen (Emanuelle Araújo) brilha em Bingo – O Rei das Manhãs
Poucas cinebiografias têm toda a energia e o pique ostentados por Bingo – O Rei das Manhãs, trabalho de estreia do montador Daniel Rezende na direção de longas. E se tratando da trajetória ascendente de ritmo do filme, não existe sequência mais empolgante do que a breve aparição da cantora e dançarina Gretchen, interpretada com graça e carisma por Emanuelle Araújo. Emulando acertadamente os trejeitos e o modo de dançar da Rainha do Bumbum, Emanuelle injeta uma nova dose de ânimo a um filme já empolgante até ali. Mais do que toda a animação vinda de Conga, Conga, Conga, a cena conquista por reforçar toda a personalidade que fez de Bingo um verdadeiro (e merecido) sucesso nacional.

#8 – Rose (Viola Davis) confronta Troy (Denzel Washington) em Um Limite Entre Nós
Clássico caso de filme onde os atores são muito maiores do que o resultado como um todo, Um Limite Entre Nós sai perdendo em ritmo e em relevância cinematográfica com a sua falta de criatividade e seu zelo excessivo ao adaptar uma célebre peça de teatro. Por outro lado, quem ganha são os atores, que, com o texto na ponta da língua (foram centenas de apresentações nos palcos dos Estados Unidos), têm naturalidade de sobra para arrasar com o material. Denzel Washington e, especialmente, Viola Davis merecem uma nota à parte pelo que fazem durante o maior momento do filme, quando um segredo vêm à tona e Rose (Viola) precisa confrontar o marido com todas as suas dores e frustrações reprimidas durante anos. Quem não se arrepiou?

#7 – Diana (Gal Gadot) nas trincheiras em Mulher-Maravilha
Na prática, Mulher-Maravilha é menos criativo e autêntico do que as pessoas estão dispostas a admitir, mas ter uma personagem feminina como protagonista faz mesmo a diferença em várias passagens dessa aventura dirigida por Patty Jenkins. Não é sempre que vemos uma mulher derrotando, no corpo a corpo e na inteligência, uma quantidade significativa de marmanjos, e muito menos uma que vá a campo em uma grande guerra e, sozinha, enfrente incontáveis disparos do outro lado da trincheira com uma coragem de dar inveja. Diana encarando tudo aquilo sozinho é muito representativo, além de ser o auge estético e de adrenalina do blockbuster.

#6 – A cena do vestido em Roda Gigante
Aos 45 do segundo tempo, Kate Winslet veio repleta de talento em inspiração em Roda Gigante, a ponto de figurar entre as performances mais marcantes do ano. Uma cena específica justifica o festejo em torno da interpretação, e essa é quando Ginny (Kate Winslet), incorporando a carreira de atriz que deixou para trás junto com o seu passado de erros, chega ao limite de suas frustrações e insatisfações ao ser confrontada por Mickey (Justin Timberlake). Em seu devaneio repentino, ela se caracteriza e se maquia como se de fato estivesse em cena, evocando os romances e as tragédias gregas que volta e meia referencia ao longo da história e que, ironicamente, quase sempre terminam em um (quase) monólogo como o seu. Tem metalinguagem, tem a linda fotografia de Vittorio Storaro e tem, claro, Kate Winslet afiadíssima como não víamos há muitos anos.

#5 – Confronto em meio às águas em Blade Runner 2049
Desconfie de quem lhe disser que não achou Blade Runner 2049 um arraso do ponto de vista estético. No geral, não sou fã do filme como um todo, que, em contraste, proporciona sequências épicas ao conjugar som e imagem. Uma delas, em particular, consegue me pegar em cheio: aquela em que K (Ryan Gosling), dentro de um veículo prestes a ser engolido pela água, precisa vencer um combate corpo a corpo que salvará não apenas a sua vida, mas também a de outro personagem. O confronto em um espaço minúsculo e pouco a pouco tomado pela água é eletrizante, sem falar dos toques mais do que especiais da fotografia do mestre Roger Deakins e da trilha sonora assinada pela dupla Benjamin Wallfisch e Hans Zimmer.

#4 – Doloroso reencontro em Manchester à Beira-Mar
Longa-metragem mais carregado na dor que passou pelos cinemas brasileiros ao longo de 2017, Manchester à Beira-Mar, em uma das tantas costuras perfeitas de seu roteiro irrepreensível, arrebenta de vez o nosso coração quando promove um cotidiano e inesperado reencontro entre Lee (Casey Affleck) e Randi (Michelle Williams), tempos depois de um doloroso acontecimento. A cena, imersa no exímio controle dramático que o diretor Kenneth Lonergan trabalha ao longo de toda a projeção, tem sentimentos arrasadores porque mostra o quanto a dor faz com que o ser humano coloque a emoção frente à razão, despejando tudo o que estava represado e conferindo inclusive conotações tristes e atrapalhadas para um “eu te amo” que outrora seria cercado de otimismo.

#3 – Noite na praia em Moonlight: Sob a Luz do Luar
Calcado no naturalismo, Moonlight: Sob a Luz do Luar é um filme de estrutura problemática (sigo considerando o terceiro e último capítulo uma falha imperdoável em uma história contada com grande excelência até ali), o que não amortece a lembrança de passagens como aquela em que Chiron (Ashton Sanders), já adolescente, tem o seu primeiro contato íntimo de natureza homossexual, algo que lhe era negado e reprimido até então. O registro é de arrepiar porque, com a beleza estética inerente ao longa, acerta na potência com que mistura a aventura, o perigo e a emoção de um momento divisor de águas para um garoto que já tem a consciência de que a vida quase nunca lhe sorrirá de volta.

#2 – A última noite na casa de Mãe!
Do amor ao ódio, Mãe! ostentou seguramente o título de filme mais polêmico do ano. Tenho certeza que essa era a intenção do diretor Darren Aronofsky, que, com um roteiro repleto de interpretações (bíblicas, sociais, ambientais), entregou cenas para ferver a mente de todo o tipo de público. E o ato final, encenado na última noite na casa da protagonista, usa e abusa de todas as possibilidades, sejam elas dramáticas e técnicas, de seu universo próprio, desafiando as fronteiras das formalidades, das previsibilidades e — o mais importante — daquilo tudo que o espectador gosta de ter ao seu controle quando assiste a um filme. Não é todo dia que vemos um atrevimento delicioso como esse.

#1 – Uma vida passada a limpo em La La Land: Cantando Estações
A vida, ao contrário do que secretamente desejamos, é feita de pequenos momentos e, principalmente, de pequenas escolhas. Mais do que isso: na maioria dos casos, mudamos drasticamente o rumo da nossa existência sem perceber que ele foi transformado pela mais corriqueira das nossas decisões. E La La Land, um musical repleto de momentos emblemáticos, chega ao máximo de sua beleza e emoção ao passar a vida inteira de um casal a limpo em um epílogo de cortar o coração. Fora a trilha instrumental hipnotizante de Justin Hurwitz e toda a parte visual que é um show à parte, a sequência se eterniza por nos lembrar, através da melancolia, de que a vida pode nos pregar peças e obstáculos a todo momento, mas que, no final das contas, apenas nós somos os senhores dos nossos próprios destinos.