Moonlight: Sob a Luz do Luar

What’s a faggot?

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Direção: Barry Jenkins

Roteiro: Barry Jenkins, baseado na história de Tarell Alvin McCraney

Elenco: Alex R. Hibbert, Ashton Sanders, Trevante Rhodes, Naomie Harris, Mahershala Ali, Janelle Monáe, Shariff Earp, Duan Sanderson, Edson Jean, Patrick Decile, Herveline Moncion, Fransley Hyppolite

EUA, 2016, Drama, 111 minutos

Sinopse: Black (Trevante Rhodes) trilha uma jornada de autoconhecimento enquanto tenta escapar do caminho fácil da criminalidade e do mundo das drogas de Miami. Encontrando amor em locais surpreendentes, ele sonha com um futuro maravilhoso. (Adoro Cinema)

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Quando surge pela primeira vez em Moonlight: Sob a Luz do Luar, o pequeno Chiron está correndo incansavelmente. Perseguido por colegas da escola que gritam “bicha!” ao mesmo tempo em que tentam encurralá-lo, o protagonista do filme de Barry Jenkins aos poucos nos revela o seu universo aterrador: negro, pobre e filho de um pai que não conhece e de uma mãe drogada, Chiron, que nem entende muito bem o que é ser gay, mas que já enfrenta o julgamento da sociedade em função de sua natureza, carrega consigo uma série de minorias que o mundo não costuma tratar com muito zelo. Já não é fácil fazer parte de uma ou outra delas, e o que dizer, então, quando é preciso levar todas nas costas. E Moonlight, que não estereotipa qualquer uma das facetas de seu protagonista, é arrebatador por conta de uma escolha muito acertada: a de concentrar seu olhar não na jornada que Chiron enfrenta contra a sociedade, mas contra os fantasmas de sua própria vida e de um destino aparentemente imutável que parece ter sido traçado desde o momento de seu nascimento.

Narrando três momentos da vida de Chiron em uma uma parte de Miami, nos Estados Unidos, movida a drogas, violência e prostituição, Moonlight é um projeto muito pessoal do diretor Barry Jenkins, que gravou o filme com apenas cinco milhões de dólares no bolso. E tudo não poderia ter vindo em momento mais oportuno: quando o mundo discute cada vez mais questões de representatividade, seja de qualquer minoria, o longa surge como uma experiência para lá de catártica. Muito mais do que um filme de incrível relevância temática, Moonlight também é cinema de incrível qualidade e delicadeza. No primeiro capítulo, quando acompanha o protagonista ainda criança, a história tem foco maior nas pessoas que cercam Chiron e como elas serão decisivas para a personalidade que o pequeno virá a moldar. Se o turbilhão do convívio com a mãe drogada parece um beco sem saída, a figura de Juan (Mahershala Ali) vem para transformar sua vida em todos os sentidos, desde a forma como construímos o valor que cada relação familiar tem em nossa vida até a compreensão do quão natural é ser gay e não ser recauchutado por isso. É um desses encontros aleatórios da vida que chegam para mudar toda uma existência – e que, muitas vezes, só mais tarde, tomando certa perspectiva, compreendemos o papel fundamental que eles desempenham nas forças que encontramos para seguir em frente. 

Quando transporta Chiron da infância para a adolescência, Moonlight se entrega muito mais ao protagonista, que agora precisa enfrentar uma das piores partes da vida de qualquer pessoa: a escola. Cada vez mais perseguido por sua natureza sexual, o garoto, que permanece mais tempo no ambiente escolar depois das aulas para não ter que encarar os bulliers que o aguardam do lado de fora para lhe dar uma surra, faz descobertas muito pessoais em relação a si próprio (a cena em que tem um primeiro contato sexual com um homem é de arrepiar de tão natural), dessa vez trilhando o seu próprio destino, já com uma cota bem menor de ajuda do que esperava ter nessa altura da vida. E é nesse capítulo que Barry Jenkins, também roteirista do filme, entrega os momentos mais brilhantes de Moonlight, sendo cuidadoso em tudo o que discute nas entrelinhas (muita coisa está implícita na “brincadeira” que um garoto valentão da escola faz com Chiron em relação à possibilidade de comê-lo caso também fosse gay) e, principalmente, no poder das imagens (a cena na praia onde acontece o primeiro contato sexual do protagonista é arrebatadora, assim como os momentos com a mãe são por vezes assustadores tamanha a composição visual digna de um filme de terror).

Ainda que dividido em capítulos, Moonlight consegue costurá-los com notável proeza, vencendo em um aspecto que considero particularmente decisivo: a capacidade de fazer com que nós, espectadores, continuemos a identificar Chiron em corpo e alma mesmo com a troca de atores e até mesmo de identidades visuais entre cada parte da história. Ironicamente, esse é o mesmo detalhe que sabota o filme em sua terceira e última parte. Afinal, quando Chiron chega à vida adulta, é difícil enxergá-lo na tela, como se não identificássemos, nem mais em seus olhos, o garoto por quem tanto nos afeiçoamos até ali, o que nada tem a ver com o fato do filme apontar para a ideia de que certos destinos são mesmo inevitáveis. Difícil constatar se é a escalação errada de elenco, as longas cenas que nunca alcançam a intensidade que deve vir de uma narrativa de baixa fervura ou simplesmente a personalidade por vezes misteriosa demais de um Chiron que já não encaramos da mesma forma. Tudo parece muito à parte do restante, e um bocado se perde – e até se acovarda – quando Moonlight se propõe a passar a régua e a fechar as contas. Por se tratar do capítulo derradeiro, isso é um problema, pois normalmente a impressão que mais reverbera é a do desfecho. 

Justiça seja feita, entretanto, a méritos que saem ilesos desse importante detalhe, como o alto nível do elenco. Os Chirons dos dois primeiros capítulos são simplesmente fantásticos, em especial Ashton Sanders, que, interpretando o personagem na adolescência, tem os momentos mais expressivos e marcantes de todo o filme (a cena que encerra essa parte é um grito dos mais libertadores). Entre os coadjuvantes, ainda que alguns deles sejam sabotados pelo o roteiro, como Mahershala Ali, que exerce com sabedoria e inteligência um papel importante demais para depois ser escanteado com tanto descaso, há um excelente nível, onde Naomie Harris também merece nota por um trabalho que se esquiva de histrionices e que ganha nova dimensão a partir da informação de que a atriz precisou gravar tudo em apenas três dias (e como sua personagem passa por mudanças significativas, isso é um verdadeiro elogio). Não deixem ainda que a conclusão frustrante de Moonlight amorteça a assombrosa trilha de Nicholas Britell e a fotografia inteligentíssima de James Laxton (Chrion aprendendo a nadar é uma das coisas mais lindas que você verá em 2017). Mais do que isso, leve, após a sessão, a mensagem forte, necessária e impactante que, com o talento de Barry Jenkins, certamente será lembrada por muito, mas muito tempo.

4 comentários em “Moonlight: Sob a Luz do Luar

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  3. Dos filmes indicados ao Oscar, talvez seja o que eu mais quero assistir! Adorei a sua crítica!

    • Kamila, eu gosto muito do filme, mas, como você, tenho alguns problemas sérios com o filme (e o maior deles é o terceiro ato, profundamente falho, ao meu ver).

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