Cinema e Argumento

Longe Dela

Direção: Sarah Polley

Elenco: Julie Christie, Gordon Pinsent, Olympia Dukakis, Deanna Dezmari, Clare Coulter

Away From Her, EUA, 2007, Drama, 105 minutos, 12 anos.

Sinopse: Grant (Gordon Pinsent) e Fiona (Julie Christie) formam um casal feliz, que tem sua vida abalada quando ela apresenta alguns graves sintomas, como perda de memória. Logo vem a confirmação: Fiona está com mal de Alzheimer. Relutante a princípio, ela passa a aceitar a doença e se interna numa clínica. Uma das regras do local é que os pacientes não recebam visitas durante seus primeiros 30 dias. Quando Grant finalmente consegue vê-la, ela já não o reconhece mais. Fiona agora está afeiçoada por Aubrey (Michael Murphy), outro paciente da clínica, o que faz com que Grant tenha que se contentar com sua nova condição de amigo ao mesmo tempo em que tenta ajudá-la a se lembrar do passado.

Logo quando alguém se refere ao filme Longe Dela, logo toda a opinião fica em volta da protagonista Julie Christie, que é a recordista de premiações na categoria de atriz nessa temporada. Contudo, existem outros aspectos do filme que o tornam uma das experiências mais emocionantes da safra do Oscar desse ano. A começar pelo roteiro, adaptado por Sarah Polley e concorrente ao prêmio da Academia, que dá grandes dimensões psicológicas a cada personagem e conduz essa história de forma muito sensível, indo além de uma mera história de amor entre idosos.

Se o sentimentalismo de Vênus era totalmente dependente de seu protagonista, o de Longe Dela está presente em praticamente tudo: nos protagonistas, nos coadjuvantes, nas cenas, na trilha sonora e até mesmo na bela fotografia. Mas tudo está longe de qualquer sentimentalismo barato ou emoções manipuladoras. O filme foi bem emocionante e intenso para mim , sendo um bom exemplar dessa temática que já foi trabalhada em tantos outros filmes como Íris e O Filho da Noiva. Não falta ritmo na narrativa de Longe Dela. O único aspecto que desagrada é o formato de idas e vindas no tempo, que, em alguns momentos, acabam tornando a cronologia um pouco confusa, principalmente no começo.

Na realidade, o personagem de Julie Christie não é o protagonista da história (Gordon Pinsent é quem comanda, e está ótimo), mas é o que mais se destaca. Julie Christie brilha completamente e ilumina cada cena em que aparece. Certamente é o desempenho mais sincero e emocionante que já vi em um filme sobre a respectiva doença. Enfim, Longe Dela é um filme cheio de méritos e que merece ser descoberto, principalmente pelo fato de que trabalha uma história de amor de forma muito bonita e humana.

FILME: 8.5

4

A Lenda do Tesouro Perdido 2

Direção: Jon Turteltaub

Elenco: Nicolas Cage, Diane Krueger, Harvey Keitel, Jon Voight, Helen Mirren, Ed Harris, Bruce Greenwood

National Treasure 2 – Book Of Secrets, EUA, 2008, Aventura, 124 minutos, Livre.

Sinopse: Quando uma página perdida do diário de John Wilkes Booth (Christian Camargo) reparece, o bisavô de Ben Gates (Nicolas Cage) torna-se o principal conspirador do assassinato de Abraham Lincoln. Querendo provar a inocência do parente, Ben reúne mais uma vez a sua equipe e segue uma série de pistas, que os levam de Paris a Londres antes de retornarem aos Estados Unidos.

Sempre achei que o primeiro filme de A Lenda do Tesouro Perdido foi massacrado demais. Criticismo em excesso e exigência exagerada tornaram a aventura estrelada por Nicolas Cage em um completo fracasso de crítica. Porém, fez grande sucesso de bilheteria. Fui contra a maré e achei o primeiro volume bem divertido e descompromissado, ainda que horrivelmente clichê e cheio de falhas. Ou seja, era uma aventura que me entreteu, um guilty pleasure.

Essa continuação que recebe o subtítulo de Livro dos Segredos expandiu o seu lado técnico e aposta muito mais na ação, visualmente bem-feita em função do maior orçamento. Além da ampliação desse setor, ainda temos duas aquisições importantes no elenco: Helen Mirren e Ed Harris. No entanto, achei que a continuação ficou inferior ao resultado do primeiro capítulo, principalmente pelo fato de que parece que esse tipo de filme já está saturado e que não tem mais graça.

A dificuldade do elenco permanece,  em especial no Nicolas Cage (a maior decepção da década) e na extremamente limitada Diane Krueger – ambos em nenhum momento funcionam como mocinho e mocinha. Ele cai na caricatura e ela não tem expressão. Pra completar a inverossimilhança do elenco (que também tem Jon Voight, totalmente apagado) ainda foi adicionado Ed Harris nesse filme que, assim como Cage, cai em excessos ao interpretar seu papel.Só quem se salva mesmo é a novata na série Helen Mirren, fazendo um típico papel de “entre tapas e beijos” com Voight. Ela tira o melhor de seu papel cretino e acaba sendo uma boa surpresa.

Um pouco longo e sem uma história mais concreta, Livro dos Segredos é diversão inofensiva, daquele tipo em que deve-se assistir sem cérebro e senso crítico. Sucesso nos Estados Unidos, essa continuação não alcança o mesmo nível do anterior, mas deixa o resultado de entretenimento igualmente competente. Deve originar mais outra continuação para completar uma trilogia. Só rezo que o filme se reinvente e não se limite a ser apenas uma correria ameaçada por um bandido e que leve os heróis a uma caverna com minas de ouro e final feliz para todos. Afinal, não quero ver mais do mesmo, principalmente quando tudo já saturou.

FILME: 6.0

25

Electroma

Existe uma certa música do Daft Punk que se chama Human After All. Esse filme deles, Electroma, trabalha em grande potencial esse assunto: a humanidade. A produção mostra a jornada de dois robôs em busca de uma alma, querendo uma inserção no mundo dos sentimentos e das emoções. Essa jornada deles é totalmente sem diálogos (nenhuma palavra é dita durante toda a projeção) e toda a emoção da história é transmitida através de tomadas silenciosas e cenas embaladas por emocionantes canções que em diversos momentos alcançam níveis extraordinários (fiquei com três momentos na cabeça durante um bom tempo). De início, Electroma é um filme meio perturbador e estranho: o silêncio grita aos ouvidos e os personagens são muito bizarros. Leva-se um tempo para se acostumar a esse estilo, que em diversas partes lembra outros filmes, mas, aos poucos, a produção vai envolvendo e conseguindo ficar cada vez mais interessante em suas intenções e em sua sincera dramaticidade. Com ligeiros 70 minutos de duração, é bem restrito e para um público mais seleto: um público de “arte”, que entende as entrelinhas e tudo o que se esconde em um silêncio subjetivo. Não digo que fui completamente envolvido e nem que me apaixonei pelo filme, mas o fato é que Electroma foi uma experiência única para mim, conseguindo ser mais emocionante do que muitos dramas enfadonhos e manipuladores que andam por aí.

FILME: 8.0

35

O Caçador de Pipas

Direção: Marc Forster

Elenco: Khalid Abdalla, Atossa Leoni, Homayoun Ershadi, Zekeria Ebrahimi, Shaun Toub, Nabi Tanha

The Kite Runner, EUA, 2007, Drama, 124 minutos, 14 anos.

Sinopse: Depois de passar anos na California, Amir (Khalid Abdalla) retorna para a sua cidade natal, no Afeganistão, para tentar corrigir erros do passado. Ele também terá de ajudar o filho de seu amigo de infância, que está com sérios problemas.

Estranho. Achei o filme e o livro de O Caçador de Pipas totalmente diferentes. Eu não deveria ter essa sensação, uma vez que o filme de Marc Forster é plenamente fiel ao best-seller de Khaled Hosseini. Falando em Marc Forster, ele prova aqui que a palavra ”versatilidade” lhe cai muito bem, pois realiza um de seus melhores trabalhos como diretor. A produção é meticulosamente cuidadosa em todos os seus setores e especialmente na primeira hora do filme, que retrata a infância do protagonista. É nessa parte também que o filme funciona melhor, onde é mais sentimental, emocionante e verossímil. A adaptação teve pleno êxito nos primeiros momentos, que realmente ficaram muito interessantes.

Já a segunda hora e os momentos finais não conseguem conquistar, já que tudo é muito vazio e sem sentimento. De uma certa forma, a adaptação do best-seller é digna e consegue traduzir muito bem todo o espírito que o escritor Khaled Hosseini transmitia em sua obra, mas não consegui me sentir confortável com a história e muito menos me emocionar.Não é um produto comercial e gostei bastante disso. Em momento algum notamos que o filme quer apenas “ganhar dinheiro”, muito pelo contrário, tudo parece ter sido feito com amor ao livro. O fato é que eu li a história faz bastante tempo, então a versão cinematográfica não teve tanta graça porque eu já sabia tudo o que estava por acontecer.

A trilha sonora de Alberto Iglesias, que foi indicada ao Oscar, é ótima, mas de maneira nenhuma oferece riscos para a melhor trilha desse ano: a de Dario Marianelli, em Desejo e Reparação. O desconhecido elenco de O Caçador de Pipas realiza um trabalho surpreendente, todos excelentes, principlamente o elenco mirim e o protagonista Khalid Abdalla. Um filme nada mais que satisfatório, sem ousadias ou novidades. Em termos de adaptação está ótimo. Só faltava ser um pouco mais contundente como cinema…

FILME: 7.0

3

Juno

Direção: Jason Reitman

Elenco: Ellen Page, Jennifer Garner, J.K. Simmons, Allison Janney, Michael Cera, Jason Bateman

EUA, 2008, Comédia, 105 minutos, 10 anos.

Sinopse: Quando a adolescente Juno (Ellen Page) aos 16 anos de idade descobre-se grávida do namorado (Michael Cera), ela decide procurar pais adotivos para o filho que não deseja ter. Contando com o apoio de seu pai (J.K. Simmons) e de sua madrasta (Allison Janey), Juno entrará em uma jornada sobre qual a importância de crescer e superar os tombos da vida.

Logo quando Juno começou a fazer sucesso nas premiações, o público considerou essa produção independente como o Pequena Miss Sunshine de 2008. Qualquer comparação com o bem-sucedido filme de Jonathan Dayton e Valerie Farris é inútil, uma vez que Juno se difere totalmente, com exceção na aura de comédia indepentente com rumo à carreira de produção cult no futuro. A segunda incursão do diretor Jason Reitman no cinema (o primeiro foi o bom Obrigado Por Fumar) trouxe grandes frutos para a equipe envolvida. O filme recebeu quatro indicações ao Oscar e é favorito para levar o importante prêmio de roteiro original.

Sem dúvida alguma, Juno veio dar continuidade ao efeito que Pequena Miss Sunshine criou ano passado: o de que filmes baratos e independentes podem sim ser melhores do que produções caras e grandiosas. Durante todo o filme fica claro essa intenção, porque o roteiro tem um charme único, um humor muito sincero e um caráter inofensivo. Se eu tivesse que dizer a razão de toda a badalação em torno dessa comédia seria a sua simplicidade. Nada é grosseiro, clichê e muito menos forçado. A roteirista Diablo Cody (em sua estréia no cinema como roteirista) transportou um tema pesado – a gravidez na adolescência – para um tratamento agradável, abrangendo todos os públicos, que certamente irão se envolver com a jornada rumo à maturidade da protagonista.

Óbvio que para um filme como esse, uma protagonista carismática e competente é necessária. A escolhida da vez é Ellen Page, que anteriormente havia mostrado competência no péssimo Menina Má.Com e que aqui tem a verdadeira chance de alçar vôo em sua carreira. A jovem atriz de 20 anos se mostra confortável e muito segura no papel, conseguindo segurar tranqüilamente as rédeas da ótima personagem e merecendo sua indicação ao prêmio da Academia. Mas, não estaria ela interpretando a si mesma? O elenco de suporte não possui maiores destaques, tendo como coadjuvantes Allison Janney (a namorada de Meryl Streep em As Horas) e J.K. Simmons. Quem mais chama a atenção é Jennifer Garner, muito simpática e em bom desempenho.

Um outro aspecto que me deixou bastante satisfeito foram as canções, agradáveis e encantadoras. Por mais que sejam utilizadas em excesso, combinam perfeitamente com cada momento e com cada cena. Apesar de todos esses meus elogios, não achei Juno tão original assim. O sucesso e o encantamento em volta do filme devem-se apenas ao grande poder de conquistar com sua simplicidade. Até achei bastante estranho a Academia ter dado tanta ênfase para esse filme em um ano tão concorrido (absurdo Joe Wright ter sido eliminado da lista de direção por Desejo e Reparação e ter “cedido” o lugar para Jason Reitman, por exemplo). Juno, com certeza, vai achar seu público…

FILME: 8.0

35

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