In den wolken!
Direção: Ruben Östlund
Elenco: Harris Dickinson, Charlbi Dean, Dolly De Leon, Vicki Berlin, Woody Harrelson, Zlatko Buric, Alicia Eriksson, Carolina Gynning, Amanda Walker, Sunnyi Melles, Iris Berben, Oliver Ford Davies, Ralph Schicha, Arvin Kananian, Henrik Dorsin
Triangle of Sadness, Suécia/França/Reino Unido/Alemanha/Turquia/Grécia, 2022, Comédia, 147 minutos
Sinopse: Modelos e influenciadores do mundo da moda, Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean) são convidados para um cruzeiro a bordo de um luxuoso iate na companhia de outros tripulantes multimilionários. Tudo termina de forma catastrófica quando eles ficam encalhados em uma ilha deserta, onde a hierarquia de classes sofre uma súbita reviravolta.
Em sua cena mais catártica, Triângulo da Tristeza coloca dois personagens embriagados e de ideologias opostas para literalmente recitarem piadas sobre comunismo e capitalismo. Gosto de pensar que ela representa muito bem o novo filme do sueco Ruben Östlund, já que, pela primeira vez, o diretor parece ter decidido abandonar o verniz de filme sério ou de arte que sempre aplicou em seus projetos. Os questionamentos em torno da masculinidade em Força Maior e a acidez ao tratar o mundo da arte em The Square eram interessantes, mas bem menos originais ou profundos do que suas celebrações mundiais sugeriram. Já em Triângulo da Tristeza, não há pose ou meias palavras, e isso é muito saudável, pois se alinha com as verdadeiras qualidades e fragilidades de um diretor que agora revela ter até uma vocação mainstream.
Afirmo aqui, sem muito medo de errar, que Triângulo da Tristeza não mudará a opinião de ninguém sobre Östlund, para o bem e para o mal. É bem provável, inclusive, que esse filme potencialize os (des)afetos de cada um em torno do diretor. No caso do Festival de Cannes, é puro amor: em apenas cinco anos, foram duas Palmas de Ouro para Östlund, feito alcançado apenas por um seleto grupo que inclui nomes como Francis Ford Coppola, Ken Loach, Michael Haneke e os irmãos Dardenne. Fico em um meio terno, sem ir ao céu ou ao inferno. O que sempre acho interessante é o alvoroço causado por Östlund, pois as discórdias acabam sendo o combustível de seu nome e de suas obras. Digo que as opiniões sobre ele seguirão as mesmas porque Triângulo da Tristeza chuta o balde ao abraçar um caldeirão de temas efervescentes: diferença de classes, mídias sociais, o mito da beleza, o status do dinheiro… Não há economia na escolha de assuntos.
Além disso, Triângulo da Tristeza tem zero sutileza, encenando de grandes bebedeiras a vômitos incontroláveis, e já começa bastante explicativo, contando ao espectador que o tal triângulo da tristeza se refere à parte do rosto entre as sobrancelhas que os modelos contraem para parecerem sérios ou sensuais em ensaios fotográficos e desfiles. Tudo é ipsis literis, e essa falta de minúcias costuma ser vista como demérito. Mas, afinal, por que o escracho haveria de ser problema para um filme quando vivemos nesse mundo em que governantes parecem saídos de esquetes cômicas e pautas ressurgem como ainda mais força quando pensávamos que elas haviam sido superadas? Só é possível tratar os horrores dos nossos tempos com discrição? O ridículo não seria o registro dessa vida que vivemos e vemos todos os dias na TV?
Nesse sentido, o longa muito se assemelha a filmes como Não Olhe Para Cima e Medida Provisória porque considera a caricatura da vida real um elemento mais do que suficiente para a ficção. Não à toa, estamos falando de filmes que, em suas respectivas dimensões, foram sucesso de público. É por isso que afirmo a vocação mainstream do novo longa de Östlund: ela não se dá somente pelo tom cômico, mas também por essa nossa ampla familiaridade com os ricos patéticos e cafonas da trama, figuras universais em noticiários diários. De fabricantes de granadas a oligarcas russos, o iate de luxo de Triângulo da Tristeza é um amontoado de pessoas que, na situação de naufrágio anunciada já na sinopse, acabam não servindo para nada. Ao tratá-los com deboche, o filme garante que todos se tornem detestavelmente interessantes de acompanhar, efeito semelhante ao que Mike White alcançou no excelente seriado The White Lotus.
Entre o desprezo e o ridículo, Östlund oferece momentos catárticos, como a já famosa cena de jantar que estampa cartazes alternativos do filme. Eles abrem portas para que Triângulo da Tristeza, ao contrário de Força Maior e The Square, se comunique com mais plateias e principalmente nivele as vocações do diretor com aquilo que de fato ele entrega, sem disfarces. No que me toca, acho que o sueco convida o espectador para uma experiência com a qual é difícil rivalizar se houver sintonia com a atmosfera. Até mesmo os momentos escatológicos e as brigas fúteis de gente rica funcionam aqui, muito em função do ótimo elenco, com destaque para a faxineira vivida por Dolly De Leon e para a dinâmica entre Harris Dickinson e Charlbi Dean — ela, por sinal, em seu último trabalho devido a uma morte prematura aos 32 anos de idade.
Acontece que Triângulo da Tristeza não ressoa por muito tempo após a sessão, o que não costuma ser bom sinal. Apesar dos absurdos tão familiares e da assertividade de Östlund em não tentar dar um passo maior do que a perna, o longa carece de certa potência. E tenho lá alguns palpites para as razões desse desencontro. Um deles é a tendência do roteiro em às vezes se importar mais com os temas do que com os personagens, reduzindo coadjuvantes a piadas pontuais, por exemplo. O outro talvez seja mais importante. Com a velocidade que as coisas se movem nos dias de hoje, tendências e ideias têm prazos mais curtos de validade. O que é descoberta logo vira tendência – e, por fim, uma fórmula que precisa ser repensada, recriada, reimaginada. Triângulo da Tristeza não chega a soar como piada velha, mas está nessa linha tênue entre surfar na onda do momento e se tornar uma piada já contada repetidas vezes.
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