Nascido em 1957 na Alemanha, Hans Zimmer é um dos nomes mais icônicos do cinema contemporâneo quando o assunto é trilha sonora. Uma breve retrospectiva já dá conta de sublinhar essa afirmação: O Rei Leão, Gladiador, Piratas do Caribe, Madagascar, O Código Da Vinci e A Origem são apenas alguns dos títulos assinados por Zimmer, que transita por todos os gêneros com imensa naturalidade. Sua carreira como compositor já contempla mais de 200 títulos e tem como marca inegável a criação de temas inesquecíveis. Como não lembrar, por exemplo, das melodias para os Batmans de Christopher Nolan ou, então, da música de abertura do seriado The Crown?
Ele também é um dos vários artistas renomados que dividiram seus conhecimentos através dos cursos oferecidos pela plataforma Masterclass. No ano passado, compartilhei por aqui o que tirei de melhor da minha primeira experiência com as aulas de interpretação ministradas por Helen Mirren. Agora, reproduzo abaixo, em 20 tópicos, algumas anotações sobre o curso de trilha sonora com Hans Zimmer. Não se trata de um programa de ensino voltado a uma formação no campo de composição musical, mas sim um compilado de insights para quem deseja trabalhar na área ou já tem certa experiência. Ainda serve, claro, como uma excelente contribuição para quem deseja apenas apurar o olhar e os ouvidos cinematográficos.
Aos que, assim como eu, são fãs de Hans Zimmer, o curso é uma prazerosa viagem pelos processos criativos do compositor. Das primeiras notas musicais colocadas no rascunho de um novo projeto aos importantes testes com plateias, Zimmer rejeita qualquer postura de superioridade. Pelo contrário: sua atitude é sempre de alguém que, apesar da imensa experiência, está em constante aprendizado e enxerga, em cada novo projeto, a chance de fazer algo completamente diferente. Minha única ressalva fica para o fato de que Zimmer se debruça demais sobre as trilhas feitas para os filmes de Christopher Nolan e não se aprofunda tanto em outros de seus trabalhos importantes de décadas passadas, como O Rei Leão, Conduzindo Miss Daisy, Thelma & Louise e Rain Man. Frente ao resto, não passa de mero detalhe.
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1. Trilhas sonoras são universos paralelos que precisam estar primeiramente alinhadas às ideias do diretor ou diretora. Todos os outros envolvidos no filme são secundários neste processo de criação;
2. Uma trilha sonora não é feita somente após o término de um filme. Trata-se de uma suposição ainda feita por muitos, mas que precisa ser corrigida;
3. Um bom compositor deve estabelecer criativas e imediatamente quebrá-las. O importante é estar alinhado com o espírito e as intenções do filme;
4. Cineastas se transformam ao longo das gravações, e isso pode ser bom, mas cabe ao compositor sempre lembrá-los, entre outras coisas, dos instintos e das intenções que os levaram até o projeto em questão;
5. As trocas entre compositores e cineastas não devem ter uma essência “nerd”. O que menos interessa é como uma trilha sonora é concebida tecnicamente;
6. Não importa quantas trilhas sonoras alguém já compôs. Cada novo filme é uma página em branco;
7. Músicas podem e devem ser sobre algo mais abstrato e sobre atmosferas. O resto é somente procrastinação para não escolher a próxima nota;
8. A relação entre o compositor e o diretor de fotografia é de coexistência, pois o primeiro mostra o que ouvir e o segundo apresenta o que ver;
9. Parte da receita é muito simples: pensar a trilha sonora para o filme como um todo, e não cena por cena ou tema por tema. Isso atrapalha o fluxo criativo;
10. Filmes são exercícios humanos muito complicados, pois ninguém tem a certeza que está fazendo algo grandioso até que todas as peças se juntem. O mesmo acontece com as trilhas sonoras;
11. Um equívoco comum é convocar compositores por último, como se eles tivessem a responsabilidade de consertar algo que não funcionou, como ritmo e emoções;
12. O propósito de uma trilha sonora é convidar o espectador a preencher lacunas e deixar que ele tenha suas próprias conclusões e seja guiado pela intuição;
13. O montador é o “baterista” do filme, pois define o ritmo de tudo. Em qualquer projeto, o compositor deve achar um modo de estar sintonizado com quem responde pela montagem;
14. Uma trilha sonora se torna outra coisa quando você escolhe os intérpretes e os instrumentos certos para ela. Não é apenas sobre ter boas partituras;
15. Ideias não devem ser limitadas por orçamento. É possível fazer coisas muito divertidas com poucos recursos, e outras muito monótonas em grandes produções;
16. Um quarteto de cordas pode ter o mesmo impacto do que uma grande orquestra. Dimensões são definitivamente relativas;
17. Um compositor deve incentivar a orquestra, conquistar seu respeito e entender a musicalidade de cada músico. Mais uma vez, o segredo é ir além da técnica;
18. A música é uma arte “indefensável” e de difícil argumentação. Você simplesmente gosta ou não gosta. Ela simplesmente funciona ou não funciona. Eis uma grande complexidade que deve ser levada em conta;
19. Boas trilhas fazem coisas inesperadas. Isso por si só já provoca, lança questões e coloque em xeque aquilo que o público acha que já sabe sobre um personagem como Sherlock Holmes, por exemplo;
20. Mais do que ouvir diretores e produtores, um compositor deve estar intimamente em sintonia com as plateias. São elas, formadas por centenas, milhares ou milhões de pessoas, que confirmam ou desmentem certezas de bastidores.