Rapidamente: “5 Casas”, “A Porta ao Lado”, “A Queda” e “Retrato de Mike Nichols”

cincocasasfilme

5 Casas foi o grande vencedor da mostra gaúcha de longas do 50º Festival de Cinema de Gramado.

5 CASAS (idem, de Bruno Gularte Barreto): Grande vencedor da mostra de longas-metragens gaúchos do Festival de Cinema de Gramado deste ano, 5 Casas é um documentário intimista que leva o diretor Bruno Gularte Barreto de volta a Dom Pedrito, pequena cidade onde nasceu no interior do Rio Grande do Sul. O foco está em cinco casas povoadas de histórias da sua infância, e o viés extremamente pessoal conferido ao projeto jamais se aproxima de uma viagem em torno do próprio umbigo. Pelo contrário: 5 Casas é melancólico e delicado ao costurar a história de Barreto com a de outras pessoas, entre elas, a de um jovem vítima de preconceitos por conta de sua homossexualidade e a de uma freira prestes a ser transferida da escola em que trabalhou por décadas. A melancolia se evidencia nesse contraste que o diretor faz entre quem ficou na cidade e quem foi embora, enquanto a delicadeza é depositada na maneira muito calma e nada invasiva com que os depoimentos são registrados. Intercalando e guiando o filme está a narração do próprio Barreto, sempre capaz de fazer observações certas nos momentos mais apropriados, além de conferir uma certa poesia a um filme já contemplativo em seu tom memorialístico. É um longa-metragem de estreia que revela um diretor promissor no olhar maduro atribuído a histórias cotidianamente íntimas e no seu relato inicialmente pessoal levado a um plano mais universal, trazendo nas histórias narradas um Brasil acometido, entre outras coisas, pela homofobia e pelos avanços das incorporadoras imobiliárias.

A PORTA AO LADO (idem, 2022, de Júlia Rezende): Foi um corpo estranho no último Festival de Cinema de Gramado, pois não conversava com a seleção extremamente engajada do ponto de vista social e político. À parte isso, realmente não me envolvi com A Porta ao Lado, oitavo longa-metragem de Júlia Rezende. O filme propõe um olhar contemporâneo sobre modelos de relacionamento, tendo dois casais no centro de história. Ambos reavaliarão seus conceitos e ideias sobre suas dinâmicas afetivas a partir do momento em que passam a ser vizinhos de porta. No entanto, falta certa perspicácia ao texto, que, a meu ver, é construído a partir de bases estereotipadas. No que se tange às possibilidades de uma argumentação, soa fácil demais colocar o casal monogâmico como certinho, rotineiro e de cabeça fechada, enquanto o par de relacionamento aberto é descolado, disruptivo e criativo. Talvez essa seja a amostragem comportamental mais expressiva das relações que adotam os respectivos formatos, mas ela não é de muita ajuda para tornar A Porta ao Lado uma leitura encorpada sobre como vivemos tempos que tanto questionam padrões. O elenco, apesar de entrosado, é irregular e fica sem ter muito para onde ir devido a esse olhar do roteiro. De qualquer forma, eles acabam por segurar uma trama de caminhos já conhecidos em muitos aspectos. Isso, por outro lado, deixa A Porta ao Lado em uma zona mais acessível e que, dada a vocação da filmografia de Júlia Rezende, pode lhe garantir outro sucesso comercial como Meu Passado Me Condena e De Pernas Para o Ar 3, o que, vale frisar, não é demérito.

A QUEDA (Fall, 2022, de Scott Mann): Há 20 ou 30 anos, teria feito certo sucesso. Hoje, não passa de uma tentativa empoeirada de causar frisson e medo com uma situação de risco muito curiosa e que se sobrepõe à preocupação de criar um bom roteiro. No caso, estamos falando de duas amigas que resolvem escalar sozinhas uma abandonada torre de rádio nos Estados Unidos. A altura é realmente de dar calafrios e, em certa dose, A Queda proporciona bons momentos ao brincar com a vertigem. Acontece que isso é pouco para sustentar um longa-metragem, especialmente quando ele é mal escrito e protagonizado por atrizes muito fracas. O roteiro exige imensa boa vontade do espectador para acreditar em circunstâncias das mais esdrúxulas — afinal, como acreditar que duas pessoas seriam tão tolas de escalar uma torre abandonada e de estrutura tão precária sem o mínimo de segurança ou contato com o mundo exterior? E por aí vai: bateria de celular durando mais de 48 horas, personagens tirando forças sabe-se lá de onde, cordas que não arrebentam em situação alguma… No meio de tudo isso, querendo dar algum peso dramático, o roteiro introduz os batidos traumas passados para que tudo resulte em uma experiência de superação e autoconhecimento. Tem como levar a sério? Claro que não, o que não seria um problema se A Queda fosse minimamente habilidoso ao causar angústia por méritos próprios e não por apenas se aproveitar dos medo e enjoos de uma situação já naturalmente incômoda.

RETRATO DE MIKE NICHOLS (Becoming Mike Nichols, 2016, de Douglas McGrath): Mike Nichols é, com certeza, um dos diretores do qual mais sinto falta no cinema norte-americano. Ele nos deixou em 2014, vítima de infarto, e seu legado é uma filmografia preciosa. Parte dela é recuperada nesse documentário-entrevista gravado quatro meses antes da sua morte, no Golden Theatre da Broadway. Obviamente, o formato assumido de entrevista, intercalado com imagens de filmes e momentos de sua carreira, acaba limitando o documentário do ponto de vista criativo, mas a conversa flui com grande naturalidade, tanto por Nichols ter sido um cineasta inteligente quanto pela condução de Jack O’Brien, diretor teatral e seu amigo muito próximo. O tom de intimidade traz leveza a um documentário que busca investigar o início da carreira de Nichols e sua escalada de sucesso até o Oscar de melhor direção por A Primeira Noite de Um Homem. Com esse recorte, ficam de fora marcos que renderiam outra grande conversa, a exemplo das espetaculares adaptações de Angels in America e Closer – Perto Demais e a prolífera parceria com Meryl Streep em obras como Lembranças de Hollywood, Silkwood e A Difícil Arte de Amar. Isso, entretanto, não é problema, ja que o início da carreira de Nichols é igualmente interessante. O olhar especial dado ao teatro se destaca, claro, por ser a origem de sua carreira artística e também porque seria a porta de entrada para a estreia no cinema, dirigindo, logo de cara, a dupla Elizabeth Taylor e Richard Burton em Quem Tem Medo de Virginia Woolf?. Ou seja, por mais que Retrato de Mike Nichols se limite a ser apenas o registro de uma conversa, o resultado é plenamente compensado pelo brilhantismo de seu personagem.

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