O que aprendi tendo aulas de interpretação com Helen Mirren

Já fazia bastante tempo que eu estava de olho nos cursos do Masterclass antes de finalmente tomar a decisão de me matricular em um deles. Não pensei duas vezes ao escolher a minha primeira investida: um curso sobre interpretação com ninguém menos do que Helen Mirren. Não sou ator. Nem tenho a pretensão de ser. Mas, como alguém que ama atrizes e escreve sobre cinema, achei que essa seria a oportunidade perfeita para ampliar meu olhar e entender um pouco melhor sobre vários processos de criação que vemos se materializar em frente às câmeras. E, após 28 aulas, o que tenho a dizer é que eu deveria ter apostado antes nos cursos do Masterclass. Certamente farei outros pela frente.

Não estou aqui, no entanto, para fazer propaganda da marca e sim para compartilhar com vocês um pouco do que aprendi com Helen Mirren sobre ela, sobre ser atriz e sobre os bastidores de um longa-metragem a partir de um ponto de vista particular. Mirren diz que essa é a primeira vez que fala sobre seu ofício de forma tão sistemática. Ela começa, aliás, dizendo que não existe nada mais difícil o que ser ela mesma em frente às câmeras. Bobagem. Ao longo das 28 aulas, a atriz é muitíssimo autêntica, natural e inspiradora em todos os tópicos que pontua, refletindo sobre leituras de roteiro, audições, escolhas de papeis, construções de personagens e as relações que precisam ser estabelecidas tanto com outros atores quanto com qualquer profissional no set de filmagens.

De Bette Davis a Al Pacino, passando por Hamlet, Shakespeare e tantos outros escritores, roteiristas, atores e diretores, Helen Mirren não poupa elogios e menções a todos aqueles que lhe inspiram desde o momento em que se viu em um caminho sem volta quando foi pela primeira ao teatro. Ela incorpora todas as suas vivências e relações a aulas com tópicos específicos e também aos estudos de caso de sua carreira, passando por obras como Elizabeth I, Prime Suspect e A Rainha. É fascinante descobrir os segredos de interpretação de uma atriz tão respeitada e premiada. Obrigado, Helen Mirren! Daqui para frente, como espectador e crítico, me sinto muito mais enriquecido para testemunhar uma interpretação. Abaixo, compartilho com vocês, em 20 tópicos, o que aprendi sobre interpretação a partir de uma perspectiva “mirreniana”.

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1. Uma atriz precisa fazer todos os seus trabalhos com a mesma dedicação. Ela própria diz ter feito Red e A Tempestade, por exemplo, sem distinguir seu nível de interesse ou comprometimento com os respectivos filmes;

2. Não há nada melhor do que ouvir os instintos e encontrar liberdade naquilo que se faz. Somos pessoas únicas, e não há ninguém nesse mundo com quem possamos nos comparar;

3. Uma atriz não deve “desaparecer” em seus papeis, mas sim se revelar;

4. Antes de uma atriz entender se é a pessoa certa para determinado papel, ela deve descobrir se consegue trabalhar com o diretor em questão, sem ter medo de compartilhar suas ideias;

5. A melhor forma de uma intérprete avaliar um roteiro é o lendo de trás para frente: frequentemente, se a personagem aparece nas cenas finais, o papel vale a pena, pois significa que ela foi marcante para a trama. Quanto mais cedo e de maneira mais displicente a personagem sai de cena, menos ela importa;

6. As primeiras reações ao ler um roteiro são sempre as mais confiáveis. Uma atriz é sempre a primeira espectadora do filme que ainda está no papel;

7. Não existe texto mais difícil para interpretar do que qualquer um escrito por Shakespeare. No entanto, o fascínio de interpretá-lo é que, a cada novo espetáculo ou filme, sempre surgem novos significados, incluindo aqueles que, a princípio, só você descobre;

8. Se puder, pegue o metrô ou o ônibus para imaginar as histórias das pessoas que você encontra. A realidade é sempre mais interessante do que qualquer roteiro que possa ser escrito;

9. Vá além do que lhe é entregue: imagine o background do seu personagem e imagine aquilo que ele possa ter vivido e que não está no roteiro. Detalhe importante: não compartilhe com ninguém esse exercício de imaginação e use apenas na sua interpretação;

10. Se o filme em questão é de viés histórico, uma atriz deve fazer a sua pesquisa como uma atriz e não como uma historiadora. Por exemplo: reis e rainhas acreditam que foram colocados no trono por Deus. A informação é interessante, mas o que isso pode significar para a sua construção dramática de uma personagem?;

11. Conheça antes o set e os cenários. Observe as cores, a decoração e tudo aquilo que pode ajudar ou atrapalhar o uso dos figurinos. Torne toda roupa usada em cena real: amasse, dobre, tire qualquer vestígio de que as peças saíram dos costureiros direto para você;

12. Nunca tome como certo aquilo que você “acha” que conhece. Pesquise, leia, vivencie o que você tem qualquer suspeita de não conhecer. Busque sempre ter propriedade;

13. O papel exige sotaque? Então trabalhe e ensaie muito. Não há métodos ou o que se fazer em relação a isso. Um bom auxílio é ter algum nativo do idioma em questão trabalhando junto na preparação, mas alguém que não tenha formação ou experiência em interpretação;

14. Você não pode ser uma boa atriz sem ter o mínimo de técnica e disciplina. Trabalhar apenas a partir do improviso e da intuição pode levar uma intérprete ao completo caos;

15. Uma atriz precisa sempre estar aberta a refazer uma cena, seja por causa do som ou de qualquer outro detalhe técnico. Pouco importa se ela deu a performance da vida. Ser sensível ao trabalho dos colegas é indispensável;

16. É fundamental dar atenção especial aos detalhes, gestos e olhares que podem fazer a diferença na composição de uma personagem. Valorize as cenas sem falas e diálogos porque elas destacam o interior e outras formas de se expressar que valem mais do que monólogos;

17. Toda atriz precisa ter a coragem e se sentir à vontade para falar como se sente em relação às cenas a serem gravadas. O que faz sentido para um diretor ou para um fotógrafo pode não fazer para quem interpreta uma personagem;

18. Como um filme pode ser gravado fora de ordem cronológica, é fundamental saber o contexto da cena que está sendo filmada. Ter um diálogo constante com o montador pode ajudar a atriz a a modular a interpretação e encontrar um bom ritmo;

19. Jamais ensaie em frente a um espelho. Isso vai na direção oposta da essência da profissão. O que deve ser priorizado é o que se passa por dentro;

20. Tente sempre que o próximo papel seja o mais diferente possível do atual. Nem sempre é possível, mas vale abraçar essa lógica toda vez que surgir a oportunidade.

3 comentários em “O que aprendi tendo aulas de interpretação com Helen Mirren

  1. Pingback: O que aprendi tendo aulas de trilha sonora com Hans Zimmer | Cinema e Argumento

  2. Muito obrigado por compartilhar esse aprendizado. Não conhecia o site. Já estou olhando alguns cursos :)

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