Passei a pensar muito mais sobre envelhecer desde que conheci a obra da pesquisadora e antropóloga Mirian Goldenberg em um trabalho que realizamos juntos no ano passado. Mirian é a maior ativista pela ideia de uma bela velhice que temos, e a missão diária abraçada por ela para quebrar todos os tabus e preconceitos envolvendo o envelhecimento deveria ser uma bandeira de todos. Trago-a como contextualização porque Good Luck to You, Leo Grande é, de certo jeito, a adaptação cinematográfica de tudo o que Mirian vem questionando ao longo dos anos, inclusive a mesma naturalidade, transparência e delicadeza.
Neste filme estrelado por Emma Thompson, conhecemos Nancy Stokes, uma mulher que está prestes a receber a visita de um garoto de programa depois de dias, meses e até anos pensando na ideia de chamá-lo. O filme se desenrola não apenas a partir desse encontro, mas de quatro que Nancy terá com o jovem Leo (Daryl McCormack). Nem tudo, entretanto, é simples. Muito pelo contrário. Professora aposentada de educação religiosa, Nancy perdeu o marido com quem estava casada há 31 anos e tem plena consciência de que, ao longo da vida, nunca soube o que era sexo de verdade. Sexo bom, muito menos.
Nem preciso entrar em detalhes sobre a importância de um filme como esse ser escrito e dirigido por mulheres como de fato o é, mas vale reforçar que somente com essa composição ele teria tamanha sensibilidade. Como roteirista, Katy Brand usa a história de Nancy para falar sobre a história de muitas como ela. Mulheres que se casaram cedo demais e só tiveram um homem na vida. Esposas que viveram uma vida de sexo protocolar e sem orgasmos. Figuras femininas que não aprenderam a admirar seu próprio corpo — e pior: sempre estiveram inclinadas a depreciá-lo. No mundo delas, vaidade nunca foi uma qualidade, mas sim um julgamento.
Desde o início, é possível deduzir todo o desenrolar de Good Luck to You, Leo Grande, algo que o roteiro não faz questão de esconder. E isso não diminui o bonito arco dramático de Nancy, uma mulher insegura, impaciente e nervosa que, a cada novo encontro com Leo, passa a compreender coisas que ela nunca imaginou poder compreender. Vê-la confessando que nunca bebeu demais, viveu uma aventura, deixou de atender um telefonema de quem quer que fosse e ou deixou de considerar os filhos um fardo depois de adultos confirma que o filme é um retrato fiel do que a sociedade injustamente impõe às mulheres, ainda mais na terceira idade, quando a liberdade ainda segue sendo um elemento desconhecido.
É fácil dar um desconto para eventuais previsibilidades de Good Luck to You, Leo Grande porque a diretora Sophie Hyde não tenta fazer do longa mais do que ele realmente é. O exercício de Sophie é dar graça e verossimilhança a um filme passado em um único cenário e com apenas dois atores. E ela se sai bem especialmente em função da presença de uma grande atriz como Emma Thomspon, totalmente entregue ao papel. Seu talento de sempre está ali, em uma performance também sem qualquer tabu. Há um momento em que Emma, aos 62 anos de idade, literalmente se despe para observar em detalhes seu corpo nu frente a um espelho, aceitando-o como ele é. Não vejo melhor momento para imaginar o quanto esse projeto faz sentido para Emma e o quanto ele também fará para tantas outras mulheres mundo afora.
Good Luck to You, Leo Grande review
I started to think a lot more about aging since I got to know the work of brazilian researcher and anthropologist Mirian Goldenberg. Mirian is the biggest activist for the idea of a beautiful aging that we have, and the daily mission embraced by her to break all the taboos and prejudices surrounding aging should be a flag for everyone. I bring it as contextualization because Good Luck to You, Leo Grande is, in a way, the film adaptation of everything Mirian has been questioning over the years, even with the same naturalness, transparency and delicacy.
In this film starring Emma Thompson, we meet Nancy Stokes, a woman who is about to receive a visit from a male escort after days, months and even years of thinking about the idea of calling him. The film unfolds not just from that encounter, but from four encounters that Nancy will have with young Leo (Daryl McCormack). Not everything, however, is simple. Quite the opposite. A retired teacher of religious education, Nancy lost her husband to whom she had been married for 31 years and is fully aware that throughout her life she never knew what real sex was, let alone good sex.
I don’t even need to go into details about the importance of a film like this being written and directed by women as it actually is, but it’s worth emphasizing that only with this composition the result would have such sensitivity. As a screenwriter, Katy Brand uses Nancy’s story to talk about the story of many women like her. Women who got married too soon and only had one man in their lives. Wives who lived a life of protocol sex and no orgasms. Female figures who haven’t learned to admire their own body — and worse, have always been inclined to despise it. A world where vanity was never a quality, but a judgment.
It is possible to deduce from the beginning the entire unfolding of Good Luck to You, Leo Grande, something that the script does not insist on hiding and does not impact the beautiful dramatic arc of Nancy, an insecure, impatient and nervous woman who, with each new encounter with Leo, begins to understand things she never thought she could understand. Seeing her confessing that she never drank too much, had an adventure or didn’t answer a phone call from their children confirms that the film is an accurate portrayal of what society unfairly imposes on women, specially in the third age, when freedom still remains an unknown element.
The eventual predictability of Good Luck to You, Leo Grande is not a problem because director Sophie Hyde doesn’t try to make the film more than it really is. Sophie’s exercise is to give grace and verisimilitude to a film set in a single room and with only two actors. And she does well mainly due to the presence of a great actress like Emma Thomspon, totally dedicated to the role. His usual talent is there, in a performance also without any taboo. There is a moment when 62-year-old Emma literally undresses to look at her naked body in front of a mirror, accepting it for what it is. I can’t think of a better time to imagine how much sense this project makes for Emma and how much it will do for so many other women around the world.
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