Em “Casa Gucci”, as manchetes e o marketing importam mais do que o filme em si (e isso nunca é uma boa notícia)

Father, son and House of Gucci.

hgucciposter

Direção: Ridley Scott

Roteiro: Becky Johnston e Roberto Bentivegna, baseado no livro “Casa Gucci: Uma história de glamour, ganância, loucura e morte”, de Sara Gay Forden

Elenco: Lady Gaga, Adam Driver, Al Pacino, Jared Leto, Jeremy Irons, Salma Hayek, Jack Huston, Alexia Murray, Vincent Riotta, Gaetano Bruno, Camille Cottin, Youssef Kerkour

House of Gucci, EUA/Canadá, Drama, 158 minutos

Sinopse: O casamento e o divórcio turbulento entre Patrizia Reggiani (Lady Gaga) e Maurizio Gucci (Adam Driver) leva a um assassinato.

hguccimovie

Com frequência, Hollywood se apropria de histórias da vida real (e com vocações cinematográficas) para realizar filmes que acreditam no apelo isolado dos fatos retratados como fórmula de sucesso, o que faz com que algo muito importante se perca nas discussões: a obra em si. Casa Gucci padece desse mal: tem Lady Gaga, que já deu incontáveis entrevistas sobre o seu método de atuação; há também a força da marca Gucci para despertar expectativas em torno de como o mundo da moda será retratado; e, por fim, soma-se a curiosidade voyeurística do público pelos bastidores da vida de ricos e poderosos envolvidos em crimes ou escândalos. Salvas raras exceções, não vejo como boa notícia quando curiosidades orbitantes ganham mais holofotes do que o próprio filme. Inclusive, vejo quase como quase uma sentença de que receberemos muito pouco em troca, e o novo trabalho de Ridley Scott não foge à regra.

Entendo, claro, o quanto tudo isso faz parte de um jogo muito natural de Hollywood. Por isso mesmo, também deixo de lado a problemática da apropriação cultural, visto que isso obviamente está posto desde os primeiros minutos de Casa Gucci, quando constatamos o quanto o filme está mais interessado nas caricaturas, nas perucas, nos sotaques e nos confetes do que em contar uma boa história. Tendo feito essas observações, parto para o filme em si, que, como esperado, já deu conta do esperado circo midiático em torno de sua realização (membros da família Gucci ficaram desgostosos com o resultado, enquanto o consagrado estilista Tom Ford diz ter dado risadas ao assistir ao longa, mas pelas razões erradas).

Assinado por Becky Johnston e Roberto Bentivegna, a partir do livro Casa Gucci: Uma história de glamour, ganância, loucura e morte, de Sara Gay Forden, o roteiro é um dos problemas centrais do filme de Ridley Scott, outrora um diretor de títulos inesquecíveis como Thelma & Louise, Blade Runner: O Caçador de Androides e Alien: O 8º Passageiro. Até dá para classificar como interessante a decisão dos roteiristas em se debruçar no encadeamento de fatos que levou ao assassinato em questão e não em todo o burburinho crime em si, mas a aposta só seria vitoriosa se Casa Gucci não fosse previsível, disperso, risível na construção de conflitos e sem ritmo até chegar ao tão aguardado “clímax” (entre aspas por razões a serem comentadas daqui a pouco).

O roteiro, de certa forma, está configurado mais como uma checklist de tudo o que não poderia faltar no episódio em questão, não abrindo espaço para respiros: a cada cena, Casa Gucci introduz um personagem, promove uma mudança de ares, apresenta um conflito que desaparece tão rápido quanto surge, faz variar motivações conforme cada acontecimento e revela uma coisa aqui e outra ali para criar intrigas e desafetos. Inexiste o espaço para nuances e camadas. Tudo está verbalizado e pontuado em marcos específicos, o que demonstra a dificuldade de Casa Gucci em explorar as verdadeiras essências e leituras dramáticas de fatos que, aqui, nada mais são do que meros… Fatos.

Fatos por fatos, esperava, ao menos, que o filme guardasse o melhor para o final, quando Maurizio Gucci (Adam Driver) é morto a mando de Patrizia Reggiani (Lady Gaga). Contudo, Casa Gucci termina abruptamente logo após duas ou três cenas subsequentes ao assassinato de Mauricio. É um anticlímax completo porque tanto não temos a recompensa de uma história bem contada até ali como também a parte que poderia dar alguma tração de última hora para a narrativa fica somente para os letreiros dos créditos finais. Erro duplo: a ideia de preferir a jornada do que o ponto de chegada é desarranjada e sequer  ganhamos algo em troca ao final para atenuar o cansaço até ali.

Toda a longa e exaustiva caminhada rumo ao desfecho é o que Casa Gucci tem de pior. Falta boa inflexão a cada virada de chave, a exemplo da súbita mudança de dinâmica no casamento de Mauricio e Patrizia, bem como a decisão de Patrizia em assassinar o marido, algo repentino demais para um roteiro tão dedicado a mostrar como a personagem operava para manipular Mauricio e se tornar uma figura fundamental dentro dos negócios da Gucci.

Aliás, qual seria a dimensão desse império e a razão da Gucci ser Gucci? Considerando o que é mostrando neste longa, sabemos muito pouco. Mais uma vez simplista — e aí também se repete o problema da falta de nuances —, o roteiro não dimensiona os processos criativos da marca, a engenhosidade das operações de negócios e o requinte dos bastidores. Passagens com potencial para serem triunfantes ganham espaço como acontecimentos quaisquer, a exemplo do período em que a Gucci estava em derrocada e se reergue a partir da ascensão de Tom Ford nas passarelas. Em certo ponto, chega a nosso conhecimento que Clark Gable usou sapatos da marca e que os icônicos lenços de Rodolfo Gucci (Jeremy Irons) estiveram no pescoço de Grace Kelly. Entretanto, fica para uma pesquisa pós-filme entender como tudo isso se deu.

Ao não ser um trabalho de encher os olhos em termos de figurino ou de caracterização, Casa Gucci tinha outra chance de ouro: se justificar na diversão e no aproveitamento de um elenco estelar. Só que a pompa raramente corresponde ao que se vê na tela. Jeremy Irons e Al Pacino, como os grandes atores que são, tentam tirar algum proveito, mas o roteiro e todo o contexto os aprisionam. Eles são bons acertos se lembrarmos da desastrosa interpretação de Jared Leto como o fracassado Paolo Gucci. Leto mira em uma leitura tragicômica e acerta no constrangimento, para dizer o mínimo.

A cota de entretenimento de Casa Gucci está na performance de Lady Gaga, visivelmente se divertindo do início ao fim. A cantriz, como sempre, tem grande presença, ainda mais se tratando de uma personagem com muitas particularidades. Se, na superestimada performance de Nasce Uma Estrela, eram claras as suas limitações dramáticas quando o filme lhe exigia maior repertório, aqui ela é mais funcional porque a história demanda presença e estrelato, atributos que Gaga, como um ícone pop e não necessariamente atriz, tem de sobra. A única ressalva é a de que, a partir determinado momento, sua personificação de Patrizia estaciona em uma nota só.

Costumo dizer que tão frustrante quanto ter uma experiência ruim ou mediana na sala de cinema é ter uma morna e que nem mesmo nos erros consegue criar um guilty pleasure involuntário. Para muitos, como já pude constatar, Casa Gucci diverte e sobrevive bem aos seus eventuais problemas. Não foi assim comigo. Desejava que tivesse sido, mas ver um filme que busca graça em frases como a de que não devemos confundir chocolate com cocô porque ambos se parecem mas tem gostos diferentes, não está nadinha próximo das minhas afinidades cinematográficas.

2 comentários em “Em “Casa Gucci”, as manchetes e o marketing importam mais do que o filme em si (e isso nunca é uma boa notícia)

  1. Pingback: Os indicados ao Globo de Ouro 2023 | Cinema e Argumento

  2. Pingback: Os indicados ao Screen Actors Guild Awards 2022 | Cinema e Argumento

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: