É chegada a hora de conhecer os vencedores da tradicional lista de melhores do ano aqui do blog. Revelados no último mês de maio, os indicados contemplam os filmes de 2020, considerando lançamentos comerciais no Brasil tanto em cinema em streaming. Sem categorizações específicas para longas brasileiros, animações ou documentários, todos concorrem juntinhos, de forma a reforçar que cinema é cinema, independentemente de gênero ou nacionalidade. Ao todo, serão três postagens para revelar os vencedores, começando hoje com as categorias técnicas e suas respectivas justificativas: canção original, maquiagem e penteados, efeitos visuais, figurino, montagem, fotografia, design de produção, trilha sonora e som. Lembrando que, desde 2007, todo o histórico de vencedores está registrado aqui.
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
Laura Mvula, por “Brighter Dawn” (Clemência)
Com um background que vai do jazz à música gospel, a britânica Laura Mvula descobriu seu desejo pela carreira musical quando começou a prestar atenção nos corais da igreja que frequentava de maneira diferente, descolando-se de uma mera análise da vertente religiosa. A partir daí, foi questão de tempo para que ela acumulasse referências de Nina Simone, Ella Fitzgerald e Diana Ross para encontrar a sua própria voz. E parte desse repertório está traduzido na canção “Brighter Dawn”, escrita por Mvula para o ótimo e pouco visto Clemência. Enxuta, a canção que dura pouco menos de dois minutos e meio captura toda a personalidade vocal da britânica. Entretanto, o mais simbólico está mesmo na letra da música, também escrita por ela, que sintetiza toda a jornada de Bernardine (Alfre Woodard) com precisão e poesia. Trechos como “Todas as minhas cicatrizes são minhas joias mais brilhantes, todas as minhas lágrimas brilham como orvalho da manhã” atestam que, em muitos sentidos, Clemência foi realmente um filme subapreciado.
MELHOR MAQUIAGEM & PENTEADOS
Adam Bailey, Anouck Sullivan e Sarah Hindsgaul
(Estou Pensando em Acabar Com Tudo)
Possivelmente o filme mais nichado já escrito (e agora dirigido!) por Charlie Kaufman, Estou Pensando em Acabar Com Tudo tem nas complexidades e nas possibilidades do tempo a matéria-prima para desenvolver muitas das múltiplas perspectivas tomadas pelos personagens ao longo do filme. Com isso, o trio Adam Bailey, Anouck Sullivan e Sarah Hindsgaul precisou explorar, por meio da maquiagem e dos cabelos, as várias oscilações imaginadas por Kaufman. O método escolhido não foi o de O Irlandês, por exemplo, onde os atores foram rejuvenescidos através de efeitos visuais, mas sim o da maquiagem e das próteses clássicas. Dessa forma, personagens como a de Toni Collette se desenharam a partir de um longo e minucioso trabalho que buscou aplicar diferentes camadas no rosto e nas mãos do elenco para representar os diferentes avanços no tempo e as variações propostas pelo texto de Kaufman. E a maneira como Estou Pensando em Acabar Com Tudo se utiliza dessa ferramenta com sutileza no início para depois impressionar é inegavelmente intrigante.
MELHORES EFEITOS VISUAIS
Andrew Lockley, Andrew Jackson, David Lee e Scott R. Fisher (Tenet)
Tenet é uma caricatura de tudo o que existe de pior na carreira do diretor Christopher Nolan, exceto nos quesitos técnicos. Dessa vez, a equipe de efeitos visuais reunida por ele teve o grande desafio de imaginar um filme onde toda a ação ocorre de trás para frente, o que exigiu uma mistura de efeitos práticos e sequências em CGI. Ao contrário do que se pode imaginar, Andrew Lockley, Andrew Jackson, David Lee e Scott R. Fisher não usaram a simples técnica de gravar normalmente as cenas para depois revertê-las. Como apenas metade das sequências de ação eram possíveis de ser performadas em sentido cronológico, atores e dublês tiveram o desafio de treinar os movimentos em reverso, tentando usar o máximo possível de efeitos práticos, complementados na pós-produção apenas com o que era realmente necessário ou impossível de ser materializado sem a interferência de tecnologias. O resultado é de tirar o fôlego, e não é por menos: Andrew Jackson, o supervisor de efeitos visuais de Tenet, também trabalhou em Mad Max: Estrada da Fúria, outra produção de natureza muito semelhante no sentido de se preocupar mais com a realidade do que com criações virtuais.
MELHOR FIGURINO
Chris Garrido (Pacarrete)
Pacarrete tem uma protagonista das mais singulares, o que estabelece uma série de armadilhas para todos os envolvidos no filme. Afinal, como não tornar a incompreendida e geniosa bailarina de Russas uma caricatura pouco crível e até mesmo irritante? Pois o diretor Allan Deberton, munido de sua reverência, curiosidade e carinho por essa personagem que de fato existiu no Ceará, tratou de (re)imaginá-la para o cinema com respeito e minimalismo, algo também perceptível no belo trabalho de Chris Garrido nos figurinos. Não é só a luminosidade de uma mulher cujo nome é inspirado em pâquerrete (“margarida” em francês) que está representada, por exemplo, nos chapéus de palha decorados com flores que traduz sua singularidade, mas cada roupa inspirada em figurinos usados pela bailarina Anna Pavlova entre os anos 1930 e 1940. É entre a admiração de Pacarrete (Marcélia Cartaxo) por Pavlova e a sua personalidade incomparável como uma mulher apaixonada pela arte que Chris Garrido criou um figurino tão iluminado quanto a personagem-título.
MELHOR MONTAGEM
Mikkel E.G. Nielsen (O Som do Silêncio)
O montador dinamarquês E.G. Nielsen embarcou em O Som do Silêncio no momento em que disse ao diretor Darius Marder o que gostaria de fazer com o material do filme. Isso foi um fator decisivo para que ele fosse contratado, pois, nas tantas entrevistas que Marder havia feito até então, os candidatos em potencial apenas perguntavam de que maneira ele gostaria de estruturar o longa, sem a firmeza e a visão que Nielsen viria a expor em uma primeira conversa. Rodado em ordem cronológica, O Som do Silêncio ganhou, através da montagem, a imersão que normalmente é reconhecida em outros elementos de um filme, como o som e a fotografia. Para o dinamarquês, o importante era sintonizar o espectador no mesmo timing de descobertas que o protagonista e se perguntar constantemente quando era a hora colocar ou tirar o personagem de determinadas situações, além do quanto ele conseguia suportar ou não novas realidades até finalmente aceitá-las, sem entregar conflitos logo de cara. É o tipo de história que Nielsen avalia ser contada com escolhas quase imperceptíveis, sensação capturada com perfeição por seu discreto e eficiente trabalho na montagem.
MELHOR FOTOGRAFIA
Claire Mathon (Retrato de Uma Jovem em Chamas)
Foi na primeira visita às locações de Retrato de Uma Jovem em Chamas que a diretora Céline Sciamma entendeu o que precisava para o seu filme em termos de fotografia. Ao invés de se deparar com um céu acinzentado, a diretora encontrou paisagens ensolaradas na isolada ilha da Bretanha onde a trama acontece. Ou seja, quando assumiu a fotografia do filme, a experiente Claire Mathon (segundo o IMDb, já são mais de 60 títulos desde que começou a trabalhar em 2000!) sabia exatamente que Retrato de Uma Jovem em Chamas deveria ser uma experiência luminosa. O processo foi meticuloso, uma vez que o maior desafio era trazer para as locações internas a mesma vibração do sol que banhava as paisagens externas. Segundo a própria Sciamma, o longo processo de preparação de luz reduziu o tempo disponível para a gravação das cenas, mas o resultado está no que Mathon entrega: filmado digitalmente e trazendo como referência obras de arte assinadas por pintoras do final do século XVIII, a fotografia é solar e capaz de mergulhar em épocas passadas com um olhar muito contemporâneo e apurado.
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO
Rodrigo Frota (Pacarrete)
Toda a proximidade pessoal e afetiva do diretor Allan Deberton com a história contada em Pacarrete serviu de base para que Rodrigo Frota criasse um design de produção fiel às memórias do diretor e próximo de toda a identidade de uma protagonista tão única. Naturalmente, o foco central foi a casa da própria Pacarrete, uma vez que é onde uma imensa parcela do longa se desenvolve. Mais do que isso, é nesse ambiente que entendemos, em cada mobília e em cada decoração, a essência de uma mulher presa a um passado que lhe desperta grande saudade e que ela vê ficar cada vez mais para trás. Escolhendo as melhores opções entre cada quatro ou cinco variações para objetos que seriam usados em cena, Rodrigo Frota criou um universo muito particular e lúdico, repleto de referências ao amor de Pacarrete pela arte (com o ballet tendo certo destaque, claro) e também à vida como ela é, pois tudo o que vemos em cena é de grande familiaridade, como se um dia já estivéssemos vivido ou pelo menos visitado uma casa como aquela.
MELHOR TRILHA SONORA
Michael Abels (Má Educação)
Com muita curiosidade, fui pesquisar mais sobre Michael Abels assim que terminei de assistir a Má Educação. E, para minha surpresa, descubro que esse compositor norte-americano estreou nos cinemas somente em 2017, quando, aos 54 anos, fez a trilha de Corra!. Dois anos depois, seguiu colaborando com o diretor Jordan Peele em Nós, passou pela aventura infanto-juvenil A Gente Se Vê Ontem e chegou a Má Educação, inexplicavelmente apenas o quarto trabalho de sua carreira. Dou ênfase ao inexplicável porque Abels é de um talento gigante e o que ele faz nesse drama verídico adquirido pela HBO é de um frescor raro de se ver. Acertadamente definida pelo Awards Daily como uma “queda operística”, a trilha usa a experiência de Abels como compositor de concertos para representar o intelecto do protagonista (um homem trambiqueiro, mas também muito esperto e que deduzimos ser apreciador de música clássica) e justamente causar incômodo na simultânea desconstrução que faz dele e dos próprios elementos da música clássica. É uma trilha minimalista, econômica e eficiente em tantos experimentos que poderiam facilmente dar errado em mãos menos talentosas.
MELHOR SOM
Carlos Cortés, Jaime Baksht, Michelle Couttolenc, Nicolas Becker e Phillip Bladh (O Som do Silêncio)
Talvez fosse um pouco óbvio que um filme com “som” e “silêncio” no título caprichasse na relação entre esses dois aspectos, especialmente se tratando de uma trama onde um baterista de heavy metal perde a sua audição pouco a pouco. A virada de chave é que, assim como a montagem já comentada aqui, O Som do Silêncio também utiliza mais esse setor não como mera curiosidade, mas como uma fundamental ferramenta de imersão. É acreditando que a relação de um espectador com um filme se dá no incentivo para que ele se coloque no lugar dos personagens que o quinteto formado por Carlos Cortés, Jaime Baksht, Michelle Couttolenc, Nicolas Becker e Phillip Bladh moldar um trabalho de som capaz de absorver a relação do protagonista com o silêncio, criando um mundo de grande vibração, já que estamos falando de um personagem submerso e em busca de novas formas de observar o mundo a sua volta. Tudo com o intuito de se aproximar ao máximo da vida real, sem que as escolhas se escancararem para a plateia como pequenas manipulações.