
Maria Ribeiro e Clarisse Abujamra em Como Nossos Pais: ambas são excelentes em mais um filme onde a diretora Laís Bodanzky faz o naturalismo brilhar.
Lá se vão 16 anos desde que a diretora paulista Laís Bodanzky estreou na produção de longas de ficção com o poderoso Bicho de Sete Cabeças. Suas obras posteriores podem não ter causado o mesmo alvoroço do que o filme estrelado por Rodrigo Santoro, que rendeu a Bodanzky uma série de prêmios nacionalmente, mas consolidaram a identidade perfeitamente clara da diretora. Falando sobre a relação entre pais e filhos adolescentes em As Melhores Coisas do Mundo, sobre as dores e alegrias do envelhecimento em Chega de Saudade e sobre a (falta de) inclusão das mulheres no mundo esportivo em Mulheres Olímpicas, Bodanzky sempre procurou radiografar histórias de pessoas como eu e você. Mais especial ainda é a forma como ela lança esse olhar: sem jamais criar tramas mirabolantes ou preocupadas em surpreender, ela relata histórias muito cotidianas, conferindo uma bem-vinda verossimilhança a todos os roteiros que escreve. Não é diferente com o drama Como Nossos Pais, que, após elogiada sessão na mostra Panorama do Festival de Berlim deste ano, integra agora a competição do 45º Festival de Cinema de Gramado e finalmente chega aos cinemas brasileiros no dia 31 de agosto.
Longa de Bodanzky mais centrado no universo feminino, Como Nossos Pais parte de uma transgressão na vida de sua protagonista: exausta de tentar manter o papel da super mulher que dá conta da casa, dos filhos, da família e da carreira, Rosa (Maria Ribeiro) abandona as aparências ao descobrir que, na verdade, é fruto de um passageiro caso extraconjugal vivido por sua mãe em uma viagem internacional. Em crise no trabalho, também já não consegue mais dar conta das filhas, que chegam à pré-adolescência com o típico temperamento dos jovens dessa idade. Para completar o caótico cenário, a mãe de Rosa anuncia a descoberta de um câncer, o que faz com ela passe a refletir sobre a finitude da vida e, claro, das relações familiares. Na teoria, não deixa de ser novelesca a decisão do roteiro de fazer com que a protagonista passe por todo tipo de provação para que Como Nossos Pais se movimente dramaticamente. Já na prática, o filme nunca descamba para o dramalhão porque Bodanzky, como sempre, puxa todo conflito para o plano naturalismo, o que é consequência direta do fato de ela própria também escrever o roteiro (ao lado de Luiz Bolognesi). Qualquer acúmulo de dramas não se apresenta como uma mera apelação para causar impacto dramático, mas sim para refletir a vida como ela simplesmente é (afinal, é difícil encontrar alguém que não tenha vivido fases onde simplesmente tudo parece dar errado).
Ainda que lhe falte certa intensidade ou o frescor dos espirituosos Chega de Saudade e As Melhores Coisas do Mundo, Como Nossos Pais opta pela sobriedade mesmo nos discursos prontos ou nas discussões expositivas. Um perfeito exemplo dessa compensação é como o filme constrói Clarice, matriarca da família que passa a agir com notável franqueza após a descoberta de um câncer. Além de não tratar a questão da enfermidade como muleta dramática, Clarisse Abujamra, a atriz, não torna o pragmatismo de sua personagem em uma simples antipatia: aliás, é justamente por agir de forma tão diferente do esperado para a situação que ela se torna a figura mais fascinante da história. E Abujamra, ótima intérprete que é, faz uma composição impecável de uma mulher que, lá no fundo, de um jeito bem diferente, também vive suas angústias e deseja deixar algum tipo de legado emocional para a filha com quem tem uma relação frequentemente distante e conturbada. A Rosa de Maria Ribeiro não fica muito atrás: naquele que é provavelmente o papel de maior destaque de sua carreira, a atriz confere naturalidade e verossimilhança a uma jovem personagem que sente na pele todas as obrigações impostas pela vida e pela sociedade, especialmente para as mulheres.
Falando nelas, é importante que Como Nossos Pais seja dirigido e roteirizado também por uma mulher no sentido de trabalhar, com economia e sutileza, discussões essencialmente panfletárias ou estereotipadas em mãos masculinas. Por mais que o longa não esteja livre de abordagens, digamos, rasas (a paranoia da protagonista em descobrir qualquer tipo de traição do marido é um conflito que anda em círculos), o resultado é envolvente ao radiografar uma sociedade contemporânea, urbana e em constante transformação, aqui retratada sob a luz das relações que se estabelecem entre diferentes gerações. Ao se manter fiel ao tipo de cinema que sempre gostou de fazer, a diretora estabelece a sua vocação temática não como a descoberta de uma fórmula que deve sempre ser mantida, mas sim como uma maneira de, a cada filme, exercitá-la nos mais variados tipos de histórias e personagens.
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