45º Festival de Cinema de Gramado #5: “O Matador”, de Marcelo Galvão

O Matador é o primeiro filme Original Netflix produzido no Brasil. Foto: Pedro Saad/Netflix

Vá entender o porquê de tanta gente – público e crítica – ter inventando a tal polêmica em Cannes que discutia o valor de um filme a partir do fato de ele estrear ou não em uma sala de cinema. Curto e grosso, saio em defesa da plataforma ao dizer o seguinte: prefiro mil vezes assistir a um filme que está na tela (seja ela qual for) exatamente da mesma forma que foi pensado em sua fase embrionária do que me deparar com uma obra que passou por dezenas de produtores, sendo mutilada a cada decisão estritamente comercial com fins de distribuição só para chegar na tela grande. Esse, afinal, é o principal cerne da questão: a preferência pelo valor artístico, pela visão de um criador. Isso deve ser soberano, sempre. E a Netflix tem plena consciência disso.

Antes, em Cannes, OkjaThe Meyerowitz Stories. Agora, em Gramado, O Matador, que faz sua primeira exibição nos 45 anos do festival serrano, mas sem reproduzir – com toda razão – as “polêmicas” que tomaram o célebre evento francês na edição deste ano. E o caso é novamente de acerto: em escala de produção e em construção de gênero (no caso, o faroeste), Marcelo Galvão, um habitué de Gramado com vitórias recentes pela comédia Colegas e pelo belíssimo drama A Despedida, faz de O Matador um divertido e competente western brasileiro. E isso se distancia do mero impacto de dimensões que o filme tem – o esmero técnico aqui é realmente de tirar o chapéu, da trilha super funcional assinada por Ed Côrtes ao design de produção de Zenor Ribas -, alcançando o plano do próprio conceito da história, uma vez que Galvão, também autor do roteiro, cria tramas e personagens muito particulares sem jamais trair o que o filme delimitou como crível e possível para aquele universo. Não há artificialidades aqui e muito menos o estofo raso de técnica e dramaturgia tão comum em longas que tentam emular gêneros bastante específicos.

Em termos estruturais, pontos para a acertada decisão de misturar elementos clássicos do gênero – as heranças malditas, as sucessões familiares, a morte como solução fácil – e ao mesmo tempo brincar, por exemplo, com os pontos de vista da trama, como na boa parcela do filme que se distancia do protagonista Cabeleira (Diogo Morgado) para contar outras histórias. Há ainda algumas surpresas divertidas, como um pequeno número musical com a portuguesa Maria de Medeiros. Primeiro longa Original Netflix produzido no Brasil, O Matador cimenta a impressão já sugerida anteriormente de que Galvão é um cineasta que, apesar de não ter a chamada “assinatura” que a crítica tanto adora tornar obrigatória na carreira de cineastas, encontra sua assinatura, justamente, na falta de assinatura. Transitar por todos os gêneros e mesmo assim manter uma boa média de qualidade exige talento, e é um feito alcançado por poucos. Galvão sai ganhando. E a Netflix também por ter a visão de apostar no projeto, que muito provavelmente não chegaria aos cinemas. Muito menos em um número digno de salas.

2 comentários em “45º Festival de Cinema de Gramado #5: “O Matador”, de Marcelo Galvão

  1. Acho interessante o Festival de Cinema de Gramado estar se alinhando a essa discussão dos filmes produzidos diretamente para os serviços de streaming. Isso mostra a preocupação do evento em se manter atual. Tendo dito isso, ainda não conferi, mas espero poder assistir a “O Matador”.

    • Kamila, e o melhor de tudo é que a discussão em Gramado foi muito clara: não há problema algum em um filme ser feito diretamente para um serviço de streaming. Concordo demais com o curador Rubens Ewald Filho nesse sentido: esse assunto não deveria nem ter virado uma “polêmica” em Cannes.

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