Here’s to the ones who dream.
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Damien Chazelle
Elenco: Emma Stone, Ryan Gosling, John Legend, Rosemarie DeWitt, J.K. Simmons, Finn Wittrock, Callie Hernandez, Jessica Rothe, Sonoya Mizuno, Jason Fuchs, Damon Gupton
La La Land, EUA, 2016, Musical/Romance, 128 minutos
Sinopse: Ao chegar em Los Angeles o pianista de jazz Sebastian (Ryan Gosling) conhece a atriz iniciante Mia (Emma Stone) e os dois se apaixonam perdidamente. Em busca de oportunidades para suas carreiras na competitiva cidade, os jovens tentam fazer o relacionamento amoroso dar certo enquanto perseguem fama e sucesso. (Adoro Cinema)
Foi em setembro de 2014 que uma querida ex-professora do meu ensino fundamental conseguiu colocar em palavras algo que considero fundamental – e, muitas vezes, até pouco praticado, dependendo de quem está no lado de cá da tela – sobre o ato de ir ao cinema. Ela, que tanto me ensinou sobre História, participou da coluna Três atores, três filmes aqui do blog e falou sobre uma trilogia de desempenhos de uma única atriz: a grande Meryl Streep. Dois deles seriam os escolhidos por boa parte do público: A Escolha de Sofia e As Pontes de Madison. Já outro causa ligeira surpresa: Mamma Mia!. Mas os argumentos usados pela Raquel Cirne não só embasam muito bem sua escolha pelo musical de Phyllida Lloyd como também nos trazem ao que La La Land: Cantando Estações agora proporciona mundo afora. “Para ter valor, nem sempre um filme precisa ser questionador, enigmático ou difícil de entender. Também ter que ter música luminosa, leveza, beleza, como aquela linda celebração do casamento com velas penduradas nas árvores… Cinema é magia, e deve ter a função de inspirar, de estimular os sonhos, de colorir a vida”, escreveu. E, realmente, não há descrição mais certeira do que essa para explicar a qual estado de espírito o musical de Damien Chazelle nos leva durante pouco mais de duas horas de projeção.
Não surgem no vácuo a criatividade e a paixão pelo cinema que Chazelle imprime em seu La La Land. Basta retroceder até 2014, mais especificamente aos últimos dez minutos de Whiplash: Em Busca da Perfeição, para lembrar que, desde lá, o diretor não estava de brincadeira. Seria pelo momento final do filme estrelado por Miles Teller e J.K. Simmons armar uma hipnotizante sequência movida a jazz? De certa forma, pois a música é novamente um dos pilares do novo trabalho do diretor. Entretanto, o que impressionava mesmo era como Chazelle orquestrava aquele grand finale: a montagem era habilidosa ao acompanhar os incessantes movimentos dos instrumentos musicais, o som aguçava ainda mais os nossos ouvidos para a grandiosidade da apresentação, os atores passavam por transformações sem praticamente dizer uma palavra sequer e o diretor, entre tantos outros elementos, costurava tudo como se já tivesse uma larga experiência atrás das câmeras, quando, na verdade, Whiplash era apenas o seu segundo longa-metragem aos 29 anos de idade. Se fizermos uma ponte entre os minutos finais daquele filme aos primeiros de La La Land, a lógica de chegar aos sentidos segue a mesma (e isso não é algo ruim): em um (aparente) plano sequência, esse novo musical une coreografia, música, cor, dança, humor, graça e nostalgia com grande vitalidade, deixando muito claro e sem cerimônias que essa é uma experiência sobre sonhos e leveza.
Tratando-se de um longa que se presta a fazer uma homenagem aos musicais, faz total sentido que o número de abertura já jogue o espectador na alegoria porque os títulos do gênero costumam jogar o espectador no centro da musicalidade logo no início. É assim nos clássicos como A Noviça Rebelde (Julie Andrews correndo nas montanhas com “The Sound of Music”) ou em obras mais recentes como o singelo Hairspray – Em Busca da Fama (Nikki Blonsky cantando “Good Morning Baltimore” nas ruas com a maior felicidade do mundo), mas o importante é que isso ilumina o extenso conhecimento que o diretor de La La Land tem acerca dos musicais, inclusive trazendo para sua narrativa referências assumidas como o cinema de Jacques Demy em Os Guarda-Chuvas do Amor e outras pequenas brincadeiras que (nem tão) discretamente nos remetem, por exemplo, a um certo Gene Kelly se apoiando em um poste para cantar “Singin’ in the Rain”. Contudo, curiosamente La La Land é um filme com menos músicas do que o esperado. Isso é um problema? De forma alguma. Primeiro porque o filme também quer encenar um romance à moda antiga (e, para isso, a música não é obrigatória) e segundo porque Chazelle não se restringe a ela para homenagear o gênero – e é fácil perceber a eficiência de demais aspectos que abrangem desde uma ótima trilha instrumental composta por Justin Hurwitz a outras características emblemáticas dos musicais, entre elas, um irresistível número de sapateado. Com ou sem música, La La Land é sempre um deleite.
Homenagens surgem de tempos em tempos, mas o que diferencia La La Land de O Artista, por exemplo, é que o primeiro tem a esperteza de homenagear o clássico no plano contemporâneo, enquanto o segundo, esse sim, era apenas a “mera” homenagem que os contrários ao filme de Damien Chazelle tanto apontam (e desde quando uma obra se prestar a fazer “apenas” um tributo é um problema decisivo?). Capturando a vida de quem tem dificuldades em se tornar artista mesmo quando o mundo está todo na tela de um iPhone, La La Land flerta com o passado, mas se estabelece no presente ao criar coreografias nos famosos engarrafamentos de Los Angeles inclusive com street dance e ao abarcar a contemporaneidade em todos os detalhes da parte técnica, com destaque para o mágico design de produção e para os coloridos figurinos, ambos bem sucedidos ao mesclar a delicadeza da nostalgia com o frescor dos novos tempos. Através da atmosfera, Chazelle leva o espectador por uma viagem sensorial e cativante. E quando cito atmosfera é para justificar a ideia de que o roteiro de La La Land, apesar de estar um pouco acima da média dos roteiros de musicais, não é um aspecto grandioso do conjunto. Toda graça e emoção vem do trabalho de direção que, com o bom uso das ferramentas cinematográficas, torna encantador até mesmo aquele primeiro beijo que nunca acontece porque o celular toca ou porque a luz se apaga na hora errada.
Essencialmente concentrado em apenas dois personagens, o musical cresce ao entregar grandes responsabilidades a Emma Stone, que está no auge de uma carreira prolífera e que vem ganhando mais espaço nos últimos tempos (até indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante ela teve por Birdman!). É o segundo musical da atriz, que ganhou o papel em La La Land justamente porque o diretor a viu nos palcos da Broadway com Cabaret. Ela está encantadora como sempre e, agora, reveladora na técnica, com direto até a um número solo onde condensa talento vocal e emoção genuína (“Audition (The Fools Who Dream)”). Emma é, sem dúvida alguma, o tipo de estrela que La La Land precisava. Enquanto isso, Gosling, que andava um pouco econômico em projetos nos últimos anos depois de dramas como Half Nelson, A Garota Ideal e Namorados Para Sempre, surge menos radiante que a colega, mas em momento algum deixa escapar o carisma. O romance entre os dois é especial a partir dos contornos dados por um diretor que reconhece o valor dos sonhos e que, mesmo compreendendo que muitas vezes é necessário abrir mão de alguns em detrimento de outros supostamente mais importantes, nenhum deve perder seu valor diante dos obstáculos impostos pela vida. La La Land termina com o clássico The End, mudando um pouco a pegada do que décadas atrás indicava a proximidade desse letreiro (mais uma atualização do filme!), mas sem jamais abandonar a certeza de que sonhar é sempre um lindo estado de espírito. Mesmo quando precisamos manter os pés bem firmes no chão.
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