Cinema e Argumento

53º Festival de Cinema de Gramado #12: uma conversa sobre bastidores e curiosidades do evento no programa “Fala, Mercado”

Para encerrar a cobertura do 53º Festival de Cinema de Gramado, compartilho aqui a conversa que eu e o jornalista e crítico de cinema Roger Lerina tivemos com o portal Coletiva.net sobre a importância do evento serrano para a cidade de Gramado e para cultura brasileira como um todo, comentando os aspectos que fazem do festival o evento do gênero mais importante do país e elencando tendências que observamos nos últimos anos, seja em termos de curadoria ou das próprias discussões de mercado trazidas nas programações paralelas. Agradeço, claro, às queridas Márcia Christofoli e Márcia Dihl pelo convite e por estarem sempre acompanhando de perto as minhas andanças profissionais. Espero que gostem! É só clicar abaixo.

53º Festival de Cinema de Gramado #11: “Cinco Tipos de Medo” leva o Kikito de melhor filme em consagração coesa do cinema mato-grossense

Time de vencedores do 53º Festival de Cinema de Gramado. Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto.

Além da própria curadoria, os júris recentes do Festival de Cinema de Gramado têm se mostrado atentos a cinematografias diversas e descentralizadas. Após consagrações como as do acreano Noites Alienígenas e do goiano Oeste Outra Vez, o evento serrano agora adiciona Cinco Tipos de Medo, do Mato Grosso, ao seu rol de grandes vencedores. No filme de Bruno Bini, vidas aparentemente desconectadas colidem num caminho sem volta, formando um mosaico intrincado e violento de diversas cicatrizes urbanas. Somam-se ao Kikito de melhor filme os prêmios de melhor roteiro, montagem e ator coadjuvante para Xamã, demonstrando grande coesão por parte do júri, ao contrário do que vimos na premiação de curtas-metragens, por exemplo, onde os vencedores das categorias de melhor filme não triunfavam em nenhum outro segmento. À parte meu distanciamento com Cinco Tipos de Medo, reconheço o marco de uma nova consagração para o cinema descentralizado no Brasil, a lógica de premiá-lo dada a recepção no festival e seu tom mais denso e ambicioso. Não há como negar que o longa de Bruno Bini encerrou a mostra competitiva fazendo barulho.

Por outro lado, o júri formado pelo ator Edson Celulari, pela atriz Isabel Fillardis e pelos cineastas Sergio Rezende, Fernanda Lomba e Petrus Cariry repete uma tendência que costuma me incomodar: a de garantir que todos os filmes em competição saiam da cerimônia de premiação com pelo menos um reconhecimento, mesmo que o risco seja de parecer uma espécie de consolação. É o que parece ter acontecido com o Querido Mundo, de Miguel Falabella, que conquistou o prêmio de melhor atriz para Malu Galli quando outras concorrentes muito mais fortes eram tidas como favoritas ao prêmio (caso da maravilhosa Saravy em ), e especialmente com a tragicomédia Sonhar com Leões, de Paolo Marinou-Blanco, que levou para casa somente uma protocolar menção honrosa. No caso desse segundo filme, entendo que as provocações cômicas com temas tão sérios possam ter sido espinhosas demais para algumas plateias. Por fim, também achei pouco o reconhecimento para o belo A Natureza das Coisas Invisíveis, que merecia algum reconhecimento entre as categorias principais tamanha a sua delicadeza.

Entre os vencedores da mostra Sedac/Iecine de longas-metragens gaúchos, destaco aquele que foi o meu maior estranhamento entre as premiações do 53º Festival de Cinema de Gramado. Afinal, como pode um filme ter a melhor direção, o melhor roteiro e a melhor montagem, mas simplesmente não ser o melhor… filme? Foi o que aconteceu com Uma em Mil, um documentário muito pessoal e bem executado de Jonathas e Tiago Rubert, que retrata sua vida em família — marcada pela experiência de um deles com a Síndrome de Down. Quem acabou levando o Kikito de melhor longa-metragem gaúcho foi o também documentário Quando a Gente Menina Cresce, da cidade de Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul. Acontece que a graça e a simpatia do filme, bem como a sensibilidade em tratar de peito aberto sobre o início do ciclo menstrual na vida de um grupo de meninas, não me parece o suficiente para desbancar os tantos destaques que o próprio júri formado por Daniel Rodrigues, Gabrielle Fleck e Keity Souza reconheceram em Uma em Mil. Particularmente, fico com outro concorrente: o ótimo Rua do Pescador Nº 6, que poderia ter saído da cerimônia com mais prêmios do que de fato recebeu.

Confira abaixo a lista completa de vencedores nas mostras de longas-metragens:

LONGAS-METRAGENS BRASILEIROS

MELHOR FILME: Cinco Tipos de Medo, de Bruno Bini
MELHOR DIREÇÃO: Laís Melo ()
MELHOR ATRIZ:  Malu Galli (Querido Mundo)
MELHOR ATOR: Gero Camilo (Papagaios)
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: Aline Marta Maria (A Natureza das Coisas Invisíveis)
MELHOR ATOR COADJUVANTE: Xamã (Cinco Tipos de Medo)
MELHOR ROTEIRO: Bruno Bini (Cinco Tipos de Medo)
MELHOR FOTOGRAFIA: Renata Corrêa ()
MELHOR MONTAGEM: Bruno Bini (Cinco Tipos de Medo)
MELHOR TRILHA MUSICAL: Alekos Vuskovic (A Natureza das Coisas Invisíveis)
MELHOR DIREÇÃO DE ARTE: Elsa Romero (Papagaios)
MELHOR DESENHO DE SOM: Bernardo Uzeda, Thiago Sobral e Damião Lopes (Papagaios)
PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI: A Natureza das Coisas Invisíveis, de Rafaela Camelo
MENÇÃO HONROSA: Sonhar com Leões, de Paolo Marinou-Blanco
MELHOR FILME – JÚRI POPULAR: Papagaios, de Douglas Soares
MELHOR FILME – JÚRI DA CRÍTICA: , de Laís Melo
MELHOR LONGA DOCUMENTÁRIO: Lendo o Mundo, de Catherine Murphy e Iris de Oliveira
MENÇÃO HONROSA – DOCUMENTÁRIO: Para Vigo Me Voy!, de Lírio Ferreira e Karen Harley

MOSTRA SEDAC/IECINE DE LONGAS GAÚCHOS

MELHOR FILME: Quando a Gente Menina Cresce, de Neli Mombelli
MELHOR DIREÇÃO: Jonatas e Tiago Rubert (Uma em Mil)
MELHOR ATRIZ: Lara Tremouroux (Passaporte Memória)
MELHOR ATOR: Stephane Brodt (Passaporte Memória)
MELHOR ROTEIRO: Jonatas e Tiago Rubert (Uma em Mil)
MELHOR FOTOGRAFIA: Bruno Polidoro (Bicho Monstro)
MELHOR DIREÇÃO DE ARTE: Gabriela Burck (Bicho Monstro)
MELHOR MONTAGEM: Joana Bernardes e Thais Fernandes (Uma em Mil)
MELHOR DESENHO DE SOM: Rodrigo Ferrante e André Tadeu (Rua do Pescador N° 6)
MELHOR TRILHA MUSICAL: Renato Borghetti (Rua do Pescador N° 6)
MENÇÃO HONROSA: elenco feminino de Quando a Gente Menina Cresce
MELHOR FILME – JÚRI POPULAR: Quando a Gente Menina Cresce, de Neli Mombelli

53º Festival de Cinema de Gramado #10: júris acertam na escolha dos melhores filmes para safra fraca de curtas-metragens

FrutaFizz, de Kauan Okuma Bueno, foi o melhor filme da mostra competitiva de curtas-metragens brasileiros.

Uma das experiências mais instigantes que já tive trabalhando com cinema foi ter integrado a comissão responsável por selecionar os curtas-metragens brasileiros em competição do 49º Festival de Cinema de Gramado, realizado em 2021. Ao lado das colegas Jaqueline Beltrame, Milena de Moura e Thaís Cabral, tive a missão de me debruçar sobre quase 600 curtas e selecionar apenas 14 para a disputa pelos Kikitos. Missão complexa e desafiadora em inúmeros aspectos, começando pelo volume e, depois, pela definição das linhas que traçaríamos como ponto de corte para as obras. Região? Temáticas? Representatividade? Virtuosismo técnico? Gêneros? Inventividade? Tudo isso sendo balizado por quatro pessoas com bagagens, preferências, trajetórias e repertórios próprios.

Faço esse breve relato porque, desde então, passei a observar seleções de filmes com um outro olhar — acho que mais generoso e ponderado, levando em consideração que são muitas as variáveis envolvendo tamanho trabalho. Não é estritamente sobre os filmes serem bons ou ruins – até porque isso é muito relativo de pessoa para pessoa —, e sim sobre o que se apresenta e o que o conjunto tem a dizer como um todo. Para este 2025, Gramado apresentou curtas-metragens com definições claras e que fazem eco a tendências já observadas há alguns anos. Na mostra nacional, percebe-se a predileção por histórias que refletem o Brasil de identidades diversas e que, até pouco tempo atrás, sequer era observado. Já na mostra gaúcha, promovida pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, há o tremendo cuidado com a descentralização geográfica, refletida, inclusive, na vitória de Trapo, produção da cidade de Uruguaiana.

Acontece que nem sempre é possível alinhar representatividade com excelência — e repito aqui como isso varia de espectador para espectador e, inclusive, de safra para safra. Considerando os 30 curtas exibidos (12 da mostra nacional e 18 da mostra gaúcha), há pouquíssimo de memorável em uma avaliação final. Entre produções com pautas interessantes, mas realizadas apenas de forma linear, e outras que se baseiam mais no discurso do que na forma, terminei por me apegar mais àquelas que brincaram e ousaram mais com ideias. No caso dos curtas gaúchos, faço coro ao júri oficial, pois acho Trapo carismático e afetuoso ao falar sobre os laços afetivos da infância – e sobre como, ao menor sinal de desaparecimento deles, o mundo vira de pernas para o ar. O filme de João Chimendes levou apenas o prêmio de melhor filme e nada mais, tipo isolado de consagração que sempre me intriga.

Também me alegra a consagração de FrutaFizz, agora na competição nacional. O curta dirigido por Kauan Okuma Bueno é um relato inteligente e muito bem-humorado sobre nostalgia, memória e as ressignificações — muitas delas equivocadas, por vezes — que damos a longínquos apegos da nossa existência. Foi um verdadeiro prazer assistir a esse filme que, aqui em casa, teria levado pelo menos outros Kikitos, como o de melhor roteiro e melhor ator para Renato Novaes. Outro trabalho que destaco e que o júri felizmente reconheceu é Samba Infinito, de Leonardo Martinelli. Se adoro Fantasma Neon e tenho certo distanciamento com Pássaro Memória, filmes anteriores do diretor, Samba Infinito desempatou minha relação com seu cinema. Conjugando afeto, rigor técnico e boas ideias, Martinelli mais uma vez acerta, levando para casa, inclusive, o prêmio de melhor filme pelo Júri Popular.

Confira abaixo a lista completa de vencedores das mostras competitivas de curtas-metragens gaúchos e brasileiros:

CURTAS-METRAGENS BRASILEIROS

MELHOR FILME: FrutaFizz, de Kauan Okuma Bueno
MELHOR DIREÇÃO: Adriana de Faria (Boiuna)
MELHOR ATRIZ: Jhanyffer Santos e Naieme (Boiuna)
MELHOR ATOR: Pedro Sol Victorino (Jacaré)
MELHOR ROTEIRO: Ítalo Rocha (Réquiem para Moïse)
MELHOR FOTOGRAFIA: Thiago Pelaes (Boiuna)
MONTAGEM: Lobo Mauro (Samba Infinito)
MELHOR TRILHA MUSICAL: As Musas (As Musas)
MELHOR DIREÇÃO DE ARTE: Ananias de Caldas e Brian Thurler (Samba Infinito)
MELHOR DESENHO DE SOM: Marcelo Freire (Jeguatá Xirê)
PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI: Aconteceu a Luz da Lua, de Crystom Afronário
MENÇÃO HONROSA: Quando Eu For Grande, de Mano Cappu
MELHOR FILME – JÚRI DA CRÍTICA: O Mapa em que Estão Meus Pés, de Luciano Pedro Jr.
MELHOR FILME – JÚRI POPULAR: Samba Infinito, de Leonardo Martinelli
PRÊMIO CANAL BRASIL DE CURTAS: Na Volta Eu Te Encontro, de Urânia Munzanzu

PRÊMIO ASSEMBLEIA LEGISLATIVA – MOSTRA GAÚCHA DE CURTAS

MELHOR FILME: Trapo, de João Chimendes
MELHOR DIREÇÃO: Viviane Jag Fej Farias e Amalia Brandolff (Fuá – O Sonho)
MELHOR ATRIZ: Mikaela Amaral (Bom Dia, Maika)
MELHOR ATOR: Igor Costa (O Pintor)
MELHOR ROTEIRO: Cássio Tolpolar (Imigrante/Habitante)
MELHOR FOTOGRAFIA: Takeo Ito (Gambá)
MELHOR DIREÇÃO DE ARTE: Clara Trevisan (Mãe da Manhã)
MELHOR TRILHA SONORA/MÚSICA: Zero (Bom Dia, Maika!)
MELHOR MONTAGEM: Alfredo Barros (Imigrante/Habitante)
MELHOR FIGURINO: Samy Silva (A Sinaleira Amarela)
MELHOR EDIÇÃO DE SOM/DESENHO DE SOM: Vini Albernaz (Mãe da Manhã)
MELHOR PRODUÇÃO/PRODUÇÃO EXECUTIVA: Renata Wotter (O Jogo)
MELHOR FILME – JÚRI DA CRÍTICA: Gambá

53º Festival de Cinema de Gramado #9: “Rua do Pescador Nº 6”, de Bárbara Paz

A catástrofe climática que acometeu o Rio Grande do Sul em maio de 2024 é filmada sem cor por Bárbara Paz no documentário Rua do Pescador Nº 6, que integra a mostra competitiva de longas-metragens gaúchos do 53º Festival de Cinema de Gramado. O preto-e-branco, aliado ao tom ensaístico, descortina uma obra sóbria e respeitosa às vidas afetadas pelas enchentes históricas. Não há um minuto sequer de espetacularização ou didatismo: como a refinada documentarista que já havia demonstrado ser no maravilhoso Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, Bárbara rejeita o tom de reportagem já tão exercitado pela imprensa para aproveitar o potencial memorialístico e reflexivo do cinema, propondo um outro tipo de olhar — um mais humano, experimental e sensível.

Afirmo que Bárbara Paz é documentarista ímpar porque ela tem um profundo respeito pelas possibilidades audiovisuais que fogem ao óbvio, a começar pela opção de priorizar imagens a palavras, e sempre com a devida calma. A partir dessa escolha, Rua do Pescador Nº 6 é emoldurado com elegância e, acima de tudo, propriedade: no desenho de som assinado por Rodrigo Ferrante e André Tadeu está, por exemplo, o sopro do vento minuano que prenuncia as chuvas de repente tão temidas, assim como a discreta gaita de Renato Borghetti confere à trilha sonora marcas de sons característicos da cultura gaúcha. O uso do preto-e-branco, explorado com o virtuosismo habitual de Bruno Polidoro, ainda nos traz uma interessante dualidade: apesar de tamanha catástrofe parecer cinematográfica, ela é, na verdade, uma dura realidade.

O que interessa Bárbara Paz, contudo, é o pós-tragédia. Ainda que Rua Pescador Nº6 faça brevemente suas observações sobre as causas da catástrofe climática — assim como outras falas em off, a voz da ministra Marina Silva dá conta de contextualizar que as mudanças climáticas são fruto de uma série de decisões políticas —, o longa se concentra nessa linha tênue entre o desastre e o recomeço de uma população que vemos e ouvimos de perto. É assumindo um lugar de pensamento diante do registrado que o documentário, sim, mostra como pouco mudou desde 1941, quando o Rio Grande do Sul já havia sido afetado por outra enchente histórica, mas também — e até principalmente — reafirma o papel do cinema como registro histórico através do ponto de vista humano, sem uma vírgula de sensacionalismo ou oportunismo frente ao difícil trabalho de filmar e pensar uma tragédia conforme ela se materializa.

53º Festival de Cinema de Gramado #8: “Sonhar com Leões”, de Paolo Marinou-Blanco

A eutanásia é um inevitável paradoxo, pois o desejo pela morte celebra, na verdade, a vida — aquela vivida com dignidade, autonomia e consciência. Gilda (Denise Fraga), que enfrenta uma doença terminal e tem apenas um ano de vida pela frente, simboliza muito bem essa dicotomia, especialmente por carregar franquezas e cinismos que servem de norte para a construção de Sonhar com Leões, filme rodado em Portugal e na Espanha pelo diretor Paolo Marinou-Blanco e que faz sua estreia brasileira na competição do 53º Festival de Cinema de Gramado.

Em tom de tragicomédia, o longa se arrisca do início ao fim, misturando elementos como a quebra de quarta parede, o uso do humor para falar de assuntos complicadíssimos, a busca pela seriedade sem apelar para alguma cartilha temática e a costura da realidade com situações surreais. São ideias que, se transpostas do papel para as telas de forma torta, poderiam resultar em desastre, mas que Marinou-Blanco equilibra com imenso êxito. Em suas mãos, Sonhar com Leões se torna uma obra criativa, instigante e capaz de driblar uma série de armadilhas.

Há diálogos claros que o filme estabelece com outras produções de mesmo tema — impossível não lembrar, por exemplo, de longas como Ensina-Me a Viver, A Partida e o recente O Quarto ao Lado, ou do antológico seriado Six Feet Under —, e Sonhar com Leões ainda encontra espaço para atualizar o debate, colocando, por exemplo, a vida/morte de Gilda diante das contradições capitalistas atuais — como ela própria diz, hoje em dia há multinacional para tudo, inclusive para morrer ou para se ter uma morte de luxo.

A comédia em momento algum desrespeita ou minimiza tudo o que Sonhar com Leões abarca. Por sinal, acreditar que o gênero se prestaria automaticamente a isso é um erro tacanho. Comédias podem muito bem tratar sobre questões difíceis da vida com inteligência e humanidade, tese que Denise Fraga costuma trabalhar à perfeição em sua carreira no teatro, no cinema e na televisão. Por isso que sua presença como protagonista é tão simbólica: à parte toda emoção e técnica inerentes ao repertório da atriz, ela lapida aqui essa sua investigação sensível e perspicaz de como a risada nos é profundamente familiar.

Uma parcela do que Sonhar com Leões faz de admirável está em como a jornada da protagonista se modifica também na forma: de início adotando a quebra da quarta parede para evidenciar como Gilda só tem o espectador como confidente, o filme se desfaz desse artifício na medida em que o jovem Amadeu (João Nunes Monteiro) chega como um novo elo em sua vida. Juntos, eles embarcam em uma jornada transformadora e que reserva boas surpresas na discussão sobre o que significa estar realmente vivo. Tudo sem moralismos, não-me-toques ou, parafraseando o próprio longa, pena.