Cinema e Argumento

10 razões para amar o World Soundtrack Awards (ou a lucidez admirável de um prêmio)

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Desbancando um blockbuster da dimensão de Star Wars: O Despertar da Força, Carol foi a melhor trilha sonora pelo voto popular no World Soundtrack Awards. Carter Burwell ainda foi eleito o compositor do ano.

Não é segredo para ninguém que o BAFTA sempre foi a minha premiação favorita por uma série de razões que inclusive elenquei na parte 1 e na parte 2 dos posts que fiz aqui no blog sobre o prêmio outorgado pelos britânicos. Não escondo, por outro lado, a minha frustração de vê-los tão sem autenticidade de uns anos para cá em suas escolhas dos melhores do cinema. Claro que premiações têm seus altos e baixos, mas é bem provável que hoje, depois de investigar um pouco a história do World Soundtrack Awards, o BAFTA venha a perder o seu lugar prioritário no meu coração. Fora o histórico, o que impulsionou minha paixão à primeira vista por esse prêmio dedicado à celebração de trilhas sonoras para o cinema foi ele ter reparado, na cerimônia realizada na última quarta-feira (19), uma das maiores injustiças da temporada de premiações desse ano: a infinidade de prêmios para Ennio Morricone por Os Oito Odiados.

Digo e repito: óbvio que tenho o maior respeito e admiração por Morricone, mas os troféus que ele levou para casa pelo filme de Quentin Tarantino foram por sua carreira e não pelo trabalho específico na obra. Sempre me chateio com prêmios assim, especialmente quando outros concorrentes são significativamente superiores. E, na varredura de vitórias feita pelo compositor italiano, o grande injustiçado foi Carter Burwell por seu trabalho espetacular em Carol. Entretanto, o World Soundtrack Awards fez justiça ao excelente momento da carreira de Burwell ao lhe conceder o prêmio de compositor do ano pelo júri oficial e pelo voto popular, desbancando nomes como Thomas Newman (outro eterno injustiçado), Daniel Pemberton (que faz um trabalho revelador e subestimado em Steve Jobs), John Williams e o próprio Morricone. Burwell ainda faturou a categoria de composição do ano (“None of Them Are You”, para Anomalisa), o que também corrige outro grande equívoco desse ano: os prêmios de canção recebidos por Sam Smith, por “Writing’s on the Wall”, para 007 Contra Spectre. Não deixe de conferir no site oficial da premiação a lista completa de vencedores.

A consagração tripla para o compositor vem no momento certo, já que Carol é o auge de sua carreira cada vez mais prolífera (lembrando que prêmio de compositor do ano também é por filmes como Ave, César! Anomalisa). No filme de Todd Haynes, Burwell dá uma verdadeira aula sobre como uma trilha sonora deve ser narrativa para uma história, entregando ainda um tema inesquecível para o romance de Carol Aird (Cate Blanchett) e Therese Belivet (Rooney Mara). Em um mundo coerente, não haveria nem discussão sobre Carol ter a melhor trilha da temporada – e talvez até do ano (abaixo compartilho um vídeo sobre a criação de Burwell para a parte musical do filme). Mas não é de hoje que o compositor já dá sinais de excelência: vale bisbilhotar o que ele realizou para a minissérie Mildred Pierce, estrelada por Kate Winslet em 2011, cujo resultado é muito semelhante com o de Carol. Contudo, a excelência de Burwell não se restringe aos dramas de época, uma vez que também vale a busca por algumas de suas trilhas mais ecléticas e desafiadoras, como para Adaptação, de Spike Jonze, ou Queime Depois de Ler, dos irmãos Coen. Isso mesmo, faz horas que Carter Burwell está entre nós. Pena que só agora ele está recebendo a devida (e merecida) atenção.

Tudo isso nos leva ao início do post, quando confessei que é bem provável que o World Soundtrack Awards venha a se tornar minha premiação favorita envolvendo cinema. Bem como fiz com o BAFTA, abaixo cito dez razões para justificar:

  • Enquanto o Oscar só foi reconhecer Alexandre Desplat com O Grande Hotel Budapeste, o World Soundtrack Awards já havia premiado o francês com os prêmios de trilha por O Curioso Caso de Benjamin ButtonO Fantástico Sr. Raposo, além de ter dado cinco vezes o título de compositor do ano para o francês (a primeira delas pelo lindo trabalho para A Rainha).
  • Não é sempre que júri popular acerta em premiações, mas é definitivamente o caso aqui, onde o polonês Abel Korzeniowski foi reconhecido duas vezes pelo público com suas trilhas para Direito de AmarW.E. – O Romance do Século.
  • “Come What May”, de Moulin Rouge! – Amor em Vermelho, foi eleita a melhor canção escrita para o cinema em 2001. Dispensa comentários.
  • Ainda nas canções escritas para o cinema, o World Soundtrack Awards corrigiu outro grande esquecimento: não só indicou como premiou “You Know My Name”, de Chris Cornell, para 007 – Cassino Royale.
  • Sequer indicada ao Oscar, a inesquecível e emblemática trilha de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain foi eleita a melhor do ano de 2001.
  • Indiscutivelmente o maior compositor brasileiro, Antonio Pinto recebeu o prêmio de revelação do ano por Cidade de Deus em 2003.
  • Esse foi o mesmo prêmio recebido por outros compositores de outras trilhas subestimadíssimas, como Nico Muhly (O Leitor, em 2009) e a dupla Dan Romer e Benh Zeitlin (Indomável Sonhadora, em 2013).
  • É importante reconhecer o cinema comercial e de blockbuster. Por isso o prêmio de compositor do ano para Michael Giacchino (Planeta dos Macacos: O ConfrontoDivertida MenteTomorrowlandO Destino de Júpiter) em 2015 foi tão especial.
  • Nomes renomados e inexplicavelmente sem um mísero Oscar em casa já se consagraram com os prêmios de compositor ou trilha do ano, entre eles Alberto Iglesias, James Newton Howard e Thomas Newman.
  • E até quem já se consagrou no passado com trilhas clássicas mas não no presente mesmo trabalhando a todo vapor foi reconhecido por obras contemporâneas, caso do mestre Hans Zimmer com A Origem e John Williams com Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban.

Estou em dívida (e preciso me desculpar)

Ei, você aí que lê o meu blog! Desculpa, tá? Como já deu para perceber, o ritmo desacelerou pra caramba. Isso não quer dizer que deixei de gostar de escrever ou atualizar o blog. Pelo contrário: minha angústia de não atualizá-lo é diária. O que acontece é que tenho visto menos filmes. Quase nada, na realidade. São coisas da vida: às vezes tem trabalho no fim de semana, outras vezes a vida pessoal fica conturbada e de vez em quando é preciso mesmo um tempo para desacelerar e recuperar o equilíbrio. No meio disso tudo ainda tem um programa de rádio para produzir e apresentar durante a semana. Algo se perde no meio de tanta coisa. Mas tudo isso é para dizer que está tudo bem com o blog e que, aos poucos (espero), ele recupera o ritmo. É questão de tempo. Até lá, os posts vêm na medida que é possível. Como sempre, conto com vocês! :)

Questão de golpe

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Que vergonha Aquarius não ter sido escolhido para representar o Brasil no Oscar. De verdade.

Não há como amenizar a situação. Muito menos com o discurso de que ainda não vimos Pequeno Segredo para julgar (e isso também não foi por acaso). A Despedida, por exemplo, que estava no páreo, por mais belo que fosse, não merecia desbancar o filme de Kleber Mendonça Filho.

E é muito simples o porquê. Estamos falando de um Aquarius que concorreu em Cannes (nada menos que o festival de cinema mais importante do mundo) e que, desde lá, consagrou-se como um grande filme, inclusive com torcidas para dar uma indicação ao Oscar de melhor atriz para Sonia Braga.

Ah, e também tem Sonia Braga, ícone de nosso cinema que se tornou nome internacional e há 25 anos mora em Nova York. Essa mesmo que a imprensa internacional saudou como a dona da melhor interpretação feminina de Cannes em 2016 (e que o júri resolveu ignorar).

Pode ser que Pequeno Segredo realmente seja bom, mas, para um filme que ninguém conhece e que até os cinéfilos mais dedicados tiveram que fazer uma pesquisa no Google para conhecê-lo, suas credenciais em nada se assemelham com as de “Aquarius”.

Essa escolha não é exclusivamente questão de qualidade do filme, mas também de chances, estratégias e venda no mercado exterior. Já no caso do Brasil, é questão de golpe mesmo, mais do que nunca. Ou vocês acham que, caso concorresse esse ano, Que Horas Ela Volta?, dedicado aos ex-presidentes Lula e Dilma pela diretora Anna Muylaert, também não seria esnobado? Fora Temer!

Um milhão de acessos (ou o meu maior presente)

Hoje é um dia muito especial para mim.

Um milhão. Essa é a marca de acessos que o blog alcançou nessa sexta-feira (05). Não entendo muito bem de estatísticas na internet – e, na verdade, pouco me importa se estou fazendo tanto barulho por isso –, mas o número me comoveu muito. O garoto que começou a rabiscar alguns comentários sobre cinema há quase dez anos pode ter sonhado com isso, mas, como já escreveu James Michener, nós nunca estamos realmente preparados para aquilo que desejamos.

Ao ver esse número de acessos, fiquei pensando: já que não existe uma formação oficial, o que define um crítico de cinema? Qual linha alguém precisa ultrapassar para ser considerado um? Sofisticação de texto? Número X de filmes assistidos? Fazer os amigos certos? Ou simplesmente dedicação à escrita? Não sei. Prefiro dizer que sou um jornalista que comenta sobre cinema, pois acho que quem pode dizer se sou realmente um crítico são os outros. E confesso que já ouvi, ao longo desse tempo, coisas que me emocionaram muito de quem realmente coloco na minha singela listinha de prioridades.

No entanto, para não me desviar do assunto, queria deixar registrado um abraço, nem que seja virtual, para as tantas pessoas que me influenciaram até aqui. Não vou listar nomes porque não quero ser injusto e deixar alguém de fora por desatenção, mas espero que essas pessoas saibam que devem se sentir abraçadas hoje. Principalmente porque elas entendem – ou pelo menos respeitam – esse meu jeitinho de ver o cinema sem preconceitos, de dizer o que penso de um filme sem qualquer restrição (mesmo quando tem pessoas conhecidas envolvidas) e de me encantar com o cinema sem qualquer fórmula pronta, até mesmo quando estamos falando de um filme considerado por muitos como bobo ou mero entretenimento hollywoodiano.

Afinal, como uma vez me disse a minha ex-professora Raquel Cirne, para ter valor, nem sempre um filme precisa ser questionador, enigmático ou difícil de entender. Também ter que ter música luminosa, leveza, beleza, uma linda celebração de um casamento com velas penduradas nas árvores… Cinema é magia, e deve ter a função de inspirar, de estimular os sonhos, de colorir a vida. Acredito muito nisso. Ao longo desses quase oito anos de existência e, agora, um milhão de acessos, o Cinema e Argumento me ajudou a compreender melhor o cinema – e, claro, a colorir a minha vida. Fico mesmo emocionado de saber que tanta gente já me leu. Ter vocês ao meu lado sempre foi o meu maior presente. Podem acreditar.

TOP 10: as melhores cenas de Meryl Streep

meryl67Basta dar uma breve circulada aqui no blog para perceber que considero Meryl Streep a rainha favorita do universo. Nem sempre foi assim: nos primórdios das minhas descobertas cinéfilas, caí de amores por Susan Sarandon, mas precisamos ser sinceros: o tempo não foi nada justo com ela, ao contrário de Meryl, que, com os anos, aprendeu a se divertir e se tornou até mesmo sucesso de público e bilheteria. Costumo dizer que a definição de “melhor atriz em atividade” não passa apenas pela questão do talento, mas também pela diversidade de papeis, por conseguir sobreviver na indústria (especialmente se estamos falando das mulheres) e por conseguir arriscar sempre. E, no que sei de cinema até aqui, não conheço atriz com carreira tão plural e prolífera quanto a dela, muito menos com imenso talento distribuído em tudo isso. Por isso, homenageamos a aniversariante do dia ressuscitando a série TOP 10 que costumávamos fazer aqui no blog. Muita coisa muda com o tempo, e várias listas que publicamos aqui já não seriam as mesmos (Kate Winslet, por exemplo, certamente teria a adição de Steve Jobs em sua postagem), mas é sempre divertido fazê-las. Já havíamos elencado os melhores desempenhos de Meryl Streep, mas, para celebrar os 67 anos da atriz, dessa vez, embarcamos em um desafio diferente: falar sobre suas melhores cenas no cinema. Lembrando que nosso objetivo aqui não é ponderar uma média do que público e crítica consideram como mais emblemático ou da relevância de cada cena na carreira de atriz. A lista, na realidade, é feita toda com o coração.

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1A decisão imposta e assombrosa de A Escolha de Sofia

A própria Meryl Streep já revelou que só conseguiu gravar esta cena uma única vez e que, posteriormente, nunca teve coragem de revê-la. Se para nós, espectadores, já é doloroso ver a personagem do título tendo que fazer uma das escolhas mais inimagináveis da vida de qualquer pessoa, imagine, então, para ela que precisou estar na pele de toda a situação. Com alemão afiadíssimo, Meryl não deixa que o idioma sequer a faça hesitar em toda a intensa carga dramática de sua interpretação. É impossível não ficar com o coração na boca, tanto pela situação em si quanto pelo que ela realiza como intérprete. Nem mesmo o fato de A Escolha de Sofia ser um filme problemático diminui a potência deste momento dramaticamente universal e atemporal. 

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2. Despedida no semáforo em As Pontes de Madison

Coladinha com a nossa primeira posição vem a cena mais emblemática do drama romântico As Pontes de Madison. Assim como em A Escolha de Sofia, aqui a atriz precisar encarnar novamente uma intensa decisão. E, mais uma vez, o resultado é de partir o coração. Sem dizer uma palavra sequer, a atriz destroça corações com olhares, choros contidos e, principalmente, uma mão na maçaneta que comunica universos. Percebemos tudo o que se passa na cabeça da italiana Francesca Johnson, e por isso é tão angustiante ver que nada em seu interior consegue movê-la para os caminhos que tanto sonha. O diretor Clint Eastwood dá o toque romântico e dramático certo para o momento, mas o show é mesmo todo de Meryl, em uma de seus mais incríveis registros.

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3. Um ato final de compreensão e generosidade em Kramer vs. Kramer

Filme que traz o papel coadjuvante mais relevante e marcante de toda a carreira de Meryl Streep, Kramer vs. Kramer fez história ao tocar em um assunto delicadíssimo em plenos anos 1970: o que acontece quando uma mãe abandona sua família? Não deixa de ser pertinente a discussão quanto até hoje mulheres são criticadas por atitudes perfeitamente aceitáveis no universo masculino. O diretor e roteirista Robert Benton, no entanto, foi esperto e em momento algum vilanizou a Joanna de Meryl Streep. Ela é apenas uma mulher depressiva e confusa, o que torna seu ato final de compreensão e generosidade tão simbólico. São muitos os momentos em que Meryl, nos primórdios de sua carreira, tem a chance de brilhar com esse papel desafiador, mas sua última cena é particularmente delicada e emocionante, além de encerrar o filme com chave de ouro.

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4. “Todos querem ser como nós” em O Diabo Veste Prada

Outro papel da carreira de Meryl Streep que coloca em pauta os valores (ou falta deles) envolvendo uma série de julgamentos acerca do que é esperado de uma mulher, Miranda Priestly fez com que a atriz se tornasse um verdadeiro ícone pop e um grande sucesso de bilheteria. São inesquecíveis os momentos that’s all de Miranda e a dilacerante entrevista de emprego de Andy Sachs (Anne Hathaway). Entretanto, é em uma franca conversa com sua assistente dentro de um carro que Meryl sintetiza toda a sua força no papel. Descortinando uma série de  fatos que não nos deixa, de uma vez por todas, com qualquer dúvida sobre a competência e a inteligência de Miranda, a atriz brilha com todos os detalhes da construção que tornaram a personagem inesquecível, mostrando o íntimo profissional de uma mulher que amamos odiar e que, principalmente, precisamos respeitar.

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5. Uma visita inesperada em As Horas

É a performance mais subestimada por público e crítica em As Horas, e até hoje tento compreender o porquê. Na realidade, Clarissa Vaughan é tão complexa quanto a Laura Brown de Julianne Moore e até mais desafiadora que a Virginia Woolf de Nicole Kidman. Interpretando todas as angústias e infelicidades de uma mulher contemporânea sem qualquer artifício ou alegoria de figurino ou maquiagem, Meryl brilha nessa cena com Jeff Daniels. É nela que compreendemos melhor o universo de sua personagem, e, indo da angustiante mania de Clarissa de não verbalizar seus sentimentos ao total desmoronamento frente ao antigo amigo, a atriz tem material de sobra para se esbaldar – e o faz com toda elegância, disciplina e emoção que as tornaram única.

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6. Donna canta “The Winner Takes it All” em Mamma Mia!

Por mais que você não goste desse musical divertido, mas mal dirigido por Phyllida Lloyd, não há como negar a influência dele ao reforçar Meryl Streep como sucesso de bilheteria (no Reino Unido bateu recordes e mais recordes nos cinemas) e ao popularizar sua figura de intérprete com voz admirável, já que, nos anos seguintes, mais dois filmes exploraram sua voz: Caminhos da FlorestaRicki and the Flash: De Volta Pra Casa. O poder vocal da atriz não era novidade, o que não quer dizer que o que ela faz na cena de The Winner Takes it All não tenha seja um marco em sua carreira. Com uma versão muito mais dramática da clássica canção do ABBA, Meryl emociona ao cantar mas também ao interpretar toda a história e principalmente as mágoas da letra dessa música que sintetiza a vida amorosa de sua Donna Sheridan. E, nós, assim como Pierce Brosnan, só podemos ficar novamente sem saber o que fazer frente a tanto talento.

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7. Suzanne canta Ray Charles em Lembranças de Hollywood

Meryl Streep pode até alcançar notas mais altas cantando You Don’t Know Me, de Ray Charles, em Lembranças de Hollywood, mas esse é um momento cercado de sutilezas se comparado ao show de The Winner Takes it All, em Mamma Mia!, e principalmente à cena também musical que Shirley MacLaine protagoniza segundos depois nesse mesmo filme dirigido pelo saudoso Mike Nichols em 1990. Enquanto Doris (MacLaine) não pensa duas vezes antes de pular em cima de um piano para cantar como uma verdadeira diva, Suzanne (Meryl) solta a voz muito timidamente, sem qualquer glamour frente ao estrelado da mãe. Esse contraponto, onde Meryl trabalha a introspecção de sua personagem como a admiração e respeito de uma filha por uma mãe que, na realidade, não gosta de ver sua sucessora brilhar mais do que ela, está em cada expressão corporal da atriz ao longo de You Don’t Know Me. São cenas que dialogam, e de forma muito mais bonita do que pode parecer.

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8. O desabafo final da irmã Aloysius em Dúvida

Há quem deteste o desfecho de Dúvida e até quem diga que os exatos 30 segundos finais ateiam fogo à história inteira, mas sou fã da provocação colocada pelo diretor e roteirista John Patrick Shanley na tela. Não é o testamento final da humanização da irmã Aloysius (Meryl) porque a própria já havia hesitado em palavras e emoções ao ser confrontada pelo padre Flynn (Philip Seymour Hoffman) em relação a já ter cometido pecados em tempos passados. Ainda assim, acho fundamental e até comovente o repentino desmoronamento de uma mulher que precisava baixar a guarda e se desarmar. Até o último minuto, irmã Aloysius mantem a pose ao segurar as lágrimas e as palavras para, depois, confundir e provocar o espectador com seu desabafo final – e Meryl, eventualmente criticada por seus exageros no papel, faz desse o o seu melhor momento em Dúvida.

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9. A nervosa reunião de gabinete em A Dama de Ferro

É preciso muito talento como atriz para sobreviver a um filme inegavelmente mal escrito e dirigido como A Dama de Ferro. Ainda é um tanto frustrante que Meryl tenha precisado de um papel de biografia carregado de sotaque e maquiagem para ganhar um terceiro Oscar. Por outro lado, isso não diminui o que ela consegue alcançar no longa de Phyllida Lloyd. A cena escolhida impressiona porque mostra a polêmica Margaret Thatcher nos tempos mais movimentados e turbulentos de sua vida política e coordenando uma nervosa reunião de gabinete onde são questionados desde os erros de português em um relatório até os ideais políticos de seus assistentes. O sotaque e a postura sabemos que ela tira de letra, mas, nesse momento em particular, Meryl transmite, com uma certeira intensidade, toda a imponência e autoridade de uma mulher que só alivia a respiração e relaxa a postura quando se vê sozinha entre quatro paredes.

MERYL STREEP stars in AUGUST: OSAGE COUNTY

10. O tenso jantar de Álbum de Família

Completando a tríade das personagens mais ácidas de Meryl Streep (formada ainda por Miranda Priesly, de O Diabo Veste Prada, e Aloysius Beauvier, de Dúvida.) está a matriarca Violet Weston de Álbum de Família. O auge de sua personalidade altamente crítica e de suas ofensas disfarçadas de sinceridade está no primeiro jantar que ela realiza com a família após o velório do marido. Assim como em todo o filme, cada personagem tem seu momento aqui. No entanto, é mesmo Violet quem lidera a situação toda, dizendo todas verdades possíveis como uma mulher que parece ter muito pouco de mãe. Na pele da protagonista, Meryl, ao inferiorizar as filhas por elas terem uma vida supostamente mais fácil do que a dela durante a juventude, nunca se repete ou hesita na dinâmica que estabelece com todos os colegas na longa cena encenada ao redor de uma simples mesa de jantar. É algo inteiramente novo, incômodo e interpretado com a habitual excelência da veterana.