15 (novas) razões para amar o BAFTA

A foto é do prêmio por O Leitor em 2009, mas Kate Winslet já era antiga conhecida do BAFTA: em 1996, ela faturou a estatueta de atriz coadjuvante por Razão e Sensibilidade
Na próxima sexta-feira (09), vamos conhecer os indicados ao BAFTA, a premiação mais autêntica do circuito e coincidentemente uma das mais justas e surpreendentes desde sempre. Excetuando alguns bairrismos realmente exacerbados (qual a necessidade de indicar Judi Dench como coadjuvante por Sete Dias Com Marilyn?), o BAFTA volta e meia surpreende com suas seleções. Ano passado, fizemos uma lista com 20 escolhas dos britânicos que os diferenciaram das outras premiações. Muita coisa ficou de fora, o que originou esta nova seleção com outros 15 tópicos referentes às boas inspirações BAFTA. Quem aí concorda com eles?
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– Em 2012, as duas francesas da temporada foram devidamente indicadas ao prêmio de melhor atriz: Emmanuelle Riva por Amor e Marion Cotillard por Ferrugem e Osso, com a primeira se saindo vitoriosa;
– 007 – Operação Skyfall foi levado a sério também nas interpretações. Merecidamente, não apenas Javier Bardem foi lembrado como coadjuvante mas também Judi Dench;
– Precisamos Falar Sobre o Kevin não é só Tilda Swinton. Em 2012, o filme também foi indicado nas categorias de melhor filme britânico e direção;
– Hailee Steinfeld coadjuvante em Bravura Indômita? Não para o BAFTA, que colocou a jovem no seu devido lugar como indicada a atriz principal;
– Lesley Manville tinha a melhor interpretação coadjuvante de 2011 por Mais Um Ano. E somente o BAFTA soube reconhecer a atriz, lembrada com uma merecida indicação;
– O Diabo Veste Prada foi outro filme levado a sério pelo BAFTA, com indicações para Emily Blunt como coadjuvante e Aline Brosh McKenna em roteiro adaptado (sem falar, claro de Meryl Streep, dos figurinos e de maquiagem/penteados);
– Paul Greengrass foi o melhor diretor com Vôo United 93 no ano em que Martin Scorsese faturava seu primeiro Oscar por Os Infiltrados;
– Uma ousadia bem-vinda: A Pele Que Habito foi o melhor filme estrangeiro no ano em que A Separação dominava todos os prêmios;
– O Jardineiro Fiel foi indicado a melhor filme e ainda venceu melhor montagem;
– Meryl Streep concorreu como coadjuvante por Sob o Domínio do Mal e como protagonista por As Horas;
– Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças faturou melhor montagem (e roteiro original, claro);
– A discussão envolvendo indicações a prêmios de Scarlett Johansson por Ela já é velha para o BAFTA. Em 2002, os votantes já tinham indicado um trabalho de voz ao prêmio de coadjuvante: Eddie Murphy, por Shrek;
– Frances McDormand está ótima em Fargo, mas a interpretação feminina daquele ano era Brenda Blethyn em Segredos e Mentiras, devidamente coroada no BAFTA;
– Antes mesmo de estourar com Titanic, Kate Winslet já tinha sido premiada no BAFTA: a primeira estatueta veio em 1996, por Razão e Sensibilidade;
Cahiers du Cinéma e as anatomias de Meryl Streep – parte 2
Para a Cahiers du Cinéma, o melhor desempenho de toda a carreira de Meryl Streep é o que ela entrega em Julie & Julia. A publicação afirma que, como a icônica chef Julia Child, Meryl sintetiza perfeitamente toda a sua trajetória pessoal e profissional. Ou seja, uma mulher que se redescobriu e viu sua verdadeira consagração somente na casa dos 50 anos. Não deixa de ser verdade. A crítica de cinema Isabela Boscov já havia apontado o mesmo na época do lançamento de Simplesmente Complicado: em década passadas, Meryl era admirada e respeitada, mas foi somente envelhecendo que aprendeu a se divertir e a se aproximar dos espectadores – o que fez com que passasse a ser amada incondicionalmente, tornando-se a referência que é hoje. Dando continuidade a nossa postagem especial sobre o livro da Cahiers du Cinéma que elenca as melhores atuações da atriz, chegamos, agora, aos cinco últimos desempenhos selecionados pela jornalista Karina Longworth, a responsável pela seleção. Novamente, não há muito para se discordar aqui (nem mesmo a escolha de A Morte Lhe Cai Bem), com uma leva que seleciona o melhor da mais nova e celebrada fase da carreira de Meryl Streep. Boa leitura!
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1992 – Madeline Ashton (A Morte Lhe Cai Bem)
“Madeline Ashton se irrita com tudo: o tempo passando, sua vida desmoronando e sua falta de controle em relação a essas coisas. E, bom, existe o suficiente de tudo isso na minha vida para alimentar a personagem”
Após Entre Dois Amores, Meryl estava tentando se manter como atriz. Principalmente, tentava administrar como era envelhecer em Hollywood (ela já havia completado 40 anos). A má onda que enfrentava por sua interpretação no filme de Sydney Pollack não ajudava sua situação na indústria. Ao contrário de astros dos anos 1990 como Tom Cruise e Sylvester Stallone, Meryl não interpretava a si própria – o que não lhe dava uma marca ou um público cativo. Ninguém ia ao cinema pelo selo Meryl Streep. Eram tempos em que os homens faziam fortunas nas telas; as mulheres não. Mesmo com novas indicações ao Oscar (Ironweed, Lembranças de Hollywood) e até mesmo um prêmio em Cannes (Um Grito no Escuro), a atriz não fazia bilheteria. “Ela pode até ser a atriz mais talentosa de sua geração, mas o público está ficando em casa”, disse o crítico Mike Hammer.
Nesse meio tempo, Meryl começava a ensaiar sua inserção no mundo das comédias com obras como Ela é o Diabo e A Difícil Arte de Amar (esse segundo ofuscado pelos boatos de que ela teria começado um caso com Jack Nicholson durante as filmagens), tentando se distanciar do humor que não apreciava. Na época, a atriz ficou particularmente incomodada com o sucesso de Uma Linda Mulher, que, segundo ela, pregava valores muito errados para seu público-alvo. Em sua crise profissional, perdeu o papel principal de Evita porque reivindicava um salário melhor para intérpretes femininas e recusou três papeis de bruxa em filmes de fantasia, alegando constrangimento no fato de que era basicamente isso o oferecido para atrizes de sua idade. “Meryl Streep passou de atriz lendária para apenas mulher difícil”, definiu a colunista Liz Smith. Ironicamente, veio A Morte Lhe Cai Bem, que refletia exatamente os conflitos daquela geração com papeis femininos e a precoce crise de meia-idade que Streep enfrentava.
No filme, que já começa com Meryl se olhando no espelho e cantando “O que eu vejo? Essa é a questão que mais tenho medo!”, a atriz contracena com Goldie Hawn fazendo um curioso contraste: Hawn, estrela da comédia popular, queria ser levada a sério, enquanto Meryl, com dois Oscars em casa, não conseguia estrelar um sucesso de público sequer. As gravações foram difíceis: Meryl precisou se moldar às transformações físicas de sua Madeline (a difícil mulher que toma poção para rejuvenescer e não perder o marido) com exercícios físicos, efeitos visuais e muita maquiagem. Alérgica, teve que usar próteses para não entrar em conflito com os produtos usados. Era seu primeiro filme com efeitos visuais – e último, conforme ela mesmo previu, após se ver entediada ao ter que lidar com tanta tecnologia.
O período de gravação é o mais longo da carreira da atriz até hoje (sete meses), mas o resultado recompensou: 15 milhões de dólares em apenas cinco dias (mais do que toda carreira comercial de Ela é o Diabo). A crítica, no entanto, não foi receptiva, alegando que Meryl era muito “maior” do que a brincadeira dirigida por Robert Zemeckis. “Que pena que pensam assim, pois levo a sério tudo o que faço, até mesmo os meus filmes mais leves”, defendeu Meryl, que revelou ainda estar “horrivelmente desapontada” com a desaprovação daquele que é um de seus trabalhos favoritos. Não é para tanto: A Morte Lhe Cai Bem, apesar de divertido e ser o auge do tino cômico de Meryl naquela fase, não envelheceu tão bem. Mas o destino traria um belo balanço para sua situação: três anos depois, ela entregaria um dos seus desempenhos mais populares e emblemáticos – e, particularmente, o favorito disparado do escriba que vos fala.

1995 – Francesca Johnson (As Pontes de Madison)
“É revigorante fazer uma história de amor. Pense nas vidas que eu já interpretei no cinema: fui contaminada por radiação, mandei um filho para a câmara de gás, perdi a custódia de outro… Céus, se não fosse por papeis como esse, onde eu me apaixono, já teria enlouquecido!”
As Pontes de Madison foi o maior hit de Meryl Streep nos anos 1990 e a sua maior bilheteria até então, superando Entre Dois Amores. Pela primeira vez, a atriz levava ao cinema plateias que não conseguia alcançar: somente no primeiro final de semana, o filme dirigido por Clint Eastwood sobre uma dona-de-casa que vira protagonista da própria vida ao viver um breve mas inesquecível caso com um fotógrafo viajante faturou 10 milhões de dólares nos Estados Unidos. A carreira completa de Madison nas telas estadunidenses chegou a 71,5 milhões (um bom orçamento para um filme desta temática e proporção), o que se tornou a porta de entrada para uma Meryl Streep mais universal e popular.
Inicialmente, o longa seria dirigido por Bruce Beresford (Conduzindo Miss Daisy), com Meryl e Clint como protagonistas. Beresford, no entanto, deixou o projeto, o que foi a deixa para Clint fazer a mudança que tanto queria na adaptação: o livro é contado sob a perspectiva do fotógrafo Robert Kincaid, mas, em parceria com o roteirista Richard LaGrevanese e a própria Meryl, a decisão foi de transformar o romance em uma história focada totalmente na protagonista Francesca Johnson. Mais do que isso, As Pontes de Madison também era, para Clint, uma oportunidade única: a de fazer um romance em estilo clássico com apenas diálogos entre dois personagens em cena, contrariando totalmente as expectativas da geração MTV que reinava naquele ano.
Filmado quase todo em ordem cronológica com o objetivo de mostrar com fidelidade todas as etapas do envolvimento gradual dos personagens, As Pontes de Madison, segundo a Cahiers du Cinéma, transforma uma decisão de mero contexto social em algo completamente complexo e pessoal, sem respostas certas ou julgamentos. Com isso, a adaptação foi celebrada como um grande incremento ao livro, e as duas performances minimalistas saudadas por público e crítica. Ou seja, Meryl, mais uma vez indicada ao Oscar (não teve como competir com Susan Sarandon, que vivia o grande momento de sua carreira com Os Últimos Passos de Um Homem), estava, assim como Francesca, finalmente se encontrando.
Deixando para trás a crise de Entre Dois Amores e os percalços para encontrar os papeis que tanto queria, ela dava vida ao papel que mais se parecia com ela até aquele momento: a de uma mulher simples, de 40 e poucos anos, sem maquiagens e longe de circunstâncias extraordinárias. Para a Cahiers, ali a atriz estava completamente nua em suas emoções, refletindo na tela muito do que ela era na vida real. Isso foi a porta de entrada para Meryl se aproximar de vez do público, trazendo identificação e inaugurando a sua nova fase como atriz de grandes plateias. Enfim, ela amadurecia como uma intérprete plenamente segura de suas escolhas e cada vez mais próxima do título de atriz mais adorada e celebrada em atividade. Afinal, reinvenção foi a palavra que norteou seus papeis a partir de As Pontes de Madison.

2006 – Miranda Priestly (O Diabo Veste Prada)
“A verdade é que Miranda está em uma posição incrivelmente tensa. Se alguém tem que ir ao Starbucks para buscar um capuccino porque ela não pode parar tudo ou se alguém tem que buscar suas roupas na lavanderia porque ela ficou até duas da madrugada trabalhando… Será que isso é tão horrível assim? Não precisamos ter simpatia por ela, mas pelo menos algum entendimento.”
De As Pontes de Madison até O Diabo Veste Prada, Meryl Streep viveu um dos momentos mais intensos da sua vida. Não foi apenas a morte da mãe e os dias cuidando do pai doente até sua morte em 2004 que movimentaram o dia a dia da atriz. Após o sucesso do filme dirigido por Clint Eastwood, ela também resolveu voltar ao teatro com The Seagull (a primeira peça em 20 anos), participar de uma grandiosa produção para a TV (a épica minissérie Angels in America, dirigida por Mike Nichols) e abraçar papeis completamente distintos e bastante subversivos para sua carreira, a exemplo da jornalista femme fatale de Adaptação, da ambiciosa senadora de Sob o Domínio do Mal e da lésbica de meia-idade de As Horas. Era um momento em que, conforme apontou a crítica Karen Hollinger, Meryl se despia de qualquer inibição. E ainda, de brinde, veio aquele papel que mais lhe marcaria com o grande público: o da elegante e poderosa editora-chefe da revista de moda Runway Miranda Priestly em O Diabo Veste Prada.
Não foi a obra escrita por Lauren Weisberger que inspirou a atriz a participar do projeto. Pelo contrário. Para Meryl, o livro “foi escrito por puro ódio e com um ponto de vista muito fácil. A garota não tinha um entendimento da grandiosidade da indústria em que ela trabalhava. Ela só fica ‘choramingando’ por ter que buscar um café. Se ela estivesse com os olhos bem abertos, poderia ver que tinha muito a aprender, mas eu acho que ela simplesmente não estava interessada”. O que atraiu a atriz foi novamente a discussão cultural envolvendo a influência da mulher em um importante contexto. “Mulheres como Hillary Clinton e Anna Wintour são normalmente consideradas ‘frias’ pela nossa cultura, como se elas fossem desprovidas de senso maternal ou algum tipo de feminilidade. Só que a verdade é que, se uma mulher pede um café, ela ‘manda’. Se um homem pede, ele apenas ‘precisa’ do café”.
Negando qualquer inspiração em Anna Wintour – a editora em quem Weisberger se inspirou para escrever o livro – na hora de construir Miranda Priestly, Meryl, em um questionário promovido pelo Oscar de 2006, disse que a parte mais difícil de viver a personagem foi… ter que usar salto alto! E verdade seja dita: a atriz nunca foi reconhecida por ter boas relações com a moda. Nos tapetes vermelhos, seus looks inspiram indiferença ou eventuais críticas. “É tudo muito exaustivo”, diz sobre a sua falta de “empenho” com a moda. Entretanto, Meryl entrou de cabeça no projeto: ela própria construiu o visual da personagem, decorando o escritório de Miranda, escolhendo a cor do cabelo e ainda fazendo infinitas pesquisas de maquiagem para que seu amigo J. Roy Helland pudesse ter o que, segundo ela, Miranda escolheria para o rosto. Com as colegas intérpretes, incorporou a personagem. No primeiro dia de filmagens disse para Anne Hathaway: “Eu acho que é você perfeita para o papel e estou muito feliz que vamos trabalhar juntas. E essa vai ser a última coisa boa que vou dizer para você”. E foi.
Meryl também trabalhou, de certa forma, como roteirista de O Diabo Veste Prada. Ao ler o roteiro adaptado por Aline Brosh McKenna, apontou que Miranda Priestly era apenas uma mulher odiável. Para mudar a situação, sugeriu a inclusão de uma cena em que a personagem baixasse a guarda: aquela em que, no quarto e sem maquiagem, Miranda admite para Andrea (Anne Hathaway) o fim de mais um casamento. “Essa é a parte que faz o filme inteiro ter verdadeiro sentido. Sem ela, o que realmente sobra para Miranda?”, indagou a atriz. E, de fato, o acréscimo da cena traz um dos melhores momentos de O Diabo Veste Prada não só para ela mas para todo o filme. O longa comandado por David Frankel superou As Pontes de Madison em bilheteria e finalmente posicionou Meryl como uma atriz para todas as plateias. Mais uma indicação ao Oscar veio para a sua conta (em um ano poderosíssimo para as mulheres) e, na modesta opinião de quem vos escreve, caso tivesse concorrido como coadjuvante (onde de fato deveria estar), poderia facilmente já ter conquistado sua quarta estatueta.

2009 – Julia Child (Julie & Julia)
“Nora Ephron me disse: ‘você não é Julia Child, você é a ideia que Julie Powell tem de Julia Child’. E isso foi o que deu a liberdade que eu precisava para não imitar Julia e sim encontrar o espírito tão particular dessa mulher”
Nos tempos de Julie & Julia, qualquer comparação que existia entre Meryl Streep e atrizes de sua geração já tinha ido por água abaixo. Ninguém mais, na idade de Meryl (acima dos 60), tinha uma carreira tão constante, trabalhadora e rica quanto a dela. Quem poderia se equiparar em termos de sobrevivência no circuito e número de filmes é Diane Keaton – mas a qualidade de suas comédias toscas não ajuda. Entre Prada e Julie & Julia vieram outros grandes sucessos de bilheteria como Mamma Mia! (no Reino Unido desbancou Titanic como a maior bilheteria da história e mundialmente faturou mais de 600 milhões de dólares, com Meryl mais uma vez quebrando seu recorde de arrecadação) e Simplesmente Complicado, filmes que, mesmo estando longe de qualquer qualidade notável, consolidaram Meryl junto ao grande público e reafirmaram sua recém descoberta capacidade de se divertir.
A escolha por ser mais livre e menos técnica foi reconhecida pela atriz na época do lançamento de Julie & Julia. “Na medida que você envelhece e começa a perceber que existe menos tempo a sua frente, você passa a querer ser quem realmente você é, sem se preocupar em ter que agradar os outros ou tornar tudo mais fácil para alguém”, avaliou. Era uma época em que Meryl trabalhava mais do que nunca devido ao fato de seus quatro filhos já terem saído de casa e de que nenhuma “obrigação” caseira lhe aguardava depois de um dia de filmagem. Como a icônica chef Julia Child, Meryl entrega, segundo a Cahiers du Cinéma, aquela que é a sua melhor interpretação justamente por ser uma elegante metáfora de quem Meryl era atrás das câmeras e o que ela simbolizava na época: uma mulher que se descobriu após os 50 anos e alcançou um tipo de sucesso que, décadas atrás, talvez lhe parecesse simplesmente impossível.
A diretora Nora Ephron, amiga de Meryl que viria a falecer em junho de 2012, revelou que gostaria de ter alguma parcela de contribuição na criação da protagonista, mas que tudo o que se vê na tela é mérito da atriz. “Ela andava com panelas por todos os lados, trabalhava diretamente com Ann Roth para escolher cada figurino de Julia Child e ainda sugeriu que Stanley Tucci fizesse parte do elenco. Ela simplesmente leu tudo o que existe sobre Julia e inventou até que seria tão alta quanto ela mesmo sem saber como. Por mim, ela poderia ser apenas Meryl interpretando Julia. Mas não. Para ela, tudo era sobre se transformar na personagem”, contou Nora.
Novamente indicada ao Oscar (sua décima sexta vez), Meryl seguiu sem fazer campanha (“Não consigo conceber a ideia de uma campanha. O trabalho deveria falar por si só”), e, mesmo assim, chegou à noite de premiação como franca favorita ao lado da vencedora Sandra Bullock (Um Sonho Possível). Já eram quase três décadas sem uma estatueta. Enquanto, naquela mesma época, Simplesmente Complicado faturava mais de 200 milhões de dólares mundialmente, também ficava claro que, se a vitória de Streep não estava no prêmio mais cobiçado do cinema, pelo menos se encontrava com o público, em uma conquista que, assim como a de Julia Child, veio tardiamente – mas também merecidamente.

2011 – Margaret Thatcher (A Dama de Ferro)
“Como espectador, é muito fácil julgar uma personagem. Sim, você pode criticar a política e as ações de Margaret Thatcher. Mas, para mim, como atriz, estar dentro daquele corpo é algo completamente diferente. É uma experiência cheia de compaixão e fúria, assim como é estar dentro do nosso próprio corpo. Afinal, todos nós sabemos os erros que cometemos. E não tenho dúvidas de que Margaret também sabia quais eram os dela”
No lançamento de A Dama de Ferro, Meryl Streep já era a recordista absoluta em indicações ao Oscar entre todas as atrizes da história. Curiosamente, no entanto, só havia sido celebrada no início de sua carreira, enquanto sua fase mais prolífera, criativa e bem sucedida ainda não havia sido coroada pelo Oscar. A vitória tão aguardada veio justamente pelo tipo de papel mais óbvio possível para os prêmios: o de biografias. E o pior, por um filme bastante ruim. Isso mesmo, A Dama de Ferro só será lembrado por trazer este momento de glória para Meryl, que segundo a Cahiers du Cinéma, já estava chegando ao ponto de ser considerada uma injustiçada com tantas derrotas após sucessivas reinvenções. Era a vez de Meryl. Sim, finalmente. De novo.
Para a Cahiers, a maior prova de que era de fato a vez de Meryl é que os votantes realmente não se importaram muito com o desastre que é A Dama de Ferro (aliás, qual outra atriz ganhou prêmio de protagonista por um filme verdadeiramente ruim?). A publicação aponta que a interpretação da atriz, precisa como um relógio suíço, entendeu tudo o que o filme não conseguiu sobre a personagem e que a experiência vale muito mais como uma biografia do quão longe Meryl pode chegar com um personagem do que como um relato sobre a vida de Margaret Thatcher.
Segundo a diretora Phyllida Lloyd, a escolha de Meryl foi intencional: escolher uma estadunidense para interpretar uma emblemática figura britânica se relacionava muito com a própria Thatcher, que assim, como Meryl, foi uma “estranha” em outro território ao investir na carreira política em tempos que ela era dominada por homens. Até que ponto isso é verdade? Difícil dizer. Será mesmo que Phyllida realmente pensou em fazer A Dama de Ferro sem ter Meryl Streep em mente para depois escolhê-la pensando nessa semelhança? Ou será que só quis novamente a oportunidade de trabalhar com a atriz que ajudou a levar o seu primeiro filme (Mamma Mia!) ao topo das bilheterias do Reino Unido? De qualquer maneira, como de costume, a atriz fez uma completa imersão no papel: viajou para o Reino Unido, participou de sessões no Parlamento, conversou com pessoas que conviveram com Thatcher e aprendeu os tons de voz que, segundo ela, foram alguns dos mais difíceis de toda a sua carreira.
A principal questão de A Dama de Ferro – é possível uma mulher dominar um mundo essencialmente masculino sem ser mal vista ou perder o domínio de sua vida? – se assemelha quase que inteiramente com a de O Diabo Veste Prada. A diferença, porém, é que, por incrível que pareça, os dilemas envolvendo sexismo e questões de trabalho são infinitamente mais envolventes na comédia de David Frankel do que nesse longa político de Phyllida Lloyd. Frases prontas e discursos com lições de moral (“com todo respeito, senhor, eu fui à guerra todos os dias da minha vida!”) não convencem o espectador de que seriam ditas na vida real. Para a Cahiers, Meryl está perfeita em seu trabalho corporal, supera os obstáculos da pesada maquiagem e ainda consegue trazer sentimentos autênticos para a personagem, mas simplesmente o texto não sugere que exista uma pessoa de verdade ali dentro. É confusa a personalidade de Thatcher mostrada em A Dama de Ferro – e ainda mais a política pregada por ela.
A crítica britânica não recebeu bem o filme. Amigos de Thatcher foram publicamente declarar sua revolta com o retrato da ex-primeira-ministra e com a imprecisão do roteiro escrito por Abi Morgan. Meryl se esquivou de responder as falhas do longa e frequentemente vendia a ideia de que este era um relato da Thatcher humana e não da Thatcher política. Por falar em venda, A Dama de Ferro marcou o maior empenho da carreira da atriz para fazer uma boa campanha na temporada de premiações. Se, sem tal esforço, já era fácil ver o Oscar celebrar um papel como esse, imagine, então, com Meryl Streep frente a ele aparecendo em todas os programas possíveis de TV. Viola Davis, sua principal concorrente com Histórias Cruzadas, não teve vez. Meryl superou o filme ruim e as más críticas e finalmente, depois de quase 30 anos, conquistou um novo Oscar. No discurso vitorioso, brincou que sabe que aquela foi a última vez que subiu ao palco para receber um Oscar. Bom, considerando que, em 2015, é bem provável que adicione uma segunda indicação ao prêmio desde então, é melhor não fazer coro ao que ela afirmou.
Adeus, 2014! (e as melhores cenas do ano)
Novamente, a meta para 2015 é desacelerar. Dias atrás, li uma entrevista de Bryan Cranston onde ele diz que, hoje, pensamos que os nossos bens mais valiosos são trabalho e dinheiro, mas que, na realidade, o bem mais valioso da vida é o tempo. Entre tantas coisas que só exaltam como ele é um cara genial, Cranston diz que deveríamos pensar e agir mais como os europeus, que tiram férias e fazem o que amam. Realmente, hoje estar na correria é sinônimo de status. Se não estamos cansados, na “correria” ou sem tempo, parece que algo está errado. Percebo, na minha volta, um grande movimento em direção a essa preocupante perspectiva – e eu me incluo nisso.
Assim, nesse cotidiano tão movimentado, perco aquele que, como diz Cranston, é o nosso bem mais valioso. Na falta de tempo, não vejo tantos filmes quanto gostaria, não escrevo tanto quanto quero ou muito menos – e esse é o meu maior pecado – fico em dia com a pilha de livros que tenho na minha cabeceira. O ano de 2014 foi exatamente assim – de novo – para mim. Mas que fique essa inspiração para 2015: a de aproveitar mais a vida, correr no parque, andar de bicicleta, ler um pouco antes de dormir (sem cair no sono), de ir ao cinema sem ter que decidir de última hora porque vagou um espaço na agenda e de aproveitar mais o que as relações pessoais podem nos trazer.
Seguindo a linha de desacelerar, este ano me despeço de 2014 um pouco mais cedo aqui no blog. Abaixo, vocês encontram a minha tradicional lista de melhores cenas do ano (a de categoria por categoria fica para daqui algumas semanas). Até os primeiros dias de 2015, tiro um tempo de férias para, justamente, aproveitar tudo isso que escrevi anteriormente. No mais, agradeço a cada um de vocês, leitores, pela companhia neste ano que passou. Sem vocês este espaço não existiria. Muito em breve nos encontramos para continuar falando sobre cinema.

A carta de Theodore (Joaquin Phoenix) para Catherine (Rooney Mara) em Ela

Elsa (Idina Menzel) inaugura uma nova vida cantando “Let it Go” em Frozen

A visita da sra. H (Uma Thurman) em Ninfomaníaca – Parte 1

A última apresentação de Elise (Veerle Baetens) e Didier (Johan Heldenbergh) com “If I Needed You” em Alabama Monroe

Susanna (Julianne Moore) se despede da filha em Pelos Olhos de Maisie

A visita ao cemitério em Nebraska

A narração final de Praia do Futuro

A gravação de “Please, Mr. Kennedy” em Inside Llewyn Davis – Balada de Um Homem Comum

O destino de Clarinha em O Lobo Atrás da Porta

Qualquer cena envolvendo o casamento de Relatos Selvagens
Cahiers du Cinéma e as anatomias de Meryl Streep – parte 1
Ela pode até não ser a sua atriz favorita ou muito menos a que você acha merecedora de centralizar praticamente todos os papeis para mulheres acima de 60 anos, mas há de concordar que não existe uma intérprete que ostente uma carreira tão bem sucedida como a de Meryl Streep atualmente – ou, talvez, em toda a história do cinema. Enquanto Bette Davis morreu na casa dos 80 anos fazendo papeis de mulheres decadentes, exageradas e que eram versões quase ridiculamente extremadas dos papeis difíceis que marcaram sua carreira, Meryl chega aos 65 anos prestes a conquistar a marca histórica de 19 indicações ao Oscar com o musical Caminhos da Floresta. Sim. 65 anos. Em um musical. Toda a vitoriosa carreira da atriz foi analisada pela renomada publicação Cahiers du Cinéma em 2014, em um livro com mais de 150 páginas que elenca os dez melhores desempenhos da atriz. Ela foi a primeira mulher escolhida para ter sua carreira dissertada pela Cahiers, que, entre os homens, já falou sobre nomes como Marlon Brando, Al Pacino Robert De Niro e Jack Nicholson. A versão da série Anatomy of an Actor para Meryl Streep, assim como as outras edições, não foi lançada em português, o que me fez chegar a essa postagem especial (dividida em duas partes) que pretende sintetizar as análises e curiosidades apresentadas pela jornalista e crítica de cinema estadunidense Karina Longworth na publicação. Neste post, fiquem com as cinco primeiras escolhas da Cahiers para as melhores atuações de Meryl.
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1978 – Linda (O Franco Atirador)
“Linda foge totalmente dos meus instintos. Eu gosto de batalhar. Então esse papel foi muito difícil para mim. Queria tirá-la dessa camisa-de-força que ela se encontra, mas é claro que eu não podia deixar essa possibilidade aparecer”
Não é um dos meus desempenhos favoritos de Meryl, mas obviamente está na lista da Cahiers du Cinéma porque O Franco Atirador marcou a primeira indicação ao Oscar da atriz e foi um verdadeiro salto em sua carreira. Rodado em 1977, o longa de Michael Cimino traz Meryl como Linda, a esposa de Michael, interpretado por Robert De Niro, que, após se casar, tem que esperar o marido voltar da guerra do Vietnã. A escolha de Meryl para interpretar esse filme foi puramente pessoal: nele, seu namorado de longa data John Cazale estava atuando como Stan. O problema é que Cazale estava lutando contra um câncer, o que fez Meryl aceitar participar do filme para estar ainda mais perto dele.
A atriz vivia uma fase prolífera na Broadway, em início de carreira, e tinha relutância em interpretar Linda, que, segundo ela, tinha tudo para ser mais uma das tantas personagens jovens, loiras e frágeis do cinema norte-americano. E, como descobriríamos ao longo de sua carreira, justamente o tipo de papel que Meryl sempre tentaria fugir a todo custo. O empenho por Cazale recompensou: a atriz se projetou para o mundo e chegou a sua primeira indicação ao Oscar (acompanhando o êxito do próprio filme, vencedor do prêmio principal da Academia). Mas o seu primeiro grande papel viria logo em seguida, trazendo a complexidade que Meryl tanto queria em um papel e os prêmios que viria a merecer incontestavelmente.

1979 – Joanna Kramer (Kramer vs. Kramer)
“Em 1979, ninguém falava sobre depressão. Mas eu conseguia entender o impulso dela em ir embora para melhorar e não querer levar o filho. Eu não acho que Joanna era uma mulher horrível. Eu estava no lado dela”
A celebração de O Franco Atirador e a primeira indicação ao Oscar movimentaram a vida de Meryl Streep. Porém, o momento era duro: seu namorado John Cazale não resistiu ao câncer e acabara de falecer. Para tentar superar a perda, Meryl se atirou de vez ao trabalho, passando por uma peça de teatro ao lado de Alan Alda, uma pequena participação em Manhattan, de Woody Allen, e a conquista de um de seus papeis mais marcantes: Joanna, em Kramer vs. Kramer.
Em uma primeira reunião com o diretor Robert Benton e Dustin Hoffman, Meryl apontou que, no livro, Joanna era extremamente unidimensional e que seus problemas não eram levados a sério. Ela não queria que aquela mulher fosse retratada como uma vilã. Benton e Hoffman concordaram, o roteiro foi reescrito e Meryl escolhida para o papel. O filme, que começa e termina com a câmera focada no rosto da atriz, é basicamente conduzido pela polêmica escolha da personagem de abandonar o filho – e, para Meryl, sua principal missão como atriz foi “transformar aquela mulher julgada por todos em um ser humano”.
A decisão da atriz de mudar, ao longo das filmagens, vários pontos da personagem contrariava Hoffman, um perfeccionista e que, conforme a atriz revelaria anos depois, uma pessoa um tanto complicada de se lidar nos bastidores em função disso. Mas Streep venceu e chegou a reescrever ela mesma a marcante cena do tribunal afim de aproximar o espectador de Joanna. Isso mesmo, a cena que se vê no filme, diálogo a diálogo, foi escrita pela atriz. O resultado? Para o diretor Robert Benton, “a cena melhor escrita em todo o roteiro”. Kramer vs. Kramer ganhou as telas e a personagem de Meryl foi um verdadeiro teste para as plateias, levantando polêmicas questões sobre feminismo em uma época marcada pelo casamento tradicional e pela submissão da mulher nos relacionamentos. Ora, se fosse um pai abandonando o filho seria menos condenável? Por quê?
A repercussão chegou ao Oscar, onde ela recebeu merecidamente o prêmio de atriz coadjuvante. Neste meio tempo, Meryl via sua vida renascer: se casou com Don Gummer, seu marido até hoje, e, seis meses após a estreia de Kramer vs. Kramer, dava luz a seu primeiro filho, Henry. A escolha de ter um filho veio somente após a certeza de estar satisfeita com o estado de sua vida profissional e pessoal. Ao contrário da mulher que lhe rendeu o seu primeiro Oscar. Essa vivência maternal foi crucial para a compreensão da atriz em relação um dos seus papeis mais consagrados que viria poucos anos depois.

1982 – Sophie Zawistowska (A Escolha de Sofia)
“Eu não conseguia nem ler direito a cena da escolha que dá título ao filme. Li apenas uma vez quando recebi o roteiro. Depois, nunca mais consegui. Eu simplesmente não era capaz de suportar. Não conseguia porque eu já era Sophie”
“A estrela dos anos 80”, anunciava a revista Newsweek que, pela primeira vez, trazia Meryl Streep estampando sua capa. Não era exatamente o que ela queria. Não dessa forma. Após Kramer vs. Kramer, Meryl tirou um ano de férias, o que segundo amigos e colegas, era uma verdadeira loucura para uma atriz que começava a se consagrar. “Mas eu acho que temos que fazer apenas o que nos traz felicidade”, disse a atriz, que, naquele momento, queria apenas privacidade estar perto de sua família e de seu filho recém nascido.
Quando retornou ao cinema, pediu ao agente papeis diferentes e fora de Nova York. “Coloque-me na Lua”, ela pediu. E assim foi. Meryl foi até o Reino Unido para gravar A Mulher do Tenente Francês (que lhe rendeu mais uma indicação ao Oscar e a primeira vitória no BAFTA) e embarcou em mais um longa que marcaria sua carreira: A Escolha de Sofia, sobre uma mulher destruída por uma devastadora escolha que precisou fazer no passado. O diretor Alan Pakula não queria atores famosos em seu filme, mas o estúdio venceu e Meryl, que estava com o roteiro e louca para interpretar Sofia, a escolhida como protagonista.
Aprendendo polonês em poucos meses, a atriz aproveitou o clima teatral e de improvisação que o diretor construiu no set para construir a dolorosa personagem. Ela também ganhou peso, usou próteses nos dentes e viajou durante três meses para a Iugoslávia para filmar os flashbacks da protagonista. Momentos antes da viagem, Pakula, que havia escrito as cenas em inglês, decidiu filmá-las em alemão. Receoso, chegou até a atriz e anunciou a mudança. A atriz apenas respondeu: “Me consiga uma professora de alemão”.
Meryl aprendeu alemão e, logo em seguida, gravou a cena-título. Uma cena que nunca mais conseguiu sequer rever. “Em certo ponto daquela cena, eu achava que estava gritando o mais alto que podia. Depois percebi que som nenhum estava saindo. Eu estava em um verdadeiro pesadelo, achando que fazia algo e depois percebendo que era uma ilusão”. Grávida de sua filha Mamie, Meryl divulgou o filme, que a colocou como favorita absoluta ao Oscar de melhor atriz. A Escolha de Sofia, no entanto, não foi unânime. “Eu tinha mais pena de Meryl tentando fazer algo pelo filme do que da própria Sophie”, escreveu Pauline Kael. Mas, ao contrário de Pauline – que parecia ter como missão criticar negativamente todas as interpretações da atriz – a atuação foi praticamente unânime e concedeu a Meryl um merecido segundo Oscar.

1983 – Karen Silkwood (Silkwood – O Retrato de Uma Coragem)
“Eu sentia que Karen e eu éramos muito parecidas. Quero dizer, se eu morrer, ninguém saberá como eu era de verdade. Essa é a grande verdade que me atraiu em sua história”
Karen Silkwood, uma empenhada ativista de sindicatos, morreu em suspeito acidente de carro em 1974, quando dirigia para encontrar um jornalista do The New York Times. O encontro era para entregar provas das irregularidades da empresa que um dia trabalhou e que estava fazendo de tudo para silenciá-la. Depois de sua morte, o jornal a definiu como o “símbolo da coragem de rostos comuns que enfrentam gigantes da indústria”. Essa é a história do filme dirigido por Mike Nichols e roteirizado por Nora Ephron que trouxe grande desafio para Meryl: procurar interpretar a vida íntima dessa mulher e não tudo o que ela simbolizou para várias gerações. Com Silkwood, Meryl interpretava, pela primeira vez, uma pessoa da vida real – o que, nas próximas décadas, se tornaria uma de suas marcas registradas.
Quanto ao filme em si, não dá para dizer que a atriz começou necessariamente com o pé direito. Meryl, claro, está ótima, mas Silkwood se desenvolve de forma bastante morna. O seu valor, entretanto, é grande, já que a empresa denunciada por Karen (a Kerr-McGee) entrou com diversas ações judiciais para impedir a produção do filme. Nenhum estúdio queria contar a história da protagonista. Até Meryl entrar na jogada. Seu prestígio na indústria já começava a florescer. Imediatamente atraída pela identificação que sentia com as origens e o jeito de ser de Karen Silkwood, a atriz descobriu os desafios de interpretar alguém da vida real. Neste caso, uma mulher de vida reservada que significava diferentes coisas para diferentes pessoas, o que, segundo Meryl, lhe trouxe muita insegurança. Mas o papel refletia o senso político e social que ela tanto cultivava, e a oportunidade, além de resultar em mais uma indicação ao Oscar, lhe aproximou daquele que seria um de seus maiores amigos: Mike Nichols. “Dirigir Meryl Streep é como se apaixonar, com momentos cercados de magia… E de mistério”, definiu o diretor.

1985 – Karen Blixen (Entre Dois Amores)
“Sydney Pollack achava que eu era uma boa atriz, mas não suficientemente sexy para o papel. Aí fui para o teste usando roupas bem curtas. Um golpe pobre, admito, mas funcionou!”
O roteiro de Entre Dois Amores foi escrito por Kurt Luedtke com Meryl Streep em mente. No entanto, o diretor Sydney Pollack relutou em escolher a atriz. Para ele, Meryl era muito glacial e distante da sensualidade que a personagem pedia. Mas bastou um primeiro encontro para que o diretor mudasse de ideia. “Ela foi muito direta, honesta e sem firulas. Então pensei que se isso fosse para a tela… wow!”, revelou Pollack. Ao longo de mais de três meses, a atriz viveu na África para gravar o épico que estrelou ao lado de Robert Redford. Ela literalmente se mudou para lá, levando toda a família. Mais uma vez dominou a arte de reproduzir sotaques (dessa vez o dinamarquês) e chegou a domar leão ela mesma para dar vida à Karen Blixen, mulher que se liberta de um casamento por conveniência ao mesmo tempo que administra uma fazenda de café no Quênia e conhece um novo interesse romântico que lhe mostrará como é possível viver a vida de forma aventureira e sem subserviências.
Mesmo com quase três horas de duração, Entre Dois Amores, hoje um filme que envelheceu muito mal, foi um grande sucesso. Ajustada a inflação, o filme faturou 260 milhões de dólares mundialmente. Meryl, por outro lado, não esperava por isso. Quando o filme viu pela primeira vez, chorou. “Mas porque achei que ele seria um grande fracasso. Fiquei surpresa com quantas pessoas realmente se importaram com a história daquela mulher”, conta. O sucesso no Oscar foi estrondoso (faturou, entre várias estatuetas, as de filme, direção e roteiro adaptado) e a atriz mais uma vez conquistou uma indicação. Só que as críticas ao seu desempenho pela primeira vez não foram lá muito positivas. Na Dinamarca, jornalistas comentaram que seu sotaque havia virado piada nacional. Pauline Kael, mais uma vez, reprovou o desempenho da atriz, dizendo que Meryl parecia apenas uma mulher perdida em uma revista da National Geographic. Com essas recepções, ela se viu com os pés bem fixados no chão. Percebeu também que, apesar de dois Oscars na estante e vários papeis a seu dispor, era uma estrela mortal como qualquer outra.
A vez de Julianne Moore (finalmente?)

Por Still Alice, Julianne Moore deve finalmente receber o reconhecimento que há anos merece nas premiações de cinema
Fora Glenn Close, não deve existir atriz mais injustiçada pelas premiações de cinema do que Julianne Moore. Muito se fala em Amy Adams atualmente (o que é errado, já que, apesar das várias indicações, ela nunca teve um grande papel ou momento em que merecia levar todas as estatuetas possíveis), mas não existe intérprete mais respeitada, querida, trabalhadora e talentosa que ainda não tem um Oscar em casa como Julianne Moore. Se Kate Winslet já fez as pazes com o Oscar anos atrás e Glenn Close parece ter saído do circuito dos bons filmes há anos para ter maiores chances, resta apenas Moore para a Academia finalmente quitar uma grave dívida. E, ao que tudo indica, a coroação já parece garantida para 2015 com Still Alice.
Não gosto de fazer afirmações categóricas com muita antecipação, mas, assim como Cate Blanchett ano passado, tudo indica que, sim, Julianne Moore é disparada a favorita para a próxima temporada de premiações na categoria de melhor atriz. Não era até pouco tempo atrás, mas bastou Still Alice estrear no Festival de Toronto para a atriz ser ovacionada e despontar como a grande aposta para uma categoria que até então só tinha como favoritas nomes já consagrados como Hilary Swank (The Homesman) e Reese Witherspoon (Livre). De lá para cá, as críticas positivas para o desempenho de Moore se tornaram constantes e recentemente a atriz já foi indicada ao Independent Spirit Awards (que ano passado também premiou Blanchett), faturou o National Board of Review e teve anunciada uma homenagem no festival de Palm Springs para janeiro.
Vale lembrar que Still Alice por si só já carimba Julianne Moore como pelo menos uma candidata de respeito aos prêmios. A razão é muito simples: o filme da dupla Wash Westmoreland e Richard Glatzer é sobre uma professora de letras precocemente diagnosticada com Alzheimer na faixa de seus 50 anos. Sim, Alzheimer. Todos nós sabemos como os votantes de qualquer prêmio adoram uma enfermidade, não? Mas muito mais do que o filme em si, a circunstância está toda a favor da atriz: não é apenas o ano fraco para as intérpretes femininas que está ao seu lado, mas também o notável renascimento de sua carreira nos últimos anos.
Celebrada em Cannes com Mapa Para as Estrelas (ela agora tem a trinca dos festivais de cinema mais importantes do mundo: Berlim por As Horas, Veneza por Longe do Paraíso e agora Cannes por Mapa), Julianne Moore parece estar em todos os cantos. No início de 2014 participou do razoável suspense Sem Escalas ao lado de Liam Neeson, recentemente chegou aos cinemas com o furacão comercial Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 e futuramente ainda vai para as salas de cinema com a fantasia O Sétimo Filho. Natalie Portman sabe bem como estar em tantos filmes ajuda em uma campanha (na época de Cisne Negro ela também estrelava Entre Irmãos e Sexo Sem Compromisso). Uma lógica que também deve ajudar Moore na campanha ao Oscar.
Impossível não mencionar ainda que, na bagagem da atriz, está uma recente e bem sucedida passagem pela TV. Como a republicana Sarah Palin no excelente telefilme Virada no Jogo, da HBO, Moore ganhou todos os prêmios da temporada, reforçando seu prestígio entre os colegas de profissão. E curiosamente é justamente nas premiações de cinema (ou mais especificamente na falta delas) que a atriz carrega sua maior força para possível consagração com Still Alice. Afinal, são quatro derrotas no Oscar onde duas delas poderiam ter sido facilmente evitáveis. Em termos de merecimento, seria extremamente justo premiá-la duplamente por As Horas e Longe do Paraíso em 2003. Ou, então, logo em sua primeira indicação por Boogie Nights em 1998. O caso mais grave, obviamente, é o de As Horas, onde perdeu para Catherine Zeta-Jones em Chicago.
As injustiças em prêmios, porém, vão muito além das indicações sem vitória. Foram diversas as vezes que Julianne Moore merecia ter concorrido ao Oscar e sequer chegou entre as finalistas. No início dos anos 1990, a lembrança já deveria ter vindo por Short Cuts – Cenas da Vida. Depois por Magnólia em 1999. Em 2008, talvez, por Ensaio Sobre a Cegueira? E com certeza absoluta em 2010 pelo lindo momento que compartilhou com Colin Firth em Direito de Amar e também em 2011 por Minhas Mães e Meu Pai (onde está, inclusive, melhor que a sua companheira indicada Annette Bening). Engana-se, porém, quem pensa que a dívida é apenas do Oscar: Julianne Moore sequer tem um Globo de Ouro, um SAG ou um BAFTA por desempenho em cinema. Simplesmente inacreditável.
Obviamente sua carreira teve um grande momento de baixa nos anos 2000. Foram inúmeros os abacaxis como Totalmente Apaixonados, A Cor de Um Crime e O Vidente. Ou, então, a participação em filmes que prometiam e terminavam decepcionando, a exemplo de Pecados Inocentes, onde ela era a mãe de Eddie Redmayne, também um dos favoritos ao próximo Oscar por A Teoria de Tudo. Mas o talento falou mais alto, Julianne Moore aos poucos se reergueu e, apesar dos desvios de percurso, voltou aos trilhos. Este ano mais do que nunca. Com Still Alice, parece estar com o filme certo na hora certa. E eu não vejo a hora de aplaudir o reconhecimento a esta atriz tão singular e especial. Um momento muito aguardado que só não deve acontecer caso alguém resolva fazer uma macumba poderosa. Mas quem faria isso para uma atriz tão maravilhosa como ela?