O Brasil é um país tão desigual em oportunidades e privilégios que Noites Alienígenas chega à competição do 50º Festival de Cinema de Gramado com o título de primeiro longa-metragem do Acre a ser produzido para os cinemas com financiamento de edital — no caso, o BO (Baixo Orçamento) do hoje extinto Ministério da Cultura. Se, por um lado, é lamentável que, em pleno 2022, ainda tenhamos que noticiar primeiros marcos como esse, por outro, é entusiasmante se deparar com o cinema vigoroso de um estado brasileiro cronicamente esquecido pelo país.
Adentrando os limites incertos entre cidade e floresta, Noites Alienígenas parte do livro homônimo assinado pelo diretor Sérgio de Carvalho em 2011. Para levar o filme às telas, Carvalho assume que atualizou muita coisa, tendo em vista os rumos tomados pelo país nos últimos anos, com destaque para o expressivo aumento de facções criminosas no Acre. Saem da trama, portanto, as discussões sobre dependência química, por exemplo, para pertinentes articulações sobre a entrada cada vez mais naturalizada da juventude no mundo no crime.
Os comentários político-sociais do roteiro impactam e incomodam porque representam uma verdade tragédia social. Afinal, como pode ser banalizado o fato de que jovens, majoritariamente negros e indígenas, vivam a primavera de suas vidas tomados pelo instinto de matar para não morrer? Noites Alienígenas tem uma bandeira em evidência, ao passo em que ilustra suas causas com jornadas pessoais e, por isso mesmo, tão doloridas. E não se trata apenas dos próprios jovens que o filme acompanha, mas também das mães e de outras pessoas minimamente humanizadas e inconformadas com o que se apresenta.
A figura mais emblemática de tamanho desolamento é, sem dúvida, Beatriz (Joana Gatis, excelente), que entra em cena cheia de vida e que, ao fim, desaba em prantos. Vale, contudo, citar Alê, o traficante-chefe vivido pelo grande Chico Díaz, um personagem longe de qualquer caricatura e genuinamente preocupado com a condição daqueles jovens, mesmo que ele próprio seja parte da engrenagem e compreenda sua incapacidade de promover uma real mudança em destinos já pré-determinados. Díaz abre o filme com um longo plano-sequência em que canta até Raul Seixas e é estupendo em sua versatilidade e entendimento de personagem.
Nem sempre o diálogo com o realismo mágico funciona em Noites Alienígenas, além de estarmos diante de uma obra que leva bastante tempo para encontrar e reunir suas potências em uma grande unidade. No entanto, quando Sérgio de Carvalho começa a convergir as resoluções das histórias paralelas que acabam por se conectar, o filme se encontra e emana a força de um estado brasileiro com muito a dizer no audiovisual. Honrando as mães que perdem seus filhos e os jovens com vidas abreviadas, Noites Alienígenas clama para que o Brasil se (re)conheça, culminando em uma cena final emocionante e arrasadora.
Pingback: Dossiê: 50º Festival de Cinema de Gramado | Abraccine - Associação Brasileira de Críticos de Cinema
Pingback: Dossiê 50º Festival de Cinema de Gramado | ACCIRS