50º Festival de Cinema de Gramado #4: “A Mãe”, de Cristiano Burlan

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Durante a programação de debates do 50º Festival de Cinema de Gramado, uma espectadora contou ao diretor Cristiano Burlan que A Mãe a deixou sem lágrimas, mas com o coração apertado. Faço coro a ela porque o longa estrelado por Marcélia sobre uma vendedora ambulante que busca a verdade sobre a morte de seu filho rejeita abertamente as lágrimas para mergulhar na angústia de uma situação complicadíssima vivida por essa mulher. Não bastasse a morte do filho e o fato de o corpo não ter sido encontrado, tudo indica que ela se deu pelas mãos da polícia militar, revelando feridas ainda pouco discutidas pela sociedade brasileira.

Tematicamente, A Mãe é um prato cheio para uma série de debates. Burlan, que escreveu o roteiro ao lado de Ana Carolina Marinho, tece toda a narrativa a partir da busca incessante de Maria (Marcélia Cartaxo) pela verdade ao mesmo tempo em que deixa observações muito evidentes, como a de que a polícia militar não está ausente nas favelas e periferias, mas, na verdade, presente até demais, criminalizando vidas e vivências que deveriam ser discutidas antes de tudo. Adotar um certo tom documental contribui para a atmosfera realista de denúncia, de forma que A Mãe passe longe de se tornar a dramatização protocolar de uma causa. 

A supressão das lágrimas potencializa o desconforto de um longa-metragem bastante consciente de sua natureza já trágica por natureza. O assassinato, a pobreza, o luto e a solidão, aliás, estão suficientemente representados no rosto sempre muito expressivo de Marcélia Cartaxo. Recém saída de sua performance já inesquecível em Pacarrete, ela muda de tom após ter vivido a bailarina repleta de sons e cores do filme de Allan Deberton. É impressionante como Cartaxo, tão miúda na vida real, sempre preenche a tela com sua força e versatilidade. Ela catapulta A Mãe com o grande talento que lhe é característico, ainda mais em um papel que rejeita o desespero estrondoso para oscilar entre o desamparo e a bravura.

Ao retratar um Brasil doído para o qual tantos fecham os olhos, Burlan coloca Maria em um local de total colapso social para mostrar que, sim, ali há vida, pessoas e sentimentos. A simples cena em que ele mostra duas versões de Maria estendendo roupas — uma sozinha e outra acompanhada do filho — é um excelente exemplo de como, vez ou outra, A Mãe poderia dar mais pinceladas criativas, sem que elas se configurassem como distração ou maneirismo. Mas isso já é adentrar o terreno da divagação. O que fica, ao fim e ao cabo, é a certeira disciplina de um projeto econômico no melhor sentido da palavra e que ressoa, justamente, por deixar no espectador o amargo desconforto de viver, por uma hora e meia, o incômodo provocado por presenças ausentes.

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