Melhores de 2020: categorias de interpretação

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MELHOR ATOR COADJUVANTE
Paul Raci (O Som do Silêncio)

São 72 anos de idade e 40 de carreira, mas foi somente agora, em 2021, que Paul Raci ganhou seu primeiro papel de grande repercussão com O Som do Silêncio, chegando, inclusive, a concorrer ao Oscar de melhor ator coadjuvante. A chance tardia se dá com um trabalho repleto de significados para Raci: filho de pais surdos, ele cresceu entendendo intimamente esse universo, além de ter se tornado uma figura ativa na busca pelos direitos das pessoas surdas. Toda a sua experiência como membro de um grupo de atores surdos em Los Angeles e como vocalista da banda Hands of Doom ASL Rock, que realiza performances em LIBRAS, está evidente em cada segundo de sua interpretação, que busca apresentar a surdez com mais camadas do que o cinema norte-americano costuma abordar: sem estereótipos, mas com felicidade e tristeza, pessimismo e esperança, exatamente como acontece com todos nós.

É com essa perspectiva que o ator amplifica a importância de um papel muito pequeno e que se torna peça fundamental na jornada de autoconhecimento do protagonista Ruben (Riz Ahmed). Mais do que um personagem que o próprio Raci assume ter natureza autobiográfica, Joe é a sábia representação de um homem já em paz com a ideia de que a surdez não é algo a ser consertado. Em meio a tantas pessoas lutando contra seus próprios fantasmas em uma clínica de reabilitação, o personagem é construído com uma discrição exemplar. Aliás, Raci revelou em entrevistas que foram várias as vezes em que estava comovido por dentro ao observar a angústia de um protagonista tão perdido, mas que também sabia o quanto o controle das emoções faria bem à história, a seu personagem e ao filme como um um todo. Razão e emoção em uma performance que está entre os tantos elementos responsáveis por elevar O Som do Silêncio.

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MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Octavia Spencer (Luce)

Atriz muito querida do público, Octavia Spencer caiu nas graças de incontáveis plateias com papeis de natureza cômica, como os de A Forma da Água Histórias Cruzadas, que lhe rendeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Seu melhor papel, no entanto, está em Luce, onde reafirma a máxima de que bons atores não são necessariamente bons comediantes, mas bons comediantes são indiscutivelmente bons atores. Mais comedida do que o habitual, Octavia explora as nuances de uma professora que, ao ler uma redação com comentários violentos e armamentistas de um de seus alunos, passa a desconfiar de que ele realmente concorda com tudo aquilo que escreve. Também negro, o garoto é o menino perfeito adotado por uma família rica e branca, enquanto a Harriet de Octavia é uma professora rígida que precisa manter certa autoridade e se provar constantemente na vida e na profissão.

O encontro entre os dois tem um quê de Dúvida, o filme de John Patrick Shanley estrelado por Meryl Streep e Philip Seymour Hoffman que coloca o espectador em uma sinuca de bico ao ter que decidir quem diz a verdade em um filme palavroso e costurado nas entrelinhas, mas Luce entra, claro, na seara racial, discutindo tudo o que se espera ou não de dois personagens negros tão distintos quanto semelhantes. A interpretação de Octavia é engrenagem potente na trama porque, ao invés de cair no radicalismo fácil de uma personagem que acusa tendo apenas seus instintos como argumento, ela prefere explorar as diferentes facetas de uma mulher que parece não ter certezas à toa em função da vida, do seu meio e de sua própria cor. Sem jamais julgar Harriet ou tentar manipular o espectador para que ele tome partido por ela, Spencer é sutil, firme e enigmática, travando um duelo dos mais instigantes com o também ótimo Kelvin Harrison Jr.

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MELHOR ATOR
Riz Ahmed (O Som do Silêncio)

Ao contrário do seu colega de cena Paul Raci, o britânico Riz Ahmed embarcou em O Som do Silêncio sem uma vivência prévia com a população surda. Contudo, isso não foi um problema para o ator, que resolveu dispensar tudo o que pudesse facilitar o convívio com as pessoas surdas de verdade no set. Ahmed escolheu, por exemplo, trabalhar sem o apoio de intérpretes. Para ele, era fundamental que pudesse descobrir sozinho como se comunicar com os outros atores. Riz também decidiu usar bloqueadores auditivos nas cenas em que o seu personagem se sentia mais desorientado quanto à perda da audição. O que muitos enxergam como mérito, o ator viu apenas como parte  corriqueira de seu trabalho: no final das contas, o que ele diz ter tirado de todo esse preparo foi, na verdade, a descoberta de um profundo entendimento sobre o real sentido da comunicação e sobre como enxergar o outro vai muito além da voz e do som.

Minimalista, a interpretação de Riz é daquele tipo que marca uma carreira. A habilidade com que ele abarca uma série de situações difíceis — a perda da audição, a angústia do vício, a busca por uma nova identidade, a inevitável entrada na clínica de reabilitação — revela um ator no pleno controle técnico e emotivo de um personagem imenso em emoções e frustrações. Ao entender Ruben como um homem que se vê em uma espécie de purgatório ao ter que ressignificar o que é importante na vida, Ahmed comunica com os olhares e transmite para o espectador todas as transformações do protagonista, indo do céu ao inferno com todo o entendimento da comunicação que ele diz ter incorporado durante as filmagens. Trata-se de uma interpretação ao mesmo tempo discreta e forte, capaz de despertar a empatia do espectador do início ao fim.

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MELHOR ATRIZ
Alfre Woodard (Clemência)

É indesculpável o fato da Neon, distribuidora de Clemência, não ter feito uma ampla campanha para o desempenho de Alfre Woodard na temporada de premiações de 2020. Com certo atraso devido ao calendário britânico de estreias, a performance chegou a ser lembrada agora em 2021 pelo BAFTA, mas é pouco para um trabalho que, de tão forte e construído a partir do rico repertório de uma atriz, entra para o hall daqueles serão sempre referenciadas em uma filmografia. E não qualquer filmografia: a da grande Alfre Woodard. Nascida em Tulsa, nos Estados Unidos, Alfre se manteve ativa desde que iniciou sua carreira em 1978 com o telefilme The Trial of the Moke. Não passou um ano sequer sem atuar desde então e criou uma carreira sólida na TV, de Hill Street Blues, que lhe rendeu um Emmy logo na primeira indicação em 1984, a sucessos como Desperate HousewivesTrue BloodEmpire. Contudo, seu merecido e complexo protagonismo em Clemência é um caso à parte.

No drama dirigido pela nigeriana Chinonye Chuku, Alfre interpreta Bernardine, uma personagem forte e rica em possibilidades por si só. Diretora de um corredor da morte nos Estados Unidos, Bernardine é a única mulher em um ambiente masculino. Tendo que lidar diariamente com a morte e com os sentimentos extremos dos que estão à espera da execução ou daqueles que estão às vésperas de perder seus familiares, ela precisa camuflar qualquer tipo de emoção e se apresentar somente como uma profissional, sem qualquer envolvimento emocional. Na medida em que entendemos a natureza de seu trabalho e principalmente a forma com que Bernardine se comunica com as pessoas no trabalho e até mesmo com o marido que lhe reivindica mais presença e afeto, o trabalho de Alfre se engrandece em detalhes. Ao explorar a linha tênue entre razão e emoção, sua performance é de rara elegância e inteligência, culminando em uma cena final de tirar o fôlego e que só poderia ter tamanho impacto graças a combinação entre tempo, talento e repertório. Tudo o que Alfre Woodard tem de sobra.

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MELHOR ELENCO
Destacamento Blood

Denzel Washington e Samuel L. Jackson que me desculpem, mas é difícil imaginar Destacamento Blood sem Delroy Lindo. Também não reclamaria se Giancarlo Esposito e John David Washington estivessem no projeto, mas novamente tenho a impressão de que o filme de Spike Lee não poderia ter outra composição de elenco. É palpável a amizade entre Paul (Lindo), Otis (Clark Peters), Melvin (Isiah Whitlock Jr.) e Eddie (Norm Lewis), seja em tudo que ela carrega de melhor (a cumplicidade, a camaradagem, o bom humor) ou nas consequências inevitáveis do tempo (os afastamentos, as distintas visões de vida, os diferentes rumos tomados). São todos homens marcados pelos traumas da Guerra do Vietnã, o que os afasta na medida em que também os aproxima.

A dinâmica entre o quarteto é o retrato espirituoso e maduro de uma amizade de longa data, defendido por atores talentosos e extremamente à vontade em seus papeis. Destacamento Blood ainda reserva outras participações especiais, como a de Chadwick Boseman, em um de seus últimos trabalhos; outras estelares, a exemplo do francês Jean Reno; e complementos interessantes à jornada dos protagonistas, como a presença de Jonathan Majors interpretando o filho de Paul, em uma ótima dinâmica com Delroy Lindo. É essa composição entre estilos e talentos diversos que forma ótimos elencos, caso desse subestimado filme de Spike Lee.

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