49º Festival de Cinema de Gramado #2: “Para o Brasil se (re)conhecer” (ou uma reflexão sobre a escolha dos curtas brasileiros)

comissaogram21

Reunião de seleção dos curtas-metragens brasileiros do 49º Festival de Cinema de Gramado.

Aproximando-se de um emblemático aniversário de 50 anos, o Festival de Cinema de Gramado realiza, entre os dias 13 e 21 de agosto, a sua 49ª edição, mais uma vez em formato híbrido, com transmissões pelo Canal Brasil e por streaming, devido às restrições que ainda vivemos em função da pandemia do Coronavírus. Mais do que celebrar a histórica resistência de um festival que nunca deixou de acontecer apesar de adversidades das mais diferentes naturezas, é importante constatar que, ao completar 49 anos, Gramado segue refletindo a força comovente de um cinema brasileiro que, nos últimos anos, vem sendo desprezado e vilipendiado pelas políticas (ou falta delas) em curso no país.

Digo que tal resistência do cinema brasileiro está representada em Gramado porque isso se reflete na lista de filmes selecionados para a edição 2021. O Brasil segue produzindo, apesar dos pesares. E pude fazer essa constatação ainda mais de perto este ano, quando fui convidado pela organização do evento a integrar a comissão responsável por selecionar os curtas-metragens brasileiros que disputarão o Kikito. Honra gigante. Responsabilidade à altura. E um exercício dos mais instigantes. Afinal, o que levar em consideração na hora de mergulhar em um universo com centenas de curtas-metragens inscritos? Não há fórmula. E é aí que está o fascínio.

Junto a Jaqueline Beltrame, Milena Moura e Thaís Cabral, tive a oportunidade de explorar, a partir dos títulos aptos a avaliação, gêneros e temáticas variadas, trabalhadas pelos mais diferentes realizadores em todos os cantos do país. Em que pese a bagagem, a identificação e as preferências cinematográficas de cada um de nós da comissão, buscamos selecionar 14 filmes que contemplassem o Brasil em que vivemos. Esse mesmo: plural e tão único, iluminado e sofrido, cambaleante e capaz de recobrar forças. Nada mais justo para uma sociedade que merece sempre se ver representada na tela, com suas qualidades e imperfeições. A meu ver, esse foi o ponto de partida do nosso trabalho, o que me deixa muito feliz, já que cinema também serve para ser o registro histórico e a eternização da identidade cultural, social e política de um país.

Outros dois aspectos nos bateram muito forte como critério: a pluralidade de regiões onde os filmes foram produzidos, tentando escapar da massiva e inevitável predominância do eixo Rio-São Paulo, e a representatividade feminina atrás das câmeras (aliás, os dois curtas escolhidos para representar o nosso Rio Grande do Sul são dirigidos por mulheres: Desvirtude, de Gautier Lee, e Eu Não Sou Um Robô, de Gabriela Lamas). Ainda há nessa mistura comédia, drama, documentário, animação e exercícios experimentais de narrativa e estilo. Engana-se, no entanto, quem pensa que essa é uma seleção de “cotas”, como se tivéssemos categorizado as vagas que gostaríamos de preencher, inclusive porque seria uma frustração, já que não foram poucos os títulos deixados de fora e cujas discussões gostaríamos de levar a Gramado. Nunca deixamos de lado o olhar tão fundamental para a excelência e a qualidade inerentes a filmes merecedores de estarem em Gramado

Inevitavelmente, os dias de trabalho trouxeram frustrações, todas muito naturais em qualquer processo semelhante a esse. E elas estão concentradas, claro, naqueles títulos que cada um de nós quatro da comissão gostaria de ter colocado na lista final, mas que não eram unânimes ou que, então, não estavam alinhados aos conceitos abraçados pelo nosso perfil curatorial. Espero que esses filmes possam encontrar seu espaço nos outros tantos festivais realizados no Brasil e que bravamente também seguem resistindo. Em contraponto a essa pequena lamentação, trago um aprendizado dos mais interessantes: acredite, tudo pode acontecer entre o primeiro e o último dia de seleção. É bastante surpreendente constatar, por exemplo, que diversos curtas selecionados por nós de forma unânime e aclamada em uma primeira discussão simplesmente não chegaram ao corte final, por uma série de razões, enquanto um ou outro mais divisivo foi incluído no grupo (obviamente não vou revelar, mas houve até um certo filme que bati pé para não entrar e acabei cedendo nos momentos finais porque era coerente com o nosso conjunto).

Por fim, não poderia deixar de destacar o quanto a honra de ter sido escolhido para participar da seleção ganha novos contornos em tempos pandêmicos. Através do formato híbrido, estamos falando de um Festival de Cinema de Gramado que chega a todos os estados brasileiros e até mesmo a públicos que, em certos casos, jamais poderiam ir presencialmente à Serra Gaúcha para acompanhar o evento. Imaginem a responsabilidade de entrar na casa das pessoas com esses filmes! Como alguém que acredita no poder transformador e educativo do cinema (não em um sentido didático, mas sim no que ele pode representar e comunicar como exercício ou entretenimento para as mais diferentes plateias), creio que, por meio dos curtas-metragens selecionados, levaremos para as telas histórias em que o Brasil possa se (re)conhecer e se questionar. Tenho meus favoritos do coração, mas isso é assunto para mais tarde, quando vocês também puderem desbravar a a lista de selecionados. Nos encontramos nos filmes, combinado?

* Texto produzido originalmente para o portal Melhor do Sul

2 comentários em “49º Festival de Cinema de Gramado #2: “Para o Brasil se (re)conhecer” (ou uma reflexão sobre a escolha dos curtas brasileiros)

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