I’m done talking. Let’s play.
Direção: Valerie Faris e Jonathan Dayton
Roteiro: Simon Beaufoy
Elenco: Emma Stone, Steve Carell, Sarah Silverman, Andrea Riseborough, Bill Pullman, Alan Cumming, Elisabeth Shue, Eric Christian Olsen, Fred Armisen, Martha MacIsaac, Lauren Kline, Mickey Sumner
Battle of the Sexes, EUA/Reino Unido, 2017, Drama/Comédia, 121 minutos
Sinopse: Uma disputa de tênis entre o ex-campeão Bobby Riggs (Steve Carell) e a líder da classificação mundial Billie Jean King (Emma Stone) se torna centro de um debate global sobre igualdade de gêneros. Presos sob a atenção da mídia e com ideologias diferentes, Riggs tenta reviver as glórias do passado, enquanto King questiona sua sexualidade e luta pelos direitos das mulheres. (Adoro Cinema)
Com uma grande dose de incredulidade, conferi A Guerra dos Sexos percebendo que, mesmo ambientado em meados da década de 1970, esse é um filme lamentavelmente atual. E é por isso que não deixa de ser estranho que o filme assinado por Valerie Farris e Jonathan Dayton, do icônico Pequena Miss Sunshine, tenha repercutido de forma tão morna tanto nos Estados Unidos quanto aqui no Brasil. Aliás, mais do que por suas questões temáticas, essa é uma injustiça também com as qualidades do filme em si, que, contado através de uma narrativa assumidamente tradicional, consegue se esmerar no formato com graça, inteligência e discussões dramáticas cercadas de sutilezas.
Encenando a história verídica de Billie Jean King (Emma Stone), tenista que lutou pela igualdade de gênero no esporte, participando, inclusive, de uma partida emblemática com o veterano Bobby Riggs (Steve Carell) que levou os Estados Unidos à loucura, A Guerra dos Sexos chega a ser inacreditável quando mostra a quantidade cavalar de ofensas direcionadas às mulheres não apenas no cotidiano esportivo, mas também em plena rede nacional, onde comentaristas do segmento afirmavam que o sexo feminino é inferior ao masculino simplesmente pela natureza menos resistente de seus portes físicos. Das piadas danosas aos comentários grosseiros, mulheres só eram vistas como pessoas relevantes no quarto ou na cozinha, o que, convenhamos, dependendo das circunstâncias, não é muito diferente nos dias de hoje.
Do ponto de vista cômico e dramático, esse embate efervescente seria a primeira escolha como a linha de condução da história, mas A Guerra dos Sexos coloca os protagonistas em rota de colisão apenas no terço final para antes contar de forma paralela a trajetória individual de duas pessoas indiscutivelmente diferentes, mas semelhantes na essência. Afinal, tanto Billie quanto Bobby encaravam o esporte como uma alternativa para suas frustradas realidades: enquanto ela mantinha um casamento de fachada ao mesmo tempo em que não conseguia viver sua homossexualidade em tempos conservadores, ele era um desocupado que, agarrado a um passado de glória já distante, lidava com o fato de ser um apostador compulsivo sem jamais reconhecer o problema.
A partir de um recorte específico, A Guerra dos Sexos se dedica muito mais à perspectiva de Billie, escolha que, uma vez ou outra, traz certas barrigas para o filme como um todo (seu romance com a cabeleireira toma tempo demais, quase tornando a história um relato sobre identidade sexual), mas que, no geral, é um grande acerto para dimensionar as dificuldades femininas em ambientes machistas. E se A Guerra dos Sexos não deixa de, em determinados momentos, apresentar discursos prontos, ao menos o faz com firmeza e bom humor, estando do lado mais interessante de uma trincheira cuja batalha principal, ao final do filme, será capaz de fazer com que o mais machão dos homens, de repente, também esteja torcendo pela vitória de uma protagonista feminina reprimida por suas escolhas, por sua natureza e por seu próprio sexo.
Emma Stone, que aqui está tão boa, se não até melhor, do que em La La Land: Cantando Estações, defende a personagem com admirável firmeza, sem cair em estereótipos ou no puritanismo de intérpretes que, por melhores que sejam, encarnam papeis gays com certa distância. Ela mergulha de cabeça: o primeiro encontro da personagem com sua futura paixão é capturado com delicadeza tanto pela atriz quanto pela dupla de diretores, ao passo em que o primeiro beijo lésbico da personagem é carregado com todo o medo e a aventura de uma importante descoberta como essa. Já Carell, que sempre foi um grande ator na TV com The Office e no cinema com A Grande Aposta e Foxcatcher, citando dois títulos mais recentes, toma uma decisão sábia: ao invés de vilanizar Bobby Riggs, ele simplesmente o retrata como um homem demente e vulnerável, já que, ao final do dia, depois de tantas ofensas proferidas às mulheres, ele não conseguia viver sem o conforto emocional e financeiro de uma esposa que, ironicamente, mandava na casa.
Além da direção certeira de Farris e Dayton, que, pela primeira vez são creditados na tela com os nomes invertidos desde sua estreia em Pequena Miss Sunshine, há de se reconhecer o bom trabalho do roteiro assinado por Simon Beaufoy, de Quem Quer Ser Um Milionário? e de Em Chamas (o melhor capítulo da saga Jogos Vorazes), ao criar um texto que, mesmo linear e pouco surpreendente na forma, condensa um tema importante sem fazer com que a questão temática sintetize o filme em si (algo que já discuti, por exemplo, no texto de As Sufragistas, uma obra lembrada pela discussão que levanta e não por seus méritos cinematográficos). As bilheterias e as recepções mornas dizem o contrário, mas no que me toca, A Guerra dos Sexos, na medida do possível e de suas dimensões, tem uma receita bastante consistente para agradar ao público de biografias e dramédias bem contadas.
Nem sabia que “A Guerra dos Sexos” tinha estreado no Brasil, mas é um filme cuja temática me interessa muito. Além dos ótimos diretores, tem um excelente elenco. Espero que chegue logo na minha cidade!
Kamila, teve uma estreia bem tímida por aqui mesmo — e o cartaz nacional ainda cometeu a gafe de anunciar “do diretor de Pequena Miss Sunshine”, ignorando totalmente a Valerie Farris! Trágico, tratando-se de um filme sobre igualdade de gênero!