Atuando há mais de dez anos como diretor de fotografia em filmes, videoartes e programas de televisão, Bruno Polidoro é um dos profissionais mais atuantes do mercado audiovisual gaúcho, já ultrapassando a marca de 50 projetos realizados ao longo da carreira. Sócio da produtora Besouro Filmes, também é professor no Curso de Realização Audiovisual da Unisinos e na Fluxo – Escola de Fotografia Expandida. No Festival de Cinema de Gramado, conquistou, até a data de publicação desse post, cinco prêmios de melhor fotografia entre as mostras de curtas-metragens brasileiros e gaúchos. Do lado de cá, como espectador, tenho acompanhado a carreira do Bruno há alguns anos e por isso é uma grande alegria recebê-lo aqui com esse convite para comentar três interpretações que marcaram a sua relação com o cinema e que, de um jeito ou de outro, influenciam, até hoje, cada trabalho que ele assina como diretor de fotografia. Não deixem de conferir, pois se trata de uma baita seleção. Espero que vocês também curtam.
Giulietta Masina (Noites de Cabíria)
Os filmes do diretor italiano Federico Fellini foram minhas primeiras influências ao querer fazer cinema. Sua capacidade de unir o popular com o erudito, de criar mundos tão próprios e imprimir uma forte nostalgia na tela me seduziram desde a adolescência. Há muito lirismo em seus fotogramas: o mar é de celofane, as cores invadem os cenários, as músicas embalam nossas memórias e neva de repente, fazendo com que queiramos viver em seu universo. No seu livro de memórias “Fazer um filme”, o diretor conta que desenvolvia os personagens antes de imaginar a história em que eles estariam inseridos. Fellini cria uma metáfora para pensar o cinema: primeiro se constrói uma locomotiva (com atores e cenários), e com ela em funcionamento vai se colocando em frente um trilho de cada vez, determinando o rumo da história com a evolução das filmagens. Dentro desse universo de sonho e reminiscências, Giulietta Masina brota não apenas como a companheira de vida e arte de Fellini, mas encanta como a sonhadora Cabíria, em um olhar que me acompanha a cada close que filmo até hoje.
Marília Pêra (Pixote: A Lei do Mais Fraco)
Pixote, de Hector Babenco, foi um dos filmes que fez eu crer no cinema brasileiro e que poderíamos realizar grandes obras por aqui. E vai além: fez eu perceber que o cinema era um meio de fazer também política, de revelar situações e ambientes que a sociedade muitas vezes não quer ver. Ao dar voz a essas pessoas, Babenco ajuda a termos compaixão, sensibilizar-nos com algo que tentamos ignorar. Assim, Pixote tem força por sua crueza, mas, acima de tudo, por mostrar tamanho amor que há dentro do caos. Aí vem a memória de Marilia Pêra como Sueli, uma prostituta abandonada que emana afeto e ternura em quartos e corredores sujos de um Rio de Janeiro padecido. Ela pouco tem, mas oferece seu colo, seu seio para Pixote, em uma emulação da Pietá, nossa Maria terceiro mundista, nossa pietá de um Brasil escuro e barroco. Um Brasil sofrido, mas que mantém-se vivo em pequenos afetos.
Dirk Bogarde (Morte em Veneza)
Um dos meus filmes preferidos do grande cineasta Luchino Visconti, Morte em Veneza levou às telas o profundo romance homônimo de Thomas Mann. Nele, um importante artista em fim de carreira apaixona-se por um adolescente andrógino, o encantador Tadzio. O artista em questão é Aschenbach, interpretado magistralmente por Dirk Bogarde, que expressa em sua minimalista atuação as dores do amor, do desejo, do medo – enfim, a incredulidade diante do que sentimos em relação ao mundo (e se podemos agir por nossos instintos). A transformação do elegante compositor em um homem que perde os sentidos movido pela paixão é marcante, aproximando-nos da visualidade existencial da vida em todos os seus limiares. A sequência da maquiagem que derrete em seu rosto é para mim uma das mais belas cenas do cinema. A degradação dos costumes, das máscaras, de tudo que podemos fazer por amor.