Com a trajetória ascendente das plataformas on demand, tem se tornado cada vez mais árdua a tarefa de escolher quais séries assistir ao longo do ano, pois há programas para todos os gostos, em todos os formatos com todos os tipos de atrativos. Claro que, em contramão, isso se assemelha aos tempos cada vez mais distantes em que perdíamos horas buscando algo realmente interessante para assistir nas centenas de canais disponibilizados pela TV a cabo, mas aí é questão de novamente aplicar os filtros corretos: afinal, o que não falta atualmente é opção boa entre as narrativas seriadas. E, para quem quiser tirar o atraso de 2017, resolvi selecionar as minhas cinco séries favoritas do ano, contemplando, em uma única lista, os dramas, as comédias e até as minisséries, formato que acertadamente se populariza com novo fôlego e prestígio em produções de altíssimo nível.
5º – OZARK (Netflix)
“Dinheiro é, em sua essência, a medida das nossas escolhas”.
A pior coisa que você pode fazer para Ozark é tentar igualá-la ao ícone Breaking Bad. Sim, os dois programas são sobre dois pais de família envolvidos em negócios escusos e que colocam vidas em perigo, mas, conforme comentei no texto sobre a primeira temporada, toda e qualquer semelhança termina por aí. Ozark tem personalidade própria, optando por renegar arcos clássicos de histórias dessa natureza, como a própria incursão gradativa do protagonista no mundo da ilegalidade, onde descobre possibilidades e aptidões até então camufladas. Quando Ozark começa, tudo isso já aconteceu. Desviando-se ainda da necessidade de apresentar algum tipo de catarse, o que é sempre muito cobrado pelo público, o seriado caminha com uma batida mais comedida, mas sem ser morno por conta disso. E o que dizer da coesão do elenco? Fora Jason Bateman e Laura Linney, que são ótimos protagonistas, existe Julia Garner, ótima como a jovem Ruth, um pequeno furacão que jamais passa despercebido quando está em cena.
4º – THE HANDMAID’S TALE (Hulu)
“Agora eu acordei para o mundo. Antes, estava adormecida. E foi assim que nós deixamos tudo acontecer. Nós não acordamos quando eles dilaceraram o Congresso. Nós não acordamos quando eles culparam os terroristas e suspenderam a Constituição. Nada muda de uma hora para outra. Em uma banheira que se aquece gradativamente, você seria cozinhada viva antes que pudesse perceber”.
Seria necessário um tipo muito especial de incompetência para fazer um programa como The Handmaid’s Tale dar errado, mas a verdade é que poucos conseguiriam conferir a essa adaptação do livro de Margaret Atwood tanta potência técnica e dramática. Assustadoramente atual, a série produzida pela Hulu – e que volta para uma segunda temporada em abril de 2018 – chega a causar extremo desconforto pela veracidade com que encena de forma ficcional as atrocidades cometidas contra as mulheres. Atrocidades que, na verdade, são mais comuns na vida real do que gostaríamos de constatar. Elisabeth Moss, em mais um desempenho poderoso, ganhou o seu tão aguardado Emmy de melhor atriz pelo trabalho realizado aqui, acompanhada da também premiada e sempre extraordinária Ann Dowd, impecável como a cruel tia Lydia, que intensifica a ditadura machista dessa distopia capturada com uma linguagem técnica lindíssima e inteligente, mas ao mesmo tempo profundamente aterradora em sua perspectiva dramática.
3º – FEUD: BETTE AND JOAN (FX)
“Tudo dá certo no final, Joanie. Sabe, nós do mundo do entretenimento… Toda a raiva que sentimos por não sermos amados – que é o primeiro motivo pelo qual entramos nesse negócio – todas as lágrimas, os gritos, o ódio… Isso tudo desaparece. E o público, o que eles lembram, na maior parte do tempo, é das coisas boas, do trabalho e de toda a alegria que nós trouxemos a eles. Acredite. Todo o sofrimento terá valido a pena”.
Prato farto para os cinéfilos – como não se deliciar com as inúmeras referências registradas a cada episódio? -, Feud: Bette and Joan, por outro lado, prefere não se limitar a um relato estritamente de nicho. O que esse primeiro capítulo da antologia criada pelo prolífero Ryan Murphy quer é trazer uma perspectiva humana e ampla ao universo feminino a partir do envelhecimento, com foco na indústria Hollywoodiana, onde as mulheres historicamente precisam batalhar dia a dia para conquistar o mínimo de respeito e reconhecimento. Jessica Lange e Susan Sarandon são um arraso como Joan Crawford e Bette Davis, fortalecendo um contraste difícil de antever: se a história começa como um relato divertido sobre o embate entre duas estrelas, logo Feud: Bette and Joan questiona o porquê de tanto fascínio com a disputa para, ao final, entregar o desfecho mais desolador do ano. Não é sempre que equilíbrio entre reflexão e entretenimento se mostram tão afiados em minisséries.
2º – THE YOUNG POPE (Sky/HBO/Canal+)
“Renunciei o homem em mim porque não quero sofrer ou ter que suportar o coração que o amor quebra. Seria maravilhoso amá-la do jeito que você quer que eu a ame, mas eu não sou um homem. Sou um covarde. Assim como todos os padres”.
É bem provável que você não tenha ouvido falar em The Young Pope, uma produção de alto requinte dirigida pelo prestigiado cineasta italiano Paolo Sorrentino, mas faça a sua parte e ajude a compensar o descaso da mídia e dos prêmios ao dar uma chance para essa primeira temporada de oito episódios (um segundo ano já foi confirmado, mas talvez a história e os personagens sejam outros). Nela, Jude Law tem, com folga, o melhor desempenho de sua carreira como o fictício Pio XIII, o primeiro papa norte-americano e o pontífice mais jovem da história do Vaticano. Ele é um sujeito complexo, evocando, logo de cara, a ideia que juventude pode não trazer qualquer garantia de inovação, nem mesmo na igreja católica. Com profundidade e acidez, The Young Pope contempla as mais diversas facetas da fé e do catolicismo, inclusive e especialmente as suas incongruências. É programa de consistência invejável e encenada por um elenco de primeiríssima qualidade, além de não se assemelhar a nada que você já tenha visto na TV (ou nas plataformas on demand).
1º – THE LEFTOVERS (HBO)
“Ela já desconfiava, mas agora sabia sabia que ele era um covarde. Um covarde com uniforme de homem valente. Valente para cruzar dois oceanos e um continente para achá-la e lutar contra inúmeros inimigos, mas, ao final, descobrir que ficou com muito medo. Medo de se deitar ao lado dela, de ser consolado enquanto chorava, de mostrar o quão pequeno ele era, de compreender tudo isso quando ela tocasse o seu rosto e sussurrasse palavras em seu ouvido. Era um pesadelo, e só o que ele sabia fazer era fugir. Respirou fundo, sentiu o gosto do sal na língua e fechou os olhos, enquanto o barco Misterioso acelerava em direção ao horizonte. Ele estava sozinho. E tudo estava bem”
Seguindo a linha do descaso, como não falar sobre The Leftovers, uma série reconhecida apenas pela crítica ao longo de suas três brilhantes temporadas? Mais do que o programa do ano, o drama criado pela dupla Damon Lindelof e Tom Perrotta para a HBO, com base no livro homônimo de Perrotta, é inquestionavelmente um dos mais marcantes desse início de século. Partindo do desaparecimento inexplicável de 3% da população mundial, The Leftovers registra o que acontece com as pessoas que precisam lidar com a imensa interrogação que é sofrer uma perda sem saber a sua real razão. É com esse assombro que os personagens tentam (ou não) continuar suas vidas: enquanto uns apenas esperam com convicção o retorno dos que partiram, outros buscam incansavelmente – através da ciência, da fé ou do quer que seja – uma forma de reencontrá-los.
O seriado tem drama, suspense, bastante imaginação, interpretações superlativas, humor e ruptura com qualquer convencionalidade ou com o que as narrativas seriadas já pré-estabelecem como parâmetro aos espectadores. Em sua terceira e última temporada, The Leftovers seguiu arrebatando na técnica (boa parte das imagens mais lindas desse ano você encontra aqui) e, mais importante de tudo, manteve-se atenta à precisão de sua história: aqui, o ciclo da série se encerra talvez não dando as respostas que tanto procurávamos no início da série, mas sim aquelas que descobrimos, ao longo da trama, serem as mais importantes e necessárias sob a perspectiva dramática. O tempo deve fazer justiça ao universo poderoso que The Leftovers apresentou durante três anos breves, mas indiscutivelmente inesquecíveis.
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Eu amei estas dicas! Eu também acho que são ótimas series. As minhas séries preferidas são as de HBO. Acho que tem muito boas histórias. Especialmente eu sou fã das series boas e uma das minhas favoritas é Sr. Ávila. Pelos resumos que li, a nova temporada promete muito para o espectador e espero que assim seja. Considero que aborda um tema interessante e pode chegar a encantar ao publico principalmente pelo seu elenco e depois pelo estilo da historia. Recomendo. Vale muito à pena, é um dos melhores do seu gênero. Além, tem pontos extras por ser uma historia criativa.