Things were simpler then.
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Hampton Fancher e Michael Green, baseado nos personagens do romance “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?”, de Philip K. Dick
Elenco: Ryan Gosling, Harrison Ford, Robin Wright, Ana de Armas, Sylvia Hoeks, Jared Leto, Edward James Olmos, Dave Bautista, Mackenzie Davis, Hiam Abbass, Wood Harris, Carla Juri, Sean Young
EUA/Reino Unido/Canadá, 2017, Aventura, 164 minutos
Sinopse: California, 2049. Após os problemas enfrentados com os Nexus 8, uma nova espécie de replicantes é desenvolvida, de forma que seja mais obediente aos humanos. Um deles é K (Ryan Gosling), um blade runner que caça replicantes foragidos para a polícia de Los Angeles. Após encontrar Sapper Morton (Dave Bautista), K descobre um fascinante segredo: a replicante Rachel (Sean Young) teve um filho, mantido em sigilo até então. A possibilidade de que replicantes se reproduzam pode desencadear uma guerra deles com os humanos, o que faz com que a tenente Joshi (Robin Wright), chefe de K, o envie para encontrar e eliminar a criança. (Adoro Cinema)
Blade Runner 2049 é, ao mesmo tempo, o pior e o melhor filme do diretor canadense Denis Villeneuve. O sentimento contraditório não está associado a comparações com o clássico Blade Runner, assinado por Ridley Scott na década de 1980, e sim às disparidades de ambição entre o trabalho de Villeneuve como diretor e o roteiro escrito pela dupla Hampton Fancher (também autor do filme original) e Michael Green (que já foi do céu ao inferno em uma carreira recente marcada por Logan e Alien: Covenant). Enquanto o canadense tem uma visão digna da mitologia do longa anterior, o texto, em termos de história, conflitos e reflexões, não acompanha as dimensões do diretor. O resultado é uma obra que, a todo momento, tenta alçar voos muito maiores do que sua própria trama permite.
Emulando e expandindo o universo do filme original, Blade Runner 2049 reverencia suas origens com bastante respeito. É inadmissível dizer que Villeneuve rouba o filme para si ou que não há aqui o DNA do longa que marcou toda uma geração há mais de três décadas. Em contramão, a continuação talvez tenha sido tomada por um zelo excessivo: com uma trama de quase três horas que poderia facilmente ser contada em muito menos, Blade Runner 2049 desaponta dramaticamente quando nos voltamos para tudo aquilo que é desdobrado pelo roteiro na prática. São voltas e mais voltas para criar, desenvolver e concluir conflitos que não justificam tanta cerimônia, o que nada tem a ver com a espera por reviravoltas (que, sim, existem), mas com o equívoco de prolongar sequências, pistas e descobertas como se isso fosse sinônimo de contemplação.
Maçante, Blade Runner 2049 tinha tudo para ser, entre tantos outros temas, um lindo estudo sobre origens – as nossas, as de nossos antecessores ou as de quem está por vir, tanto humanos quanto replicantes -, mas isso de certa forma se dispersa porque o filme é um espetáculo colossal do ponto de vista técnico. Em uma obra de roteiro mais encorpado, seria a combinação perfeita, mas, nesse caso, apenas nos remonta ao descompasso citado no início do texto: depois de alguns dias, é muito mais fácil você lembrar de todo o poder de Villeneuve em criar uma verdadeira hipnose ao conjugar som e imagem com precisão do que da história propriamente dita.
À parte o roteiro, justiça seja feita: dificilmente você verá um filme mais impressionante em termos estéticos ao longo desse ano. Da fotografia imponente do mestre Roger Deakins, que cumpre com proeza o desafio mais grandioso de sua irrepreensível carreira, à trilha nada óbvia composta às pressas por Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch após a saída do islandês Jóhann Jóhannsson (ao que tudo indica, por questões criativas), esse é um blockbuster que cria uma atmosfera como há muito não víamos – e o clímax quase subaquático justifica perfeitamente essa afirmação, sendo um verdadeiro arraso em construção visual e de tensão.
Por isso mesmo é de se comemorar que Ridley Scott tenha retornado ao universo de Blade Runner apenas como produtor. Tratando-se de um texto pouco expansivo, a sequência precisava de um realizador de visão, consistência e substância, características que Scott já perdeu há anos e que Villeneuve vem exercitando e pluralizando desde quando alçou repercussão internacional com o ótimo Incêndios. Minucioso na concepção de cada cena, o diretor termina por criar não um filme gélido ou distante por seu perfeccionismo, mas sim uma experiência altamente imersiva, onde fica fácil embarcar até na repetitiva ainda que eficiente composição de um Ryan Gosling que vive o protagonista como se ainda estivesse em Drive ou O Lugar Onde Tudo Termina.
O melhor/pior filme de Villeneuve realmente não reverbera de forma tão reflexiva (outros trabalhos assinados por ele como Os Suspeitos, O Homem Duplicado e A Chegada dão um baile nesse sentido), mas não há o que se duvidar: independentemente do retorno das bilheterias, poucos diretores fazem valer cada centavo do investimento de um estúdio, principalmente em prol de um conceito, de algo diferente e autoral. Tenho mil restrições quanto à afirmação de que certos filmes devem ser vistos na maior tela possível – filme bom de verdade deve impactar tanto na TV da nossa casa quanto na tela de um IMAX -, mas, dessa vez, vou abrir uma exceção, pois, de fato, Blade Runner 2049 é um espetáculo técnico para marcar época.
Pingback: Rapidamente: “Apresentando os Ricardos”, “Cruella”, “Druk” e “Duna” | Cinema e Argumento
Pingback: Adeus, 2017! (e as melhores cenas do ano) | Cinema e Argumento
“Blade Runner 2049” é um filme muito bem feito, mas, ao mesmo tempo, bastante anticlimático. Gostei, no entanto, muito da maneira como foi feita a ponte com o filme de 1982. Achei muito interessante e perspicaz a saída que foi adotada pelo roteiro.
Kamila, tenho uma relação muito confusa com esse filme. Admiro demais o conceito, a parte técnica, a imersão… Mas, como você disse, é bastante anticlimático e, para o meu gosto, longo e maçante demais.