
Lula a trinta dias do primeiro mandato como presidente do Brasil: em Entreatos, João Moreira Salles investiga o ser humano por trás da figura política.
ENTREATOS (idem, 2004, de João Moreira Salles): A realidade política brasileira anda tão conturbada e distorcida que dificilmente um filme como Entreatos seria feito hoje. Ledo engano se você pensa que isso tem apenas a ver com o fato do documentário de João Moreira Salles ser sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Antes de tudo, a grande questão do problema reside na forma: como falar sobre o lado íntimo e particular de um grande político quando o sistema tem sua reputação questionada dia após a dia? Lá atrás, em 2004, João Moreira Salles trabalhou pelo viés dos bastidores humanos não para se esquivar de questões políticas, mas sim para, em força cinematográfica, explorar o diferente lado de uma figura pública que é riquíssima nessa leitura. Afinal, Lula, além de autorizar a livre circulação da equipe de Entreatos pelos bastidores da campanha política que o levou à presidência do Brasil, é o tipo de personagem que interrompe uma entrevista durante um voo para contemplar a beleza da lua cheia. É em momentos pequenos como esse, mas que revelam muito sobre uma figura amplamente reconhecida por seu carisma, que Entreatos envolve muito mais do que qualquer relato histórico ou político. Inicialmente planejado como um registro da vida pública de Lula durante sua chegada à presidência, o documentário mudou seu ponto de vista quando Salles percebeu que não eram necessariamente os comícios e conversas com multidões que faziam de Entreatos um documentário preciso. E ele estava coberto de razão.
IRMÃS (Sisters, 2016, de Jason Moore): Todos os elogios possíveis já foram feitos à dupla Tina Fey e Amy Poehler – e eles são inquestionavelmente merecidos -, mas é realmente um mistério o que levou essa dupla divertidíssima a embarcar em um projeto tão errado quanto Irmãs. É claro que repetir a parceria à frente das câmeras deve ser sempre uma atrativo para as duas, o que, por outro lado, não justifica a tamanha falta de senso crítico de investir em uma comédia incrivelmente longa, arrastada, repetitiva e sem assunto. É um fiapo de história porque o filme não faz nada além de colocá-las em cena como duas irmãs incrivelmente diferentes que estão prestes a se despedir da casa onde foram criadas na infâncias. Se a pegada da comédia já é pobre por si só (quem diria que Fey e Poehler um dia topariam fazer um humor tão gráfico e escatológico?), não há muito o que se esperar do roteiro escrito por Paula Pell, profissional com larga experiência na TV em programas como Saturday Night Live e o próprio 30 Rock criado por Fey, mas que aqui parece ter perdido qualquer senso crítico ou respeito por sua própria carreira. Acreditando que basta juntar duas atrizes do calibre das protagonistas para que uma comédia tenha graça, Pell não sabe muito bem o que dizer com Irmãs, já que o filme não passa de um amontoado de cenas sem muita conexão do ponto de vista narrativo ou da própria construção de humor. Bagunçada, a experiência se agrava, por fim, com a total falta de timing do diretor Jason Moore, que alcança o feito aparentemente impossível de tornar duas horas com Tina Fey e Amy Poehler um verdadeiro tédio.
IT: A COISA (It, 2017, de Andy Muschietti): Um dos hits de 2017, It: A Coisa estremeceu os nervos de muitas plateias com o palhaço Pennywise. Há até quem não tenha poupado hipérboles, como o diretor canadense Xavier Dolan, que classifica esse suspense como “o filme do século”. Pela milésima vez, bato na tecla de que não há nada mais desinteressante do que ver um filme de terror que prioriza a linguagem gráfica à construção de clima, mas, ao que parece, essa pegada, além da garantia de fartas bilheterias, tem se reforçado na assinatura de vários realizadores. Um deles é Andy Muschietti, que tinha feito o pavoroso Mama, em 2013, com Jessica Chastain, e que novamente não esconde sua predileção pelo formato. Do lado de cá, sigo não embarcando na proposta, onde as mil formas assumidas pelo palhaço Pennywise sequer chegam perto de me causar as angústias inerentes ao gênero. Do ponto de vista temático, as influências e referências oitentistas são muito bem trabalhadas (e, em tempos exitosos do seriado Stranger Things, que bebe justamente dessa fonte, o público não sairá desapontado), com destaque para o talentoso quarteto de jovens atores que protagoniza a trama, todos simpaticíssimos, carismáticos e que, em momento algum, colocam em xeque a nossa entusiasmada torcida por eles. Graças a cada um desses pequenos atores, consegui estabelecer pelo menos uma conexão afetiva com um suspense que, em termos de tensão e exercício de gênero, passou longe de cativar.
LOS NIÑOS (idem, 2017, de Maite Alberdi): Vencedor do prêmio especial do júri no 45º Festival de Cinema de Gramado, o chileno Los Niños é um longa de percepção rara: nele, a Síndrome de Down é vista por quem nasceu com ela e não por seus familiares, professores ou médicos, o que imediatamente o distancia de obras da mesma temática e de formato mais clássico, como o documentário brasileiro Do Luto à Luta e o drama O Filho Eterno, baseado no romance homônimo de Cristóvão Tezza. Para um longa, talvez o formato seja um tanto limitador: focando-se apenas nos personagens com Síndrome de Down, Los Niños ganha em bom humor, leveza e humanidade – inclusive na linha tênue que estabelece entre ficção e documentário para a sua substância dramática -, mas, transcorrida a primeira metade, a obra não tem muito para onde expandir os dilemas versados apenas pelos próprios personagens e sem a contraposição de suas reivindicações. Dessa forma, quando Los Niños retrata a dor de pessoas quase amam mas não podem estabelecer qualquer vínculo matrimonial por, de acordo com a lei, não saberem distinguir verdades, vontades e realidades, ficamos na metade do caminho ao ouvir somente quem sofre com essa imposição. Até determinada parte, é comovente, mas, conforme o filme avança, a discussão estaciona.