45º Festival de Cinema de Gramado #10: um pouco sobre os curtas

Não vemos o rosto de Sara, mas vemos a personagem por completo. O Quebra-Cabeça de Sara é um dos destaques da mostra competitiva de curtas-metragens do Festival até aqui.

Entre um e outro longas, há ainda, no 45º Festival de Cinema de Gramado, um amplo e nobre espaço para os curtas-metragens (os brasileiros são exibidos antes de cada longa e os gaúchos ao longo do primeiro fim de semana em sessões vespertinas). Agora tiro um pouco de tempo para sobre alguns dele. Começo com A Gis, muito provavelmente o melhor filme da mostra que vi até agora – e acho difícil qualquer outro superar. O curta narra em forma de documentário a vida da transexual brasileira Gisberta Salce, que foi brutalmente assassinada em Portugal no ano de 2006. Poderoso e comovente, A Gis arrebata pela maneira completa e respeitosa com que narra a trajetória de sua personagem, devidamente relembrada por amigos, familiares e até mesmo pelo policial que encontrou seu corpo. Além de reproduzir A Balada de Gisberta, linda canção gravada na voz de Maria Bethânia em homenagem à Gis (confira abaixo uma apresentação ao vivo da cantora), o curta se torna universal a partir do íntimo e do particular, o que considero sempre muito bonito e insuperável.

Uma dobradinha perfeita em termos de qualidade e temática é O Quebra-Cabeça de Sara, de Allan Ribeiro, cineasta que anos atrás esteve aqui em Gramado com outro curta-metragem, O Clube. Filmado inteiramente no apartamento do próprio diretor com a diarista que trabalha quinzenalmente por lá, O Quebra-Cabeça de Sara é caseiro na forma, mas contundente e complexo no conteúdo. Nas imagens, nunca vemos o rosto de Sara e apenas acompanhamos seu trabalho como diarista ao mesmo tempo em que ouvimos uma narração em que ela conta a descoberta da homossexualidade da filha. Ela trabalha com gays, mas prefere que a filha seja uma “vadia” do que lésbica. Sara admite o preconceito e diz que é assim mesmo que pensa. Negra, nem a própria cor ela poupa ao afirmar que tem coisa errada que “só preto faz”. É complicado, mas vitorioso o trabalho de Allan porque Sara não simplesmente destila um discurso odioso. Na verdade, tudo ali é humanizado, onde o diretor evidencia a complexidade dos preconceitos. Normalmente não ouvimos nem procuramos enxergar a dimensão de ideias e valores contrários aos nossos. O Quebra-Cabeça de Sara ouve e procura. Um pequeno grande filme.

Um outro curta-metragem em competição me provocou na leva apresentada até aqui. É Sal, de Diego Freitas. Difícil falar sobre o filme porque toda sua curiosidade gravita em torno da resolução, que é justamente o que traz o impacto de todo o filme. Em linhas gerais, dois homens marcam um encontro e a partir daí divagam sobre as etapas do que estão prestes a fazer nessa noite que logo se revela irreversível para ambos. O objetivo comum dos protagonistas é revelado nos últimos segundos da história, mas Sal se sustenta muitíssimo bem até lá, principalmente porque os protagonistas Eucir de Souza e Guilherme Rodio são muito bons e porque o diretor Diego Freitas consegue criar um clima indiscutivelmente eficiente: é impossível não ficar intrigado e até mesmo nervoso com os misteriosos diálogos dos dois personagens. A revelação é perturbadora, e o mais impactante: baseada em fatos reais. Certamente, um título que não passa despercebido aqui na Serra Gaúcha, pelo assunto que descortina e por suas qualidades como cinema.

No mais, há curtas bacanas, mas que não me comoveram ou instigaram como os que citei acima. Embarcando no plano infanto-juvenil, temos dois exemplares: O Espírito do BosqueMédico de Monstro. Duplamente exibidos, tanto na mostra gaúcha quanto na nacional, TelentregaMãe de Monstros, ambos de Porto Alegre, são realizados com um admirável esmero técnico, mas o primeiro se destaca mais pela provocação de seu desfecho e o segundo pelo bom exercício do cinema de gênero (no caso, o terror). Já a animação Caminho dos Gigantes tem um magnífico trabalho de som e alta qualidade técnica, ao mesmo tempo em que entrega uma história repleta de metáforas e leituras. Por enquanto, em maior ou menor grau, a competição de curtas brasileiros é bem representada, com três filmes especialíssimos. Já está de bom tamanho. A programação completa do 45º Festival de Cinema de Gramado está disponível no site http://www.festivaldegramado.net.

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