
Priscila Bittencourt e Marco Ricca como pai e filha em As Duas Irenes, o delicado e completo drama de estreia do diretor Fabio Meira.
Não há como assistir ao drama As Duas Irenes sem imediatamente associar o longa-metragem de estreia do diretor Fabio Meira ao lindíssimo À Deriva, assinado por Heitor Dhalia em 2009. Ambos são obras centradas na vida de jovens garotas que, em meio às transformações e efervescências da adolescência, descobrem que seus pais vivem casos extra-conjungais. Porém, o que difere As Duas Irenes de À Deriva é que o primeiro traz um elemento muito mais complexo: não só o pai de Irene trai a esposa como também vive uma vida à parte com outra família, onde a filha também se chama Irene. Ao descobrir esse segredo que devastaria e intrigaria qualquer pessoa, a jovem decide se tornar amiga dessa outra Irene, tentando compreender primeiro o que levou o pai a criar e sustentar um outro núcleo familiar e segundo a sua própria identidade a partir de uma menina que carrega seu mesmo nome e sangue, mas com personalidade e história de vida inteiramente diferentes.
A situação é desconfortável, e o que fascina em As Duas Irenes é o poder do diretor Fabio Meira, também autor do roteiro, em fazer com que o espectador olhe para as descobertas da protagonista com a mesma curiosidade que ela própria olha. Nesse sentido, é bem possível dizer que o longa se sustenta a partir de uma tensão ininterrupta, seja pela forma como o filme desbrava a figura do pai sem mostrar seu íntimo (o que não é motivo para tratá-lo de forma unidimensional) ou pela nova identidade com que Irene assume para conhecer a meia-irmã, o que faz com que ela engate uma mentira atrás da outra para sustentar uma nova vida. O conflito dá total ritmo para o filme, que, em cada situação vivida pela personagem, desdobra situações importantes e que nos fazem refletir sobre o antiquado modelo patriarcal que ainda hoje rege a sociedade, em especial a de cidades menores.
Com uma interpretação reveladora da jovem Priscila Bittencourt, As Duas Irenes é delicado e sutil ao tratar o íntimo de todos os personagens, capturando com precisão a turbulência silenciosa dos sentimentos de cada um deles. Enquanto a Irene de Priscila entra em pleno conflito na relação com o pai sem jamais revelar o segredo para a mãe – o que obviamente também ilumina o inegável afeto que ela sente por ele -, outros coadjuvantes ganham suas devidas dimensões, como a mãe da segunda Irene, que, em um momento super discreto mas emotivo, chora por um conflito com o marido. Mais uma prova de que As Duas Irenes tem uma costura muito fina é o trabalho de Marco Ricca como esse pai que, apesar de refletir o comportamento machista e característico de toda uma geração, também tem momentos de afeto e carinho com ambas as famílias. Contido e ao mesmo tempo pulsante, o filme ainda não esquece de de contemplar as emoções, fragilidades, medos e pulsões físicas da fase adolescente. Nada previsível, clichê ou fora de tom. Tudo no lugar. Uma verdadeira pérola.