
Jessica Lange em Céu Azul: o primeiro Oscar por Tootsie foi mera formalidade, mas a segunda estatueta veio de forma muito merecida pelo filme derradeiro de Tony Richardson.
CÉU AZUL (Blue Sky, 1994, de Tony Richardson): Se o Oscar de melhor atriz coadjuvante por Tootsie foi mera formalidade para celebrar uma Jessica Lange em início de carreira, o de protagonista por Céu Azul veio para compensar a honraria apressada e equivocada de outrora (algo semelhante aconteceu décadas depois com Cate Blanchett, celebrada sem muitos méritos por O Aviador e depois com total justiça por Blue Jasmine). No mediano e derradeiro drama dirigido por Tony Richardson, Lange brilha em todos os sentidos como a conturbada e muitas vezes polêmica Carly Marshall, mulher de um oficial do exército que se muda para uma base militar com a família. Radiante, Carly passa a ser o centro das atenções na vizinhança não só porque esbanja beleza, espontaneidade e até talento para dança em um espetáculo musical, mas porque também é uma mulher problemática e inconstante do ponto de vista emocional. Para Lange, mais linda do que nunca, é um papel para deitar e rolar: sem jamais criar qualquer tipo de caricatura, a atriz toma o filme para si ao compensar toda a apatia que toma conta do roteiro quando ele decide se voltar para o marido vivido por Tommy Lee Jones ou para o próprio dia a dia na base militar. Céu Azul é o clássico caso de uma atriz indiscutivelmente maior do que o próprio filme, e a prova definitiva dessa afirmação é o terço final da obra, quando Carly decide quebrar todas as barreiras para libertar o marido de uma complicada situação em uma instituição psiquiátrica. Não há o que discutir: o filme é todo de Lange.
A CRIADA (Ah-ga-ssi, 2016, de Chan-Wook Park): Com notável domínio estético e temático, o coreano Chan-Wook Park vem fazendo história como um diretor que não faz concessões ao contar histórias. Depois de filmes mais célebres a nível mundial como Oldboy e Segredos de Sangue, o cineasta pontua outro momento importante de sua carreira com A Criada, que chegou a ser o representante da Coréia para o Oscar de filme estrangeiro, mas que não chegou entre os cinco finalistas porque os votantes da Academia obviamente não estão preparados para tanta franqueza. Passado nos anos 1930, A Criada se desenrola a partir de reviravoltas e por isso é complicado discuti-lo sem correr o risco de revelar algum detalhe fundamental da história. No entanto, se existe algo que realmente pode afetar aos mais sensíveis a temas fortes (caso dos votantes do Oscar), é a força sexual do filme, que, repleto de cenas muito gráficas e impactantes de sexo, surpreende por usá-las não para levantar qualquer tipo de polêmica, mas para dar potência a um filme que, no final das contas, pode ser interpretado como um romance dos mais inesperados. Com uma reconstituição de época impecável, A Criada tem estilo na forma e no conteúdo, fazendo jus a tudo de diferente e subversivo que o cinema oriental normalmente costuma produzir. Contudo, o longa dilui boa parte de suas discussões ao depender tanto de reviravoltas. Na surpresa pela surpresa, A Criada perde o espírito, parecendo muito mais um jogo onde o espectador precisa adivinhar a próxima virada do roteiro do que propriamente se envolver com uma história instigante nos mais diversos aspectos.
O RIO SELVAGEM (The River Wild, 1994, de Curtis Hanson): Poucas vezes Meryl Streep esteve tão sem presença e ineficiente como em O Rio Selvagem, filme que misteriosamente lhe rendeu indicações ao Globo de Ouro e ao Screen Actors Guild Awards de melhor atriz no ano em que Jessica Lange conquistava seu segundo Oscar por Céu Azul. No filme do saudoso Curtis Hanson, ela interpreta Gail, uma mulher expert em rafting que, em férias com a família, cruza um perigoso rio para escapar de uma dupla que, aos poucos, começa a se revelar mais perigosa do que aparenta. Apesar do empenho ao recusar dublês em praticamente todas as cenas de ação, Meryl tem pouco a fazer nessa obra que envelheceu muito mal em termos estéticos e narrativos. Se a ação é extremamente previsível e repetitiva (demanda certa paciência acompanhar tantas sequências de rafting ao longo da história), o fato de O Rio Selvagem querer, sem sucesso, dar algum estofo dramático a seus personagens entre uma adrenalina e outra amplia a falta de firmeza do roteiro, já que os dilemas envolvendo o casamento falido entre Gail e Tom (David Strathairn) são rasos demais para causar qualquer envolvimento no espectador. Trazendo ainda Kevin Bacon e John C. Reilly como a dupla que toca o terror na vida dos protagonistas, O Rio Selvagem falha inclusive em ser uma aventura divertida, já que trata com certa seriedade até as decisões mais tolas tomadas pelos personagens em momentos de perigo. Os embates físicos, visivelmente construídos na ilha de edição, também quebram a conexão com o filme pela artificialidade, reiterando a impressão de que nem mesmo Meryl tinha muito o que fazer em uma produção pouco eficiente no senso de entretenimento.
SOBRE VIAGENS E AMORES (L’estate Addosso, 2017, de Gabriele Muccino): É da natureza do diretor Gabriele Muccino contar histórias calcadas no melodrama. Seja nos Estados Unidos ou na Itália, é facilmente identificável o estilo impresso por ele em filmes como À Procura da Felicidade, Sete Vidas e agora esse Sobre Viagens e Amores. Em sua mais nova produção, Muccino lança um olhar agridoce e nostálgico para as descobertas da adolescência e, principalmente, para o quão complicado é enfrentar certas dores pela primeira vez na vida. Entretanto, o curioso de Sobre Viagens e Amores não é como o diretor novamente pesa a mão ao açucarar a história com trilhas bonitinhas, fotografia inspirada em filtros do Instagram e conflitos das mais variadas naturezas resolvidos com frases de efeito, mas sim como ele sabota a história ao transformar um interessante relato sobre o poder da amizade em uma ciranda de desejos e amores. A intenção é clara e válida – fazer uma interessante relação entre os desejos velados no fervor da adolescência e na estabilidade de um matrimônio -, mas a guinada é gratuita demais para um filme que vendia algo muito diferente até então. Dessa maneira, a mudança de foco em Sobre Viagens e Amores termina como uma traição para um filme que se desenhava como uma singela homenagem aos amigos que descobrimos e levamos para a vida toda. A proposta inicial tinha os vícios de Muccino, claro, mas era levada com muita despretensão e delicadeza pelo diretor, sem jamais sinalizar as ambições que ele logo revela, mas não consegue administrar com as devidas sutilezas e complexidades.
Só assisti a “Céu Azul” e, mesmo assim, há muito tempo! Tenho que revisitar!
Kamila, é um filme que não ficou tão marcado através dos anos, né? Ainda que Jessica Lange esteja iluminada, a história em si não marcou…